A história da pintora mexicana Frida Kahlo foi marcada por sofrimento físico. Ela passou a vida adulta em dor quase constante, depois de um horrível acidente de ônibus, aos 18 anos. Além disso, teve poliomielite na infância.

Em certo sentido, isso acabou com a vida dela; em outro, criou novas possibilidades. A partir de então, teve anos de desconforto crônico e cirurgias frequentes. “Agora vivo num planeta doloroso”, ela escreveu em uma carta, “transparente como gelo; não há nada oculto”.

O crítico inglês Will Gompertz lança em agosto deste ano, no Brasil, "Como os artistas veem o mundo", pela editora Zahar, e mostra, por exemplo, como a dor de Frida Kahlo permitiu a ela dizer o que sentia por meio de pinturas que eram tristes e engraçadas, sombrias e alegres.

Com a ajuda de alguns grandes pintores e escultores, diz o autor, “nós também podemos nos tornar mais sensíveis, atentos e conscientes.” E os “antolhos invisíveis de pressupostos” que possam restringir nossos pontos de vista podem ser removidos.

“Em suma, podemos recorrer aos artistas para que nos ajudem a ver o que estamos perdendo”, diz Gompertz, jornalista especializado em artes e atual diretor artístico do Barbican Center.

Conhecido por sua habilidade em contar histórias de modo instigante, Gompertz é didático e divertido, o que torna o desafio de desfiar a história da arte – outro propósito do seu estudo – de modo mais atraente.

Tanto que o The Guardian o definiu a seus leitores como “o melhor professor que você já teve”. O The Times destacou seu novo livro como “uma ótima lição sobre como obter mais não apenas da arte, mas também da própria vida. Gompertz está no auge”.

De certo modo, o autor dos best-sellers "Isso é arte?" e "Pense como um artista", ambos traduzidos para mais de vinte idiomas e publicados no Brasil pela Zahar, fez um livro com jeito de enciclopédia e adentra na vida e na obra de nomes considerados dentre os mais geniais de todos os tempos, para compartilhar o modo como olham à sua volta e, dessa forma, criam sua arte.

Cada um tem um jeito peculiar, que ele resume em um único termo: David Hockney (ajuda a ver a natureza), John Constable: (mostra como ver nuvens), Frida Kahlo (via o mundo através da dor), Wassily Kandinsky (orientava a ver a música), Rembrandt (a ver a si mesmo), Edward Hopper (compreender o isolamento), Jennifer Packer (Ver o que não está ali), Paul Cézanne (Ver com os dois olhos) etc.

Em cada caso, ele parte de uma única obra para iniciar uma viagem pela mente do artista e descobrir sua maneira própria de olhar — “a qual, aplicada à nossa existência, estimula nossos sentidos, aguça nossa percepção e nos incentiva a abrir totalmente nossos olhos”.

Entre as pinturas de Basquiat, o autor destaca "Notary" (1983), que chama de magistral. “Ninguém nunca fez uma obra assim, nem antes nem depois. Trata-se de uma massa irregular em que o artista rabisca ideias, emoções, opiniões, referências, conversas, observações, retratos, reportagens, trocadilhos, camadas, redações, reduções, redesenhos e constantes reavaliações”.

Segundo ele, parece uma miscelânea incoerente, mas, na verdade, “é uma composição de um virtuosismo incomparável, uma sinfonia para uma cidade: uma reflexão sobre as complexidades da vida urbana contemporânea e de nossa mente sobrecarregada de estímulos”.

Rembrandt, em sua obra, diz ele, dá uma aula magistral sobre a arte da autopercepção. “Nunca se esquivou a olhar longa e intensamente para si mesmo”, sabia que cada músculo contraído, cada pequena ruga, cada mancha na pele revelava algo da alma interior das pessoas.

“Se eu pudesse escolher como ver, gostaria de ver como Rembrandt (1606-69). O mestre da Idade de Ouro holandesa via com muita clareza. (...) seu olhar inquisitivo atravessava a aparência externa e revelava uma alma viva”.

Para ele, enquanto parte da humanidade passa a maior parte do tempo de um lado para outro e ignora os maravilhosos fenômenos da vida, essas personalidades enxergam o meio ao redor “com olhos experientes e interessados”.

Todos os artistas são especialistas do olhar. Sua atividade, escreve, consiste em interrogar visualmente o mundo e tudo o que há nele: pessoas, lugares, coisas.

Mas a correria do dia a dia ou o comodismo dificulta o aguçamento de cada um de nós para superar essa falta de sensibilidade. “O hábito faz o monge e cria também uma forma de cegueira, em que deixamos de ver o que está habitualmente à nossa volta”.

O autor lembra que Siegfried Kracauer, crítico alemão de cinema do século XX, sabia disso. Em seu livro "Theory of Film" (1960), ele escreveu: “Rostos íntimos, ruas percorridas diariamente, a casa onde moramos — todas essas coisas fazem parte de nós como nossa pele, e, como as conhecemos de cor, não as conhecemos com os olhos”.

Will Gompertz acredita que, por tudo isso, a árvore, o prédio ou mesmo a cor de uma rua se tornam imperceptíveis, não são registrados em nossa memória ou consciência. “Perdemos muito. Os artistas, não. Eles veem com ‘olhos inocentes’, como disse John Ruskin, o crítico de arte vitoriano. Aprendem a desaprender: a ver como se fosse a primeira e não a enésima vez”.

Para o autor o “surpreendente”, foi o tanto que aprendeu sobre algo que achava que sabia, que é olhar para a arte.

“Em vez de dar prioridade à narrativa, ao significado ou à técnica no primeiro contato com uma pintura ou escultura, agora penso primeiro no ponto de vista do artista”.

Compreender isso é não só a chave para o verdadeiro entendimento de sua arte, como também um claro convite da parte deles para se ver o que está se perdendo. “Esse aspecto de genuíno esclarecimento foi o mais revelador para mim.”

Livro publicado pela ed. Zahar

SERVIÇO:
"Como os artistas veem o mundo"
Will Gompertz
344 páginas
Impresso: R$ 99,90 | E-book: R$ 39,90
Editora Zahar