Entramos em uma realidade tão incrivelmente nova que vou me focar aqui em possíveis impactos no mundo corporativo. O primeiro contraponto que faço a mim mesmo é que jamais esteve tão claro que tudo está interconectado. Pessoas, cidades, Estados, países, empresas, governos, igrejas, somos todos peças de uma grande engrenagem global.

Sempre foi assim, mas nosso modelo de vida nos fez acreditar que poderíamos ser mais independentes do que realmente somos. E, de novo, esse modo mais egocêntrico de ver o mundo se estendeu em todos os níveis de nossa organização em sociedade, da vida individual ao modo de pensar de governos e países.

Um mísero vírus, tão pequeno que não é visível aos nossos olhos, nos fez enxergar rapidamente a realidade: não podemos viver isolados, nossas decisões em casa ou na empresa afetam os outros, não há fronteiras que nos protejam das grandes crises globais.

Para os que já acreditavam que o caminho para um futuro melhor é a viabilização de um modelo de desenvolvimento sustentável, há uma grande oportunidade. Pela primeira vez, vivenciamos um momento no qual temos três crises simultâneas e que interferem entre si: a crise de saúde (coronavírus) + a crise econômica (recessão global) + a crise climática (aquecimento global).

Fica assim mais fácil entender e provar que as decisões que tomamos nas empresas têm impactos cruzados sociais, econômicos e ambientais. E o modo de pensar que apelidamos de sustentabilidade nada mais é do que considerar essa correlação e evitar que nossa ação numa dimensão gere efeitos negativos em outra.

Há um grande teste em curso para as empresas que dizem já estar aplicando a lógica de sustentabilidade em seus negócios: a freada abrupta da economia local e global joga todas as previsões e planejamentos no lixo. O que fazer? Priorizar o equilíbrio financeiro por certo. A qualquer custo?

Todos vivem dilemas nesse momento. Governantes, médicos, garis, acionistas de grandes empresas, o dono do barzinho da esquina, motoristas de ônibus, CEOs, policiais, todos sem exceção. O desafio posto agora é entender e agir como parte desta grande rede de relações entre pessoas e organizações ou acreditar que pode se blindar e proteger-se isoladamente dos efeitos externos.

Esta experiência, nunca antes vivida pela maioria, de distanciamento social e quarentena traz consigo a oportunidade de construirmos uma nova noção de responsabilidade social. Bem diferente daquela aplicada pelas empresas nos últimos anos. Em geral, adotada por aparência, reputação ou compliance, seguia manuais ou exigências externas, soavam mais como concessões do que iniciativas originadas genuinamente a partir de uma crença da liderança das companhias.

Pela primeira vez, temos três crises simultâneas: a crise de saúde (coronavírus) + a crise econômica (recessão global) + a crise climática (aquecimento global)

Este novo significado de responsabilidade social (que pode estar se formando) tem origem diferente porque parte de uma lógica de corresponsabilidade. O que fazemos para superarmos JUNTOS as crises atuais? Isso não funciona apenas seguindo manual, pede colaboração e um certo grau de inovação para obter o melhor resultado dos relacionamentos, ainda que à distância.

Um exemplo quase trivial tem sido a quebra da resistência em grandes companhias para o trabalho remoto nas áreas administrativas, algo já banalizado nas empresas menores ou mais novas. Acabou instituído por força da necessidade e esse movimento rompe com o modelo mental de “comando e controle” ainda vigente. Exige colaboração entre áreas e pessoas para adequação rápida, mas sobretudo cria um novo espaço de confiança, indispensável para o bom desempenho de todos.

Essa nova compreensão sobre a responsabilidade social dos indivíduos e das organizações estende-se a todos os diferentes grupos de relacionamento e pede igualmente colaboração, inovação e a criação de um espaço de confiança para o benefício mútuo. Raramente será uma mudança fácil, pois é necessário romper as travas das nossas práticas usuais. Algumas vezes será preciso ir além do que preveem as leis e regulamentos, que em geral estão sempre defasadas em relação à realidade. Nesses casos, a confiança é o único terreno firme a nos sustentar.

Portanto, esta nova ordem social global coloca algumas oportunidades à nossa frente como integrantes de empresas e organizações em geral: entender a interdependência entre todos nós; aprender a lidar com decisões que têm impactos simultâneos no cenário econômico, social e ambiental (a tal da sustentabilidade); desenvolver uma nova noção de responsabilidade social corporativa, menos paternalista e mais colaborativa; e recuperar espaços de confiança entre as pessoas e organizações.

Na sexta-feira 19, o historiador Yuval Noah Harari, escreveu no Financial Times um artigo sobre o mundo depois do coronavírus. Harari trata de grandes escolhas globais entre privacidade e cidadania, isolamento nacionalista e solidariedade global. O artigo é longo e muito interessante, mas gostaria de destacar um trecho, que traz os conceitos de interdependência, colaboração e confiança:

Normalmente, a confiança que foi corroída por anos não pode ser reconstruída da noite para o dia. Mas estes não são tempos normais.  Em um momento de crise, as mentes também podem mudar rapidamente.  Você pode ter discussões amargas com seus irmãos por anos, mas quando ocorre uma emergência, você descobre subitamente um reservatório oculto de confiança e amizade e se apressa para ajudar um ao outro.  Em vez de construir um regime de vigilância, não é tarde demais para recuperar a confiança das pessoas na ciência, nas autoridades públicas e na mídia.  Definitivamente, também devemos fazer uso de novas tecnologias, mas essas tecnologias devem capacitar os cidadãos.

Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

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