Com quase 180 mil seguidores no Instagram, o chef Jefferson Rueda começou a notar uma movimentação um pouco diferente do que está acostumado nas redes sociais. “Vi que estava sendo marcado em fotos com meus pratos e descobri que eram alunos do meu curso online fazendo as receitas em casa”, afirma o chef do estrelado A Casa do Porco, em São Paulo.
Essa nova forma de interação foi um belo termômetro para Rueda. Afinal, mostrou o poder de alcance que seus dois cursos – “Cozinha Caipira” e “Segredos do Porco” – conseguiram poucos meses depois do lançamento na internet. “É legal o tanto de gente com quem você fala, de Pernambuco, da Bahia...”, diz Rueda.
Um mercado que já estava aquecido, o de ensino a distância, ganhou força na pandemia, e a gastronomia “digital” surfou na mesma onda, com o aumento da procura por receitas e técnicas de cozinha na internet. Os chefs, que já expandiram seu currículo muito além do restaurante – como apresentadores de programas e garotos-propaganda de marcas, por exemplo –, viram nas aulas online mais um modelo de negócio.
Hoje é comum ver nomes como o de Felipe Bronze (restaurante Oro e programas no canal GNT) e de Alex Atala (restaurante D.O.M.) dividindo espaço de igual para igual com artistas, jornalistas, entre outras “celebridades” nas grades das escolas virtuais.
“Atualmente, contamos com dez cursos de gastronomia, que representam cerca de 40% do nosso portfólio”, diz Sergio Agudo, CEO da plataforma de educação Curseria que, desde sua criação, em 2017, está de olho nos nomes fortes da gastronomia.
De acordo com Agudo, os alunos querem se conectar com os seus ídolos para aprenderem suas técnicas e receitas. "Imagina você ter Henrique Fogaça, Rodrigo Oliveira ou Alex Atala como professor?”, afirma o CEO da Curseria, que se inspirou no Masterclass, plataforma de educação americana que tem aulas com a atriz Natalie Portman, o CEO da Disney Bob Iger ou o prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman.
O interesse do público é confirmado pelos números. Só no ano passado, a escola virtual teve mais de 40 mil novos alunos, sendo 45% da fatia em busca de técnicas, receitas e histórias de seus cozinheiros favoritos.
Um dos que mergulharam intensamente no formato foi Rodrigo Oliveira, do premiado Mocotó, em São Paulo. “Mas não queríamos fazer mais do mesmo", diz o chef. "Decidi ensinar o que tenho propriedade para falar: a cozinha do Mocotó.”
Assim foi moldada a ideia do curso “A Cozinha Sertaneja”, dividida em dez aulas, ao custo total de R$ 699. Cada episódio traz um ingrediente como protagonista – milho, mandioca, feijão e carne de sol ajudam a contar a história de Oliveira e do restaurante da família. “O mais importante é que se entenda o conceito do ingrediente e cada aluno aplique o conhecimento da sua forma”, afirma Oliveira.
Assim como Oliveira, Jefferson Rueda escolheu seu principal ingrediente (o porco) e sua cultura alimentar para construir os dois cursos que ministra pela plataforma Edutiva. Quem acompanha o curso se surpreende com o resultado, não só do conteúdo como também do formato.
“Quisemos gravar com qualidade de cinema. Valorizamos o storytelling, mostrando o passado do Jefferson, suas conexões, o lado humano”, explica João Nassar, CEO e fundador da Edutiva, que também se inspirou na Masterclass.
Durante meses, as gravações do curso passearam pela cidade natal do chef, em São José do Rio Pardo, no interior paulista, pela criação dos porcos e pelo preparo de receitas na cozinha de sua casa, na região central de São Paulo.
“Preferi fazer os pratos dentro da minha cozinha para mostrar proximidade com o público. Falo de um jeito para as pessoas ficarem à vontade, para mergulharem mesmo no curso”, afirma Rueda.
No total, foram apresentadas 28 receitas (14 por curso), que vão desde pratos de memória afetiva, como o arroz de suã com a técnica do “pinga e frita”, até ícones de seu restaurante, como o tartar de porco. Cada curso, com 12 episódios, custa R$ 325. Quem prefere fazer os dois paga R$ 455 no total.
Ser o mais plural possível é um dos pilares das aulas de gastronomia online para acolher alunos com diferentes níveis de experiência. “São cursos para qualquer tipo de público: um profissional de cozinha que quer aumentar o repertório ou para quem está começando”, diz Oliveira, do Mocotó, sobre suas aulas.
A falta de interação, um dos obstáculos do online frente às aulas presenciais, é compensada com apostilas com conteúdo (como receitas das aulas ou outras de base, como caldos) e suporte técnico.
As plataformas oferecem um canal aberto para envio de dúvidas, no qual os alunos podem se informar onde encontrar determinados ingredientes ou saber a marca de equipamentos e utensílios usados pelos chefs, por exemplo.
“Uma das minhas preocupações foi trazer ao vídeo respostas às dúvidas que sempre apareciam nas aulas presenciais”, afirma Onildo Rocha, chef paraibano do Grupo Roccia.
Depois de ministrar muitos encontros em São Paulo e em João Pessoa para interessados na “Nova Cozinha Nordestina”, Rocha decidiu reproduzir o conteúdo em vídeo-aulas para comercializar em seu próprio site.
Para ter o “calor” dos alunos em sala, teve ajuda da equipe no set de gravação. “Eles foram fazendo perguntas para eu interagir e deixamos acontecer erros, como a maionese não levantar, para mostrar como recuperar”, conta Rocha.
Por mais que o tema seja regionalizado, a procura pelo curso de Rocha, mesmo na versão presencial, não é exclusiva do Nordeste. “Muitos alunos vinham de São Paulo e do Rio de Janeiro para fazer aqui (em João Pessoa)”, relembra o chef.
Essa pluralidade continuou no online, que registrou a presença digital de mais de 500 pessoas nas cinco regiões do país. O curso, “destrinchado” em três módulos (cada um ao custo de R$ 450), traz 23 aulas, nove pratos e 14 técnicas da cozinha.
O poder de alcance, sem dúvida, é uma das grandes vantagens do online. Quem comemora é o chef Alberto Landgraf. Desde o lançamento, no ano passado até agora, já foram feitos mais de 1.500 downloads do seu curso “Processo Criativo para Profissionais de Gastronomia”.
“Eu quis atingir a pessoa que está em casa na pandemia, sem muita perspectiva, e abrir novas possibilidades [profissionais]”, explica Landgraf, que disponibilizou o curso pela plataforma Hotmart, startup mineira que se transformou, neste ano, em unicórnio, com são chamadas as empresas avaliadas em, pelo menos, US$ 1 bilhão.
A aula única tem um preço acessível (R$ 35), o que ajudou no número de vendas. “Se eu montasse um curso por R$ 600 faturaria o mesmo, mas não atingiria tanta gente”, diz Landgraf, chef do estrelado Oteque, no Rio de Janeiro. Ele preferiu não ensinar receitas e focar na criatividade. “As pessoas precisam ter multidisciplinaridade para chegar a determinados resultados. Acima de tudo, ser criativo é um estilo de vida”, afirma.
Com uma cartela tão recheada de opções em mãos, o aluno virtual consegue não só estar mais próximos de seus ídolos na cozinha – na conveniência de um clique, na hora que quiser – , como também se aprofundar na rica cultura gastronômica brasileira, praticada em qualquer canto do País.