Em atividades de capacitação de executivos, é comum a pergunta: “Qual empresa é um exemplo de boas práticas? Mas não me venha com Natura porque é outro setor e muito diferente”. Creio que minha melhor resposta até hoje foi: “Você quer uma empresa que tenha uma dependência do uso de recursos naturais, com grande cadeia de fornecimento, várias fábricas, pesquisa e desenvolvimento de produtos, complexo sistema de distribuição, múltiplos canais de venda, operações em vários países, dezenas de milhares de funcionários, capital aberto, faturamento na casa dos bilhões de dólares? Natura”.
Quando se explicita a dimensão dos negócios da Natura, qualquer viés de preconceito ou de pura negação cai por terra. A empresa completou 50 anos no último dia 28 de agosto em seu momento de maior exuberância, reconhecida como símbolo no Brasil e no exterior de companhia bem-sucedida na aplicação dos princípios de sustentabilidade aos negócios.
A consultoria internacional GlobeScan realiza desde 1992 uma pesquisa anual para identificar as empresas percebidas como líderes em sustentabilidade por especialistas do mundo todo. Em 2019, participaram 807 especialistas de 78 países e a Natura ficou na quinta posição, superada apenas por Unilever, Patagônia, Ikea e Interface. Quando o olhar passa a ser regional, Natura tem o mais destacado reconhecimento, mencionada por 58% dos especialistas da região frente a 7% da segunda colocada.
Em outra pesquisa da GlobeScan deste ano e ainda não divulgada, realizada em parceria com o Instituto Akatu, a Natura também é disparada a marca mais reconhecida por consumidores brasileiros como a que, segundo a pergunta, “ajuda a viver de uma maneira que seja boa para você, boa para outras pessoas e boa para o meio ambiente”. São 11,77% das menções espontâneas (sem lista de múltipla escolha) contra 3,45% da marca segunda colocada. A Natura também lidera na Argentina, com 7,07%, contra 2,06% da segunda posição.
Em pesquisa internacional da GlobeScan para identificar empresas percebidas como líderes em sustentabilidade, a Natura ficou em quinto lugar
Reconhecimento é bom, mas não enche barriga, podem contrapor os céticos. Não tem sido o caso da Natura, que vive o terceiro ano consecutivo de resultados financeiros consistentes. No primeiro semestre de 2019, em meio a um ambiente de estagnação da economia brasileira, a companhia cresceu em 9,2% a receita líquida, em 16,6% o EBITDA e em 92,2% o lucro líquido consolidado (que considera os resultados de Natura, The Body Shop e Aesop). Esse desempenho reflete-se nas ações, que valorizaram mais de 40% até agosto 2019 – superando os 39% de 2018.
Aos 50 anos, Natura já flertou muitas vezes com o desafio de internacionalizar a marca e agora finalmente parece ter encontrado o caminho. Com as aquisições da australiana Aesop (2013) e da britânica The Body Shop (2017), a companhia conseguiu vencer as fronteiras da América Latina e estar presente em 73 países, formando as bases da holding Natura &Co. O fio condutor é construir um grupo multimarca, que se desenvolva em múltiplos canais e que seja alinhado em propósito – Nutrir a beleza e as relações para uma melhor maneira de viver e fazer negócios.
Ainda há muito a explorar nessa nova configuração, pois The Body Shop ainda está em fase de recuperação da marca e pode se beneficiar das operações de Natura para expandir suas vendas na América Latina, assim como o inverso também é verdadeiro para a entrada da Natura na Ásia. E Aesop segue em contínuo crescimento no varejo de luxo.
Esse cenário de oportunidades ganhará mais complexidade a partir do início de 2020, com a consumação da aquisição da Avon, o que tornará Natura &Co o quarto maior grupo de beleza do mundo e líder em venda direta. A dimensão da companhia saltará para uma receita próxima de US$ 10 bilhões, 6,3 milhões de consultoras e representantes comerciais, 40 mil funcionários e presença em 100 países.
A Natura já passou por várias crises de meia-idade. Sofreu para posicionar-se diante das pressões do mercado de capitais por resultados no curto prazo frente à perspectiva de construir um negócio sustentável no longo prazo. Sofreu também para entender como trabalhar de forma sinérgica com múltiplos canais de vendas e, assim, perceber a complementariedade entre venda direta, comércio eletrônico e varejo. Sofreu, e ainda sofre, para consolidar uma cultura de negócios que promova impacto econômico, social e ambiental positivo.
É inegável que chega aos 50 anos exuberante e com maturidade. É quem puxa a fila, no Brasil e no mundo. É quem tem capacidade de resistir às pressões conservadoras dos haters e seguir na defesa das agendas progressistas. É quem pode mobilizar para mudar sistemas. É quem pode viver como prega: “O mundo não precisa de outra grande empresa. O mundo precisa de símbolos de mudança capazes de criar caminhos para uma melhor maneira de viver e fazer negócios.”
* Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).