O empresário Guilherme Benchimol foi um dos primeiros brasileiros a vivenciar os problemas que o coronavírus poderiam trazer ao País. Isso porque o segundo caso oficial de Covid-19 aconteceu com um funcionário da XP Inc., a empresa fundada e comandada por ele.

Atualmente avaliada em mais de US$ 11 bilhões na Nasdaq, com mais de R$ 400 bilhões sob custódia e uma equipe de 2,7 mil funcionários, a empresa teve de implementar uma ação de guerra para migrar todos para o home office.

Agora, o empresário enxerga uma hecatombe próxima de acontecer: a explosão do desemprego, da fome e a recessão econômica em decorrência do “lockdown” horizontal, em que todos ficam em casa.

Em entrevista exclusiva ao NeoFeed, Benchimol sugere um lockdown vertical e diz se preocupar com os pequenos comerciantes. “O Brasil tem 40 milhões de pessoas autônomas, muitos microempreendedores que não têm capital de giro”, diz ele.

Sua preocupação é mais do que justificável, mas a equação é de difícil resolução. “O lockdown achata a curva (de infectados) e permite criar toda estrutura, mas abre outra brecha, uma outra porta, que é ‘como essa turma vai, literalmente, se alimentar, sobreviver ao amanhã?’”, diz ele.

Para reduzir os temerários efeitos dessa crise, a XP criou o movimento “Junto Transformamos”, que vai destinar R$ 25 milhões para comprar comida a pessoas carentes. Na plataforma, outras pessoas podem doar. “Pretendemos chegar a R$ 100 milhões”, diz ele.

Na entrevista que segue, Benchimol fala sobre as medidas dos governos, analisa a ação do ministério da Economia e pede que o BC tenha mais liberdade para agir. “Tivemos uma crise na saúde que derivou em uma crise na economia real. A gente não pode agora começar uma crise de 2008. Não pode começar uma crise financeira.” Acompanhe:

Como você está enxergando o coronavírus tanto do ponto de vista como empresário e também do ponto de vista macro?
A visão mais macro é a de que, obviamente, é uma calamidade. Temos uma situação inédita no mundo, uma pandemia, um vírus grave e o caminho encontrado pelos governantes foi fazer o lockdown. Com isso consegue-se achatar a curva de contaminação e se preparar sob o ponto de vista de saúde. Isso porque não tem respiradores suficientes, leitos suficientes e etc. O lockdown é importante para que você possa estruturar o seu ambiente de saúde e, simultaneamente, entender como o vírus funciona no seu país. Cada país tem a sua particularidade.

E qual é a particularidade do Brasil?
O Brasil é um país pobre e, quando você faz um lockdown, milhares de pessoas ficam sem gerar renda. O Brasil tem 40 milhões de pessoas autônomas, muitos microempreendedores que não têm capital de giro. Então, o lockdown achata a curva (de infectados) e permite criar toda estrutura, mas abre outra brecha, uma outra porta, que é ‘como essa turma vai, literalmente, se alimentar, sobreviver ao amanhã?’.

Como irão?
Tem que vir com medidas fiscais para que essa turma consiga sobreviver, com a sociedade ajudando, não é sempre só o governo. É importante que a sociedade seja parte da solução e possa fazer a sua parte, seja consumindo em um mercadinho menor ou adotando um brasileiro que está em dificuldade e não tem o que comer. Em algum momento, obviamente, a economia tem de voltar a andar. Não vamos ter uma vacina daqui a um mês ou dois meses, isso vai demorar. O país não consegue ficar dois ou três meses no lockdown.

“Não vamos ter uma vacina daqui a um mês ou dois meses, isso vai demorar. O País não consegue ficar dois ou três meses no lockdown”

Na sua opinião, é preciso ter um prazo?
Tem que ter um prazo e ir separando as pessoas que são do grupo de risco das que não são de risco. Por tudo o que estudei até agora, a maior parte das fatalidades é concentrada nas pessoas mais velhas e as que têm algum tipo de doença grave. Esse grupo de risco tem de ser preservado, com certeza. É o que vai sobrecarregar o sistema de saúde e que vai morrer mais. Então, em algum momento, a economia tem que começar a voltar e temos de preservar esse pessoal que é mais vulnerável mesmo.

Mas no Reino Unido tentaram o lockdown vertical. Não deu certo, sobrecarregou o sistema e o primeiro-ministro Boris Johnson, que acaba de contrair o coronavírus, acabou decretando o lockdown horizontal...
Não tem uma fórmula. O que estou dizendo é que, em algum momento, a economia tem de voltar. Com a maior parte das pessoas jovens que pegarem a doença, e que não tem doenças graves, não vai acontecer nada. Elas vão pegar, ficar em quarentena por duas semanas, vão ficar imunizadas e vida que segue. Isso é, mais ou menos, o que acontece. Elas vão sobrecarregar muito pouco o sistema de saúde.

Na sua opinião, qual será o impacto na economia?
É um impacto brutal. Não sei te precisar números e ninguém sabe. Ninguém conseguiu entender ainda o número de demissões e o número de empresas que vão fechar. Mas a gente vai ter uma recessão neste ano, sem sombra de dúvida. É só imaginar que estamos há uma semana sem consumir, sem andar de carro na rua. O impacto é muito grande, mas conseguimos retomar com velocidade se conseguirmos atravessar esse vale com poucas empresas pequenas e médias quebrando.

Como fazer isso?
O desafio do governo e da sociedade é justamente suportar essas empresas para que, quando a coisa fique mais estável, esses empreendedores possam continuar tocando a vida. Se o lockdown durar muito tempo e a sociedade não encontrar uma solução equilibrada, muito microempreendedor fecha. Imagina que você tem um salão de beleza, esperou um tempo, não aguenta mais bancar os salários dos funcionários e diz: ‘Gente, toca a vida aí porque eu vou ter de fechar’. Aí, você entregou a sala, vendeu os secadores de cabelo e quando a economia voltar você não vai empreender na hora, você dá um tempo e demora mais. Por isso, é importante tentar criar uma maneira de minimizar essa curva. É um fundamental a questão da saúde, é fundamental ter o lockdown no começo, mas em algum momento a gente tem de encontrar algo para achar o meio do caminho.

“Ninguém conseguiu entender ainda o número de demissões e o número de empresas que vão fechar”

Aliás, em relação a medidas do governo, o presidente americano Donald Trump anunciou uma injeção de US$ 2 trilhões na economia. Você acha que o que está sendo feito aqui pela equipe econômica é o suficiente?
O ministro da Economia (Paulo Guedes) anunciou um pacote de R$ 600 bilhões. Isso representa 8% do PIB. Lá nos EUA (o pacote de Trump) representa 10% do PIB. Acho que estamos chegando lá. Já decretamos calamidade pública e, no final, não vai ser só através de política monetária que vamos chegar lá. Realmente, é fazendo o dinheiro chegar na mão de quem precisa, seja a pessoa que está com fome, seja o pequeno e médio empreendedores que não vão poder sobreviver. Acho que estamos fazendo as coisas certas. Mas o que eu sempre digo é que eu erraria para cima.

Isso quer dizer injetar mais dinheiro?
Sim, injetar mais dinheiro. Mas, quando pegamos a proporção do que foi gasto lá fora versus o que vai ser gasto no Brasil, não acho que estamos tão distante. Mas sempre é bom mais.

Como fazer esse dinheiro chegar no pequeno empreendedor?
Esse é um desafio sem precedentes. Imagina quantas pessoas no Brasil não são bancarizadas! É brutal. O problema não é só do governo, é da sociedade. Por isso lançamos a nossa campanha ontem para que possamos sensibilizar outros empresários e outras pessoas. O processo descentralizado é mais inteligente.

Por quê?
Se cada empresário cuidar da sua comunidade, se cada pessoa que tem um pouco mais de dinheiro cuidar da sua comunidade, conseguimos superar isso juntos. Não pode ser só o governo, tem de ser sociedade sendo parte da solução, ajudando, inspirando, fazendo a sua parte, mostrando que tem de dar dinheiro mesmo, ajudando a consumir de quem precisa, adotando da faxineira até o peão de obra que não está recebendo a semanada dele. Eles não têm reserva de emergência. Se a comunidade local não levar um voucher para ele e não der uma cesta básica... O que você faria se tem uma esposa, dois filhos em casa e não tem comida? Você vai assaltar. Então agora é a hora de todo mundo ter compaixão, solidariedade e pensar nos outros.

“Agora é a hora de todo mundo ter compaixão, solidariedade e pensar nos outros”

Enquanto outros países ao redor do mundo estão liderando ações coordenadas, aqui temos os governos municipais, estaduais, federal e o legislativo batendo cabeça. Como você analisa isso?
É difícil, cada estado tem a sua autonomia. Mas, no momento, acho que todos têm de pensar no Brasil. Não tenho opinião política de como eles vão se entender, só sei que eles têm de se entender. Se eles não se entenderem quem vai sofrer é quem mais precisa. É hora de ninguém ter diferenças entre si, ninguém ter nenhum tipo de aspiração política e, simplesmente, pensar em como a gente consegue fazer o nosso Brasil superar essa.

Você acha que o Banco Central está fazendo o trabalho certo nessa crise? O sistema tem liquidez?
No mercado americano, o banco central tem muito mais armas do que o BC brasileiro. Até vi uma declaração do Roberto Campos Neto (presidente do Banco Central) que ele está estudando alternativas que possam flexibilizar as medidas do BC. Acho que as coisas certas vêm sendo feitas, mas acho que, talvez, a intensidade possa ser maior porque estamos em um momento muito atípico. É importante que todas as amarras que seguram o BC e o Tesouro sejam desatadas o quanto antes.

O que deve ser desatado?
Tivemos uma crise na saúde que derivou em uma crise na economia real. A gente não pode agora começar uma crise de 2008. Não pode começar uma crise financeira. Então, é por isso que qualquer amarra deve ser desatada o quanto antes, para garantir a solidez do sistema. Entendo que estão acontecendo uma série de atitudes nessa direção. Os times do BC e do Tesouro são técnicos, o Roberto Campos é brilhante, eles estão cientes da gravidade da situação e estão trabalhando.

Mas quais amarras teriam de ser desatadas?
Acho que o Banco Central poder interferir diretamente nos mercados de crédito é uma mudança importante.

Agora falando em solidariedade, a XP lançou o movimento Juntos Transformamos. Como surgiu essa ideia?
Quando a confusão começou, nos perguntamos como poderíamos ajudar. A gente já tinha feito doações na pessoa física para ajudar hospitais a criar leitos e comprar respiradores. Mas a gente entende que onde a coisa vai pegar mesmo é na comida, na sobrevivência de boa parte dos brasileiros que não vão ter o que comer. Então decidimos encampar essa causa, que é fácil de ser espalhada. Quem quiser doar através de nós, bem-vindo. Mas se você quiser doar por conta própria, adotar um brasileiro no seu bairro, está ótimo. A gente não quer centralizar nada. Para quem tem algum tipo de poupança, dar um prato de comida, adotar um brasileiro por dois ou três meses, é aparentemente simples. A gente achou que era algo que iria impactar muita gente. Seria a segunda onda. Você tem a onda da saúde e a onda da fome.

“Os times do BC e do Tesouro são técnicos, o Roberto Campos é brilhante, eles estão cientes da gravidade da situação e estão trabalhando”

Como foi botar essa iniciativa de pé?
A gente escolheu três Ongs (Amigos do Bem, Gerando Falcões e Visão Mundial) que são super sérias. Elas conseguem ter uma logística capaz de começar fazer o processo de entregar cesta básica nas comunidades. Elas entregavam entre 10 mil e 20 mil cestas básicas por mês. Mas agora a demanda é entregar 1 milhão de cestas e não há logística. Por isso, no mais tardar na segunda-feira, vamos migrar para depositar dinheiro nas contas das pessoas.

Quantas pessoas serão beneficiadas?
Esperamos juntar entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões. Vamos destinar R$ 350 por mês para que a pessoa consiga se virar, comprar alimentos básicos e sobreviver. É tentar atingir o máximo de pessoas. Já tem família que está fazendo apenas uma refeição por dia.

“Esperamos juntar entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões. Vamos destinar R$ 350 por mês para que a pessoa consiga se virar, comprar alimentos básicos e sobreviver”

Inicialmente, a ideia é atender quais regiões?
Estamos começando com Rio de Janeiro e São Paulo, mas a ideia é ser no Brasil inteiro. Mas, no fundo, a nossa intenção é descentralizar isso. Já tem muito empresário que disse ‘caramba, essa turma da XP começou isso e também vou ter que fazer isso na minha cidade’. No final, o que a gente quer é isso mesmo, é usar um pouco da voz que a gente tem para servir de exemplo e que outras pessoas se exponham e tirem do próprio bolso. Falei para a nossa turma lá dentro: ‘demos R$ 25 milhões agora, mas se preparem porque teremos de dar mais depois’. Vinte e cinco milhões de reais, R$ 50 milhões ou R$ 100 milhões são uma gotinha no oceano, não fazem nem cosquinha no problema. Todo mundo que pode tem de adotar um brasileiro e essa corrente do bem tem de se espalhar. É importante que mais pessoas se manifestem, que botem a boca no trombone, para ganhar voz. Filantropia no Brasil ainda é um tema muito tímido.

Agora falando com o Guilherme Benchimol gestor. No começo do coronavírus no Brasil, o segundo caso notificado foi o de um funcionário da XP. O que a pandemia mudou no dia-a-dia da empresa?
Por sermos uma instituição financeira, já somos obrigados, por determinação do Banco Central, a ter “ene” planos de contingência e isso facilita o nosso negócio. Mas assim que começou a confusão na China, poucos dias depois, criamos um comitê de crise na XP. E esse comitê de crise tem o nosso diretor de risco que assumiu a frente disso. Tivemos a “sorte” de ter o segundo caso do Brasil e percebemos que a coisa, de fato, ia se alastrar e não teríamos outro caminho no menor espaço de tempo possível que não fosse descentralizar a empresa.

O que foi feito?
Colocamos as pessoas em home office, instalando VPNs na casa de cada executivo nosso, instalando terminais de computadores. Em uma semana colocamos 90% da empresa em casa. Na segunda semana, 98% dos funcionários estavam em casa. Estamos acostumados a trabalhar com ferramentas como Zoom e o Microsoft Teams e a empresa seguiu funcionando superbem. Teve esse processo inicial de mudança de hábito, tivemos alguns casos de coronavírus na empresa, mas nenhum grave. Não temos nenhum novo caso há três dias, quatro dias. O nosso negócio segue melhor do que antes.

Por quê?
Estamos funcionando com mais precisão, somos mais objetivos nas reuniões, a comunicação está mais organizada. Vimos que conseguimos trabalhar com menos espaço físico. No futuro, teremos algum saving de espaço. Temos feito várias lives com empresários. Aquelas visitas que fazíamos e tínhamos de ir de avião até Manaus ou até Porto Alegre não se fazem mais tão necessárias hoje em dia. Então, aquele olho no olho fisicamente, era uma convenção que foi desmontada. Diria que tem um desafio das pessoas se acostumarem a esse modo de trabalhar e acredito que vamos passar pela crise crescendo.

“Estamos funcionando com mais precisão, somos mais objetivos nas reuniões, a comunicação está mais organizada”

Fazer essa conversão foi como uma operação de guerra...
Foi uma operação de guerra e o nosso time de infraestrutura fez mágica. Foram nove dias, 24 por sete, atendendo as pessoas em casa, montando a estrutura para as pessoas, seja no quarto, seja na sala. Compramos 1,2 mil laptops, montamos terminais. Está todo mundo atendendo cliente, a empresa não parou, segue crescendo e não diminuímos o nosso ritmo de crescimento.

A XP faz um trabalho de democratização dos investimentos no mercado financeiro. Esse momento que estamos vivento é uma prova de fogo para esse investidor. Como tranquilizá-lo?
Quando alguém compra ação, ela tem de ter o perfil adequado. O cliente conservador não pode comprar ações, a não ser que mude o perfil de risco dele. Sempre que alguém compra ações, a gente mostra que, na história do mundo, a cada cinco ou dez anos, sempre tem uma grande crise. Quem investe em ações tem de ter visão de longo prazo. É importante ter paciência porque o Brasil não vai acabar, a economia não vai acabar, as pessoas vão continuar consumindo, o dinheiro vai continuar existindo e assim por diante. Não conheço nenhum investimento melhor do que ações a longo prazo. Mas, obviamente, esse melhor a longo prazo traz volatilidade no curto prazo. É atípico ver a bolsa caindo 50%, mas é manter a serenidade. Mas acredito que, com tamanha liquidez que se injetou no sistema, a economia vai voltar rápido e naturalmente fará com que os preços das ações voltem com velocidade. Não temos visto saque. Ao contrário, o que temos visto é cada vez mais as pessoas entendendo que há uma oportunidade de mercado de comprar boas companhias a preços baratos.

Sob o ponto de vista econômico, 2020 é um ano perdido?
É um ano em que o Brasil vai decrescer. Mas, dadas as condições de liquidez que vão se estabelecer no mundo, se o Brasil conseguir sobreviver bem a essa crise, ele sai mais fortalecido. É um ano muito difícil, mas se o Brasil fizer o dever de casa a gente sai melhor.

O que seria esse dever de casa?
Garantir que o mínimo possível de empresas quebre na travessia desse vale.

Da mesma forma como o mundo resgata história da crise da gripe espanhola, que aconteceu há mais de 100 anos, essa gripe do Covid-19 deverá ser lembrada daqui a 100 anos. Que mensagem você deixaria para as pessoas que estarão no ano de 2120?
Eu diria o seguinte: essa pandemia uniu o mundo e fez com que as pessoas cuidassem mais do próximo. Existiu um senso de comunidade muito maior depois dessa pandemia.

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