A inteligência artificial (IA) é um dos tópicos mais quentes dos últimos anos. No meu entender vai provocar impactos tão significativos na sociedade como a luz elétrica. Mas, na maioria das empresas, ainda vemos muito mais espuma que ações concretas. Na verdade, vejo em muitas empresas diversas ações isoladas, sem uma estratégia de negócios e IA bem definida.

Aliás, muitos dos desafios potenciais gerados pela IA ainda são vistos como futuro, e, portanto, sem senso de urgência. Um deles é o impacto nas profissões, nas organizações e nas próprias relações entre empresas e seus funcionários. Um estudo da McKinsey, “Where machines could replace humans—and where they can’t (yet)”, mostra claramente que todas as profissões serão afetadas, em maior ou menor grau, pela robotização e uso da IA.

Sua leitura nos faz entender quais são as atividades mais suscetíveis à automação, e, com isso, nos proporciona a oportunidade de repensar como os funcionários se envolvem com seus trabalhos e como as plataformas de trabalho digitais baseadas em IA podem conectar melhor indivíduos, equipes e projetos.

Faz também com que os altos executivos, cujas atividades não estarão imunes à influência da IA, pensem sobre quantas de suas próprias atividades poderiam ser melhor e mais eficientemente executadas por máquinas, liberando parte de seu tempo para focar nas suas principais competências, que nenhum robô ou algoritmo pode substituir, pelo menos por enquanto. Curioso que a maioria dos executivos tem alguma percepção dos impactos da IA, mas pouco tem feito até agora.

A IA tem potencial disruptivo muito grande e, portanto, ter uma estratégia, é essencial para enfrentar os desafios que já estão à porta. Mas como desenhar uma estratégia de IA? A IA poderá substituir ou modificar profissões que existem hoje, além de criar outras. De um modo geral, a IA utiliza capacidades, como conhecimento, percepção, julgamento e os meios para realizar tarefas específicas, que eram de domínio exclusivo dos seres humanos.

A pergunta que fazemos a nós mesmos é onde e como aplicá-las? Devemos usá-las para criar novos produtos ou ofertas? Para aumentar o desempenho dos seus produtos? Para otimizar as operações internas dos negócios? Para melhorar os processos do cliente? Para reduzir o número de funcionários? Para liberar os funcionários para serem mais criativos?

As respostas virão de nossa estratégia para aplicação de IA. Não existe resposta única, pois cada organização tem sua própria estratégia e ritmo de adoção. De qualquer maneira, três pilares devem fundamentar o desenho da estratégia: o nível de conhecimento e conceituação do potencial de IA; a capacidade (talentos) disponíveis para implementar os conceitos; e a cultura da organização e sua aderência ou não a inovações e experimentações.

Aqui no Brasil, ainda são poucas as empresas que realmente dominam e aplicam conceitos mais avançados de IA, como algoritmos de deep learning, como “reinforcement algorithms”. Nesse caso, o aprendizado deverá ser feito em conjunto com expertise externa, muitas vezes com auxílio de plataformas de tecnologias cognitivas embarcadas em soluções de fornecedores.

No Brasil, ainda são poucas as empresas que realmente dominam e aplicam conceitos mais avançados de IA

Existem várias maneiras de uma empresa se envolver com a IA. Pode-se usar ML-as-a-Service (MLaaS) e APIs de IA de terceiros, como os providos pela Amazon, Google, IBM ou Microsoft; terceirizar o desenvolvimento para uma empresa que construa algoritmos de IA ou criar uma equipe interna. Na prática, acaba-se muitas vezes adotando-se uma abordagem "híbrida", combinando uma equipe interna com recursos externos e usando MLaaS e APIs sempre que aplicável.

Mas tenha em mente que não existe solução mágica, onde com um simples “plug & play” teremos IA funcionando a 100% na empresa. Isso é conversa de vendedor! Todas as plataformas precisarão de integração com sistemas e processos de produção. Precisam de dados de qualidade em volume adequado. Uma plataforma de IA é o motor, mas sem combustível (dados) não irá funcionar. Ao escolher uma plataforma, o critério mais importante deve ser se ela realmente vai ajudar a resolver os tipos de problemas que você deseja endereçar no curto prazo.

Um recurso escasso em IA hoje são profissionais gabaritados. IA é estratégico e ter o domínio de seus conceitos é essencial. As empresas precisam ter dentro de casa profissionais com profundo conhecimento de tecnologias cognitivas: sem essa expertise, as estratégias cognitivas da organização serão ancoradas em conhecimento de terceiros.

Pode ser um risco! Estes profissionais devem estar familiarizados com os principais tipos de tecnologias de IA, como elas podem ser aplicadas, e como podem ser integradas com outras tecnologias. Também devem ser capazes de se comunicar com os demais executivos em termos não técnicos, e estar familiarizados com as principais questões do negócio e seu direcionamento estratégico. Claro, não teremos tudo isso em uma só pessoa. Teremos uma equipe de IA, intra e interdisciplinar. Formar talentos em IA não é rápido e nem simples.

Infelizmente, temos pouca disponibilidade de “machine learning engineers” ou “data scientists”. Algumas poucas iniciativas na academia começam a formar talentos. Infelizmente a maioria dos cursos de ciência de computação não tem ementa atualizada e não preparam adequadamente profissionais para o mundo da IA, pois ainda estão formando gente exclusivamente para a computação programática.

Muitas das atividades efetuadas hoje por profissionais de TI serão profundamente modificadas com IA e a academia não está contemplando estas mudanças. Por exemplo, a atividade de sysadmin (Will Automation Wipe Out Sysadmin and Datacenter Jobs?) será transformada. Como um piloto hoje não voa um avião, mas opera computadores que voam o avião, o sysadmin não vai gerenciar o data center, mas trabalhar em conjunto com os algoritmos que irão fazer isso.

Muitas das atividades efetuadas hoje por profissionais de TI serão profundamente modificadas com IA

Para acelerar o processo, pode-se começar com auxílio externo, com consultorias que já possuam profissionais treinados no uso de sistemas de IA. Essa abordagem só funciona se o fornecedor da plataforma ou a empresa de consultoria tiver realmente pessoas suficientemente bem treinadas. Não vale nada saber que a consultoria tem grande expertise no exterior, mas que a equipe que irá trabalhar no seu projeto nunca desenvolveu alguma iniciativa de IA bem-sucedida.

Qualquer que seja a linha de aquisição de talentos escolhida, comece rápido com um programa de educação gerencial para os executivos que tomarão decisões estratégicas. De fato, o aspecto mais importante de uma estratégia de IA será dar subsídios para os executivos seniores e líderes das unidades de negócios repensarem como a empresa trabalhará com a tecnologia de IA.

Embora devamos nos preocupar com o modo como desenvolveremos as aplicações de IA, nós precisaremos de pessoas com habilidades de análise de negócios e capacidade de estruturar problemas de negócios para identificar quais tecnologias de IA são apropriadas para resolvê-las.

Lembre-se que projetos de tecnologias de IA não são apenas mudanças tecnológicas. Os projetos que vão além do piloto ou da prova de conceito provavelmente irão transformar a cultura, o comportamento e as atitudes da organização. Mudanças nos processos atuais será inevitável. Um estudo da Accenture, “Process reimmagined”, mostra o impacto das mudanças nos processos e os novos skills das pessoas que estarão atuando neles.

Indiscutivelmente que a IA automatizará o trabalho de rotina, deixando os especialistas humanos com mais tempo para se concentrarem em aspectos que exigem julgamento de especialistas e/ou habilidades como percepção social e empatia. Por exemplo, os modelos de “deep learning” podem automatizar muitas atividades que envolvem análises de imagem médicas, o que permitirá aos médicos mais tempo para se concentrarem em questões clínicas mais ambíguas, como discutir estratégicas das opções de tratamento e apoiar o paciente com mais empatia. A IA poderá ajudar a eliminar o robô que está dentro do médico e deixá-lo comas tarefas realmente humanas.

No tocante a estrutura organizacional, as estruturas tenderão a ser mais fluídas, com empresa atuando de forma mais ágil, com equipes menores e colaborativas. Os modelos em silos e separações de hoje não terá espaço neste novo contexto. Muitas tarefas serão efetuadas on-demand, por serviços externos, oferecidos por humanos e/ou máquinas.

Estes desafios não podem ser subestimados, especialmente dada a aparente ameaça aos empregos de muitos funcionários. É fundamental abordar as preocupações das pessoas com relação ao impacto da IA em suas vidas e carreiras, e quais serão as ações tomadas para recapacitação das que ocupam as funções que serão afetadas.

A IA não é modismo. É, sem dúvida, a tecnologia mais disruptiva que visualizamos no horizonte. Os executivos precisam o mais cedo possível, aliás, estabelecer as bases para suas estratégias de uso de IA e começar a implementar seus primeiros projetos, sob o risco ficarem para trás em um mundo de mudanças aceleradas. As empresas que ignorarem o poder da IA e o potencial de transformação dos processos e modelos de negócios que ela possibilita estarão em considerável desvantagem à medida que nos movemos rapidamente para um mundo cada vez mais capacitado cognitivamente.

*Cezar Taurion é Partner e Head of Digital Transformation da Kick Corporate Ventures e presidente do i2a2 (Instituto de Inteligência Artificial Aplicada). É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral. Antes, foi professor do MBA em Gestão Estratégica da TI pela FGV-RJ e da cadeira de Empreendedorismo na Internet pelo MBI da NCE/UFRJ.