Como um dos ecossistemas com a maior biodiversidade do planeta e o segundo grande depositário de CO2 na natureza, o solo garante não só a produtividade e a qualidade das lavouras como a sobrevivência de muitas espécies da fauna e da flora, inclusive a humana. Impossível, portanto, pensar o futuro da alimentação sem considerar a urgência da recuperação da saúde da terra.
Atualmente, metade da área agrícola global está esgotada, o que leva a uma perda de produtividade da ordem de US$ 400 bilhões por ano, alertam analistas do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês).
“O modo como a agricultura é praticada hoje, com o uso intensivo de máquinas pesadas, fertilizantes e pesticidas contribui sobremaneira para a degradação do solo. Em 50 anos, pode não haver solo suficiente para alimentar o mundo”, lê-se em relatório do fórum. “E, responsável por mais de um terço das emissões globais de gases do efeito estufa, a agricultura intensiva contribui para o aquecimento global.”
No relatório “The Future of Nature and Business”, os especialistas do WEF defendem a agricultura regenerativa como uma das estratégias mais importantes na transição para modelos de produção mais sustentáveis, produtivos e inclusivos.
Para eles, a prática agrícola pode revolucionar o campo, ao combinar a produção de alimentos com a restauração e o fortalecimento do ecossistema do solo. Adotado em larga escala, até 2030, o método poderia gerar negócios de US$ 1,4 trilhão, por ano, e criar 62 milhões novos postos de trabalho.
Os preceitos da agricultura regenerativa foram estabelecidos nos anos 1980, pelo editor e agricultor americano Robert Rodale (1930-1990), quando produtores de milho e soja do centro-oeste dos Estados Unidos enfrentaram uma grave crise de produtividade por causa do empobrecimento da terra.
A proposta é a de um olhar holístico para as plantações. E o lema, interferir o menos possível, evitando fazer o que a natureza jamais faria. São cinco os princípios mais fundamentais da agricultura regenerativa.
Fazer rotação de culturas, o sistema que combina duas ou mais espécies em uma mesma área da lavoura.
1) Adotar as plantas de cobertura, para evitar a erosão da terra.
2) Reduzir (se possível, abolir) o uso de arado e de fertilizantes e pesticidas sintéticos.
3) Integrar lavoura, pecuária e floresta.
4) Promover práticas justas de trabalho para os agricultores e o bem-estar animal. Afinal, não há desenvolvimento sustentável é incompatível onde existe abuso e maltrato.
O solo é a métrica mais importante para garantir a lucratividade e resiliência das lavouras. Uma colher de chá de terra saudável contém uma vasta variedade de espécies, como minhocas e cupins, e até 6 bilhões de microorganismos, entre fungos e bactérias, apontam pesquisadores da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália.
Na interação desses bichos e micróbios com os resíduos orgânicos são produzidos os nutrientes imprescindíveis para a nutrição das plantas. O valor socioeconômico da biodiversidade do solo ultrapassa US$ 1,5 bilhão, segundo a FAO, a agência das Nações Unidas para alimentação e agricultura.
Lançado recentemente, outro estudo do WEF, em parceria com as consultorias Deloitte e NTT Data, o documento “Transforming Food Systems with Farmers: A Pathway for EU” traz um levantamento minucioso dos impactos ambientais, econômicos e sociais com a adoção de uma “agricultura inteligente”, como a regenerativa.
Se apenas um quinto dos fazendeiros europeus convertessem suas plantações para modelos sustentáveis de cultivo, até 2030, a renda dos agricultores poderia aumentar entre 1,9 bilhão e 9,3 bilhões de euros, com uma redução de 6% nas taxas anuais de emissões de gases de efeito estufa.
Uma pesquisa da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), mostra que, se, até 2040, metade das lavouras na África operasse sob o modelo regenerativo, os rendimentos cresceriam, no mínimo, 13%, com adicional de adicional de 62 milhões de toneladas de alimentos e US$ 70 bilhões.
Além disso, cinco milhões de empregos seriam criados, a erosão do solo reduziria 30%, as taxas de infiltração de água no solo subiriam 24% e a absorção de CO2 seria 20% maior. “A agricultura regenerativa assegura o abastecimento, fortalece os meios de subsistência e sequestra carbono”, informa o documento “Regenerative Agriculture: An opportunity for businesses and society to restore degraded land in Africa”.
Em um primeiro momento, a conversão de uma lavoura para a agricultura regenerativa pode parecer complexo e caro demais, reconhecem os analistas da IUCN. O retorno, em geral, vem depois de dois a cinco anos de cultivo. Mas, a longo prazo, as terras restauradas podem propiciar ganhos entre 3 e 26 vezes maiores do que os métodos agrícolas tradicionais.
Mantido o ritmo atual de deterioração do meio ambiente, metade do PIB global, o equivalente a US$ 44 trilhões, está sob ameaça, informa o WEF. Se nada for feito para mudar esse cenário, até 2050, o mundo perderá uma quantidade enorme de terra agrícola, de tamanho equivalente à América do Sul, advertem pesquisadores da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.
“A agricultura moderna alterou a face do planeta como nenhuma outra atividade. Precisamos repensar urgentemente os sistemas alimentares globais”, diz Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da entidade. “O modelo atual é responsável por 80% do desmatamento, 70% do uso de água doce e a maior causa de perda de biodiversidade terrestre.”