No meio da pandemia, o chef Rodrigo Oliveira, do restaurante de comida sertaneja Mocotó, vai tirar do papel um projeto antigo, no qual trabalha há quatro anos: a abertura de um restaurante em Los Angeles. O sócio da empreitada, o grupo Sprout, é da área de hotelaria, de eventos e de restauração.

A ideia original era ter um restaurante dentro de um hotel do grupo, também donos de restaurantes como o Bestia e o Republique. Mas o coronavírus está fazendo Oliveira e seus sócios a reverem esse plano.

“Tivemos uma boa reunião nesta semana e decidimos que vamos com a mesma sociedade abrir apenas o restaurante em outro ponto, fora do hotel”, afirmou Oliveira ao NeoFeed. “Vamos aproveitar uma casa que já existe, no Art Distrit, em Hollywood, para reformar e abrir.” A data? Ele acredita que ainda neste ano.

De acordo com Oliveira, ter um restaurante internacional é uma obrigação de sua geração de cozinheiros. “Está havendo um grande movimento da cozinha latina no mundo. E o Brasil ainda não se posicionou”, afirma ele.

Nesta entrevista ao NeoFeed, Oliveira analisa como o delivery está ajudando o Mocotó a sobreviver, apesar de não dar lucro, e fala ainda de seu projeto social, que entrega 200 marmitas por dia para as comunidades de Vila Medeiros, bairro de origem operária da Zona Norte de São Paulo, onde está localizado o Mocotó.

Oliveira conta também a história de como o chef Lucas Gozzani, do restaurante Fasano, o ajudou neste projeto durante a pandemia. Certa noite, ele recebeu uma ligação de Gozzani, dizendo que tinha um monte de produtos incríveis, mas que tinha de servir logo.

“Assim juntamos o Fasano à Vila Medeiros”, afirma Oliveira. “Momentos como estes não devem ser desprezados, tudo isso que a gente está passando deve ter uma razão para acontecer.” Acompanhe a entrevista:

Vamos começar esta conversa olhando o futuro. O Mocotó está pronto para abrir pós-pandemia?
Está chegando perto da hora de os restaurantes terem autorização para abrir. (Nota: a prefeitura de São Paulo deve autorizar a reabertura de bares e restaurantes a partir de 6 de julho). Mas não sei se abriremos neste momento. Fechamos antes do decreto e não será um decreto do governo que nos vai fazer abrir as portas. Nos nossos mandamentos, está o de preservar a nossa saúde e a da nossa comunidade. Não vamos fazer nada, absolutamente nada, se não tivermos segurança. Depois de autorizado, imagino que precisaremos de mais duas semanas para organizar tudo para abrir. Naturalmente, o restaurante valoriza a saúde do visitante, tudo é feito em busca de segurança alimentar. Claro que quando abrirmos, iremos redobrar a atenção em cada detalhe e reduzir a capacidade da casa.

Como conciliar o restaurante aberto com o delivery?
Sabemos que é uma balança com dois pratos e é impossível ter um aumento de demanda do salão que não diminua o movimento do delivery. Acho que os dois, restaurante e delivery, vão se equilibrar com o tempo. O delivery é um projeto muito especial para a gente e vamos continuar olhando com carinho para ele. Ainda estamos aprendendo, tem muito para evoluir em comida e em logística.

E o plano do restaurante dentro do hotel Hollywood Roosevelt, em Los Angeles?
Estamos trabalhando neste projeto há quatro anos. Há dois anos temos um chef nosso morando lá. Mas os nossos sócios, o grupo Sprout, também donos de restaurantes como o Bestia e o Republique, são da área de hotelaria, de eventos e de restauração. Estes três negócios foram devastados pela crise. Tivemos uma boa reunião nesta semana e decidimos que o restaurante vai sair do hotel. Vamos com a mesma sociedade abrir apenas o restaurante em outro ponto, fora do hotel. Vamos aproveitar uma casa que já existe, no Art District, em Hollywood, para reformar e abrir.

Quais os prazos, os investimentos?
Estamos definindo isso esta semana. Acredito que deva ser possível inaugurá-lo ainda este ano. Mas o calendário ainda está em estudo.

Era um sonho ter um restaurante internacional?
Acho que é uma obrigação nossa, dos cozinheiros da minha geração. Está havendo um grande movimento da cozinha latina no mundo. E o Brasil ainda não se posicionou. O México e o Peru lideram este movimento. Tem o Lima London, do Virgilio Martínez, em Londres (que em seu país de origem é chef do estrelado restaurante Central, em Lima), tem o Enrique Olivera com o Cosme, em Nova York (chef do mexicano Pujol). São restaurantes que fogem das caricaturas da comida latino-americana. São casas de alta cozinha, em lugares desejados, com ambientes lindos e serviço acolhedor. E o Brasil também precisa ter o seu espaço.

Voltando ao Brasil, qual o balanço desta quarentena?
Acho que nunca trabalhei tanto na vida. Minha sensação é que estou começando tudo do novo, mais uma vez. Tivemos de redesenhar o nosso negócio da noite para o dia. Acompanhávamos o cenário internacional, com informações de cozinheiros do mundo todo. De Portugal, da Ásia, dos Estados Unidos, e fomos montando estratégias, das mais apocalípticas às mais otimistas. Criamos uma lista de cinco mandamentos, que seguimos para todas as decisões, daquelas do dia a dia até as grandes ideias. Decisões sobre como manter os fornecedores, como embalar as marmitas, se trazemos funcionários do salão para ajudar na cozinha. Todas estas decisões foram tomadas baseadas nestas diretrizes, sem esquecer os valores do restaurante.

"Acho que nunca trabalhei tanto na vida. Minha sensação é que estou começando tudo do novo, mais uma vez. Tivemos de redesenhar o nosso negócio da noite para o dia"

Por exemplo?
As marmitas. Entregamos 200 marmitas todos os dias, de segunda a segunda, para as comunidades da Vila Medeiros (bairro na Zona Norte de São Paulo, onde fica o restaurante Mocotó). Nossa intenção nunca foi entregar uma refeição, mas entregar o acolhimento, a dignidade. As pessoas merecem comer uma carne cozida à perfeição, merecem provar pela primeira vez um shimeji.

Tem shimeji nas marmitas?
Sim. Os parceiros foram surgindo no meio ao caos. Um dos primeiros a chegar foi o grande Lucas Gozzani (chef do restaurante Fasano). Estávamos fazendo as marmitas sem alarde, mas a notícia se espalhou e correu o mundo. Uma noite, era quase meia noite, eu estava com a minha mulher pensando em como fazer, quando o Lucas me ligou. Ele disse que tinha um monte de produtos incríveis, mas que tinha de servir logo. Assim juntamos o Fasano à Vila Medeiros. Momentos como estes não devem ser desprezados, tudo isso que a gente está passando deve ter uma razão para acontecer.

É sua maior ação?
Não, a maior é a da Dri (Adriana Salay, mulher de Oliveira). com as cestas, no projeto da Quebrada Alimentar. Em junho, entregamos 6,5 toneladas de alimentos para as associações de bairro, com cestas básicas, com produtos orgânicos, que vem pelo Instituto Ibia, que apoia a agricultura familiar. E também cestas de higiene. Sempre apoiamos as associações da nossa região, em ações pontuais. Mas agora estamos agindo de maneira mais ostensiva, atuando em todas as frentes.

É a função social do Mocotó?
Não. A sensação que tenho é que faço o que qualquer cidadão deveria fazer. Tem cozinheiros nossos que fazem ações parecidas em outras comunidades, tem aqueles que estão cozinhando em casa, levando comida para moradores de rua. O gesto é o mesmo, mas como temos mais estrutura, alcançamos mais gente. A crise demanda ações deste tipo, mas ela não resolve um problema. Os problemas vêm de uma raiz comum, que é a desigualdade, em todos os sentidos, de educação.

Nesta crise, o Mocotó focou no delivery, abrindo até o Mocotó para viagem em Guarulhos (cidade da Grande São Paulo).
O Mocotó para viagem em Guarulhos foi uma boa surpresa nesta maluquice toda. O delivery bombou. Claro que não se compara com o movimento da casa aberta. Há quase dois anos montamos o delivery do Mocotó e era um sucesso. O Mocotó para viagem em Guarulhos era para ter sido aberto em dezembro, passou para fevereiro pelas obras e acabamos abrindo no meio da pandemia. Foi uma sorte tremenda e ajudou a manter as pessoas trabalhando.

Qual a importância do delivery hoje?
O delivery diminuiu o prejuízo, mas não chega a ser uma operação positiva. Se não tivéssemos o delivery, teríamos recurso para sobreviver por três meses. Com o delivery, conseguimos sobreviver por um ano. É um fôlego importante. Mais importante que isso é o fato de a gente continuar movimentando a cadeia, os nossos fornecedores. Temos alguns fornecedores em que o Mocotó representa 80% de sua renda.

O que aprendeu com o delivery?
Confirmou nossa suspeita de que era uma tendência. Quando estudei em 2003, as aulas de administração e de marketing traziam o delivery como tendência. Descobrimos que o delivery é quase outro negócio. Claro que a expertise da cozinha ajuda, que o pós-venda ajuda. Mas é outro jogo. Precisamos pensar em um menu para este formato, na embalagem. A logística é uma peça tremenda, fundamental, em especial o motoboy. Alias, o motoboy é a peça mais importante.

Apesar dos problemas com os aplicativos?
Estamos com o iFood, que era quem tinha a proposta mais robusta. A nossa área não era atendida, mas o iFood acreditou e disponibilizou uma frota. Claro que quanto mais volume e mais prestígio tem uma marca, menor é a taxa. E é uma negociação ferrenha. Deste o começo, procuramos cativar os motoboys, oferecemos água, café, tratamos com o devido respeito. Se queremos que eles façam parte de uma equipe, eles devem ser tratados como parte da equipe. Acredito que o motoboy precisa ser melhor valorizado e tratado.

O seu clássico dadinho de tapioca viaja bem no delivery?
Ele teve de ser adaptado. Mudamos a temperatura da fritura, para ele ficar mais cascudo e chegar crocante, mas claro que não tão crocante quanto o do restaurante.

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