Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. E furou rápido. Em pouco menos de 45 dias, o multibilionário e multiambicioso Elon Musk comprou a rede social Twitter.

O passo a passo da operação mostra a capacidade de foco e ataque de Elon Musk: em 14 de março, ele comprou 9,2% das ações da rede social Twitter.  Quando o anúncio da compra veio a público, no dia 4 de abril, as ações subiram 27%. Na semana seguinte, ao desistir da sua nomeação para o Conselho da empresa, derrubou o preço das ações em 10%, confundindo o mercado com a repentina mudança de ideia.

A confusão durou pouco. E a estratégia de Musk ficou claríssima dois dias depois da desistência, em 13 de abril, quando lançou sua oferta para comprar 100% da Twitter por US$ 44 bilhões e fechar seu capital. E deu seu ultimato: “Essa é minha melhor oferta e é a final. Se não for aceita, terei que reconsiderar minha posição como acionista.”

A primeira reação da empresa foi lutar contra. Usando o recurso de “poison pill” (pílula de veneno), o Conselho de Administração do Twitter tentou tornar a aquisição menos atrativa ao forçar regras de diluição para a participação de Musk. Junto com essa estratégia, notícias sobre a SEC questionando (e condenando) como falsa a afirmação de Musk de que ele já tinha os recursos reservados para fazer a aquisição, também embolaram o meio de campo.

Mas o esforço durou pouco. Pressionada pelos acionistas, a empresa anunciou em 25 de abril que aceitou a oferta de Musk de US$ 54,20, em dinheiro, por cada ação. A transação ainda precisa ser formalmente aprovada, o que deve ocorrer até o final deste ano.

Compra feita, as atenções se voltam agora para o que motivou esse movimento e o que esperar da rede social daqui para frente. Fundada em 2006, a plataforma tem mais de 217 milhões de usuários.

Antes de virar dono da empresa, Musk já era um usuário ativo da rede social, com mais de 80 milhões de seguidores. Sua participação mistura declarações incendiárias e comentários polêmicos sobre negócios ou outras personalidades.

“Investi no Twitter porque acredito no seu potencial de ser a plataforma para a liberdade de expressão no mundo todo, e acredito que liberdade de expressão seja um imperativo da sociedade em uma democracia em funcionamento.”

Na retórica de Musk está a defesa pela liberdade de expressão. Foi isso que ele argumentou quando iniciou seu movimento e é isso que continua falando em praticamente todos seus posts. Disse, inclusive, que isso está acima do seu interesse financeiro na empresa.

O problema é que nem todo mundo acredita nisso... Desde ontem, no próprio Twitter e em diversos outros canais pelo mundo, a discussão esquentou com relação ao que será daqui para frente.

Até onde a defesa da liberdade de expressão vai permitir o discurso de ódio? Até onde a plataforma será usada para disseminar desinformação ou servir de meio para aqueles que tentam manipular processos eleitorais, como se investiga em 2016 e 2020?

Até onde a defesa da liberdade de expressão vai permitir o discurso de ódio?

O próprio Musk é acusado de usar a plataforma para manipular o preço das ações da Tesla e de algumas criptomoedas. A conta do ex-presidente americano Donald Trump, cancelada depois dos ataques ao Capitólio em janeiro de 2021, vai ser reaberta?

A discussão está só começando. Enquanto uns postavam memes sobre a morte do Twitter, outros comemoravam seu renascimento. Alguns até questionaram por que ele não usou os recursos para resolver o problema da fome no mundo, como ele mesmo provocou e propôs no final do ano passado. Reflexo do mundo, cada vez mais polarizado, em que vivemos.

Musk segue firme na sua retórica. Já afirmou que “espera que até mesmo seus maiores críticos permaneçam no Twitter, afinal isso é o que liberdade de expressão significa”.

Grandes grupos empresariais sempre estiveram diretamente ligados aos maiores grupos de mídia desde que eles existem. Era assim no passado e ainda é assim, hoje. Zuckerberg, Bezos, Page e Brin, companheiros de Musk na lista dos maiores bilionários do planeta, também têm fortes laços com grupos de mídia tradicionais, como o Washington Post, ou modernos, como o Instagram.

Quem era o moderador no passado e quem faz (ou fará) esse papel, hoje, nos filtros, na censura e nos algoritmos do Twitter e de outras redes sociais?

Essa talvez seja a grande discussão que vai permear o debate acadêmico, político e social daqui para frente.

*George Wachsmann é sócio e CIO da Vitreo Gestão