Como acontece desde 2012, Larry Fink, CEO do gigante gestor de fundos BlackRock, lançou neste 14 de janeiro sua famosa Carta aos CEOs das empresas investidas, com o provocativo título: Uma reformulação fundamental das finanças (A Fundamental Reshaping of Finance).

Ao longo de todos esses anos, Fink tem se destacado como a principal voz do mercado de capitais a defender uma estratégia de negócios responsável e com visão de longo prazo. Desta vez, sua declaração é incisiva em favor da integração da sustentabilidade e da gestão de riscos climáticos na estratégia de negócios.

Fink defende: “A conscientização está mudando rapidamente e acredito que estamos à beira de uma reformulação fundamental das finanças... Risco climático é risco de investimento.”

Ele afirma: “Nossa convicção de investimento é que os portfólios integrados em sustentabilidade e clima podem fornecer retornos melhor ajustados aos riscos para os investidores. E com o impacto da sustentabilidade nos retornos dos investimentos aumentando, acreditamos que o investimento sustentável é a base mais forte para as carteiras de clientes no futuro.”

E dá exemplos perturbadoramente realistas. Uma empresa farmacêutica que aumenta os preços sem piedade, uma empresa de mineração que diminui a segurança, um banco que não respeita seus clientes - essas empresas podem maximizar os retornos no curto prazo. Mas, como vimos repetidamente, essas ações que prejudicam a sociedade alcançam uma empresa e destroem o valor para os acionistas.

Ainda é ingênuo imaginar o mercado de capitais no Brasil abrindo mão dos lucros do crescimento fácil ou a qualquer custo. A grande margem para expansão e a mentalidade “curto prazista” prevalecem no país.

Se não, como aceitar que a Vale irá distribuir mais dinheiro aos acionistas (R$ 7,25 bilhões na forma de juros sobre o capital) do que em pagamento das despesas e das indenizações às vítimas da tragédia de Brumadinho (R$ 6,55 bilhões), conforme informou a Folha de S. Paulo, no final de dezembro?

Permanecemos no estágio de considerar apenas uma contingência das regras do jogo (Lei das S.A.), o que seria imoral em outros mercados.

Ainda é ingênuo imaginar o mercado de capitais no Brasil abrindo mão dos lucros do crescimento fácil ou a qualquer custo

Este ano, a BlackRock também publicou uma Carta aos Clientes, na qual anunciou várias iniciativas para colocar a sustentabilidade no centro da abordagem de investimento.

São medidas destinadas a tornar a sustentabilidade parte integrante da construção do portfólio e do gerenciamento de riscos, o que inclui: saída de investimentos que apresentem alto risco relacionado à sustentabilidade, como produtores de carvão térmico; lançamento de novos produtos de investimento que isolam o impacto de combustíveis fósseis; e fortalecimento do compromisso com a sustentabilidade e a transparência nas atividades de administração de investimentos.

Ao mesmo tempo em que prevê uma intensa realocação de capitais em ativos que demonstrarem maior preocupação com a sustentabilidade e as mudanças climáticas, Larry Fink está reivindicando um capitalismo responsável e transparente. Para tanto, coloca a maior abertura das informações ESG (ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês) como peça essencial para a análise de riscos.

Este é mais um passo importante na direção de negócios e políticas públicas mais responsáveis, mas ainda está um tanto distante de alcançar a real distorção do capitalismo na atualidade: a concentração de riqueza e o consequente aumento da desigualdade em todo o planeta. O sistema financeiro é o principal mecanismo de acumulação do capital no alto da pirâmide social, mas não há comentários sobre esse tema nas cartas.

Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

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