Desde maio deste ano, os clientes da Creditas, uma das principais fintechs do Brasil e avaliada em US$ 1,75 bilhão, têm uma nova modalidade de empréstimo com garantia além de carro, casa e salário: é o Crédito Protegido Prev, que empresta dinheiro atrelado ao saldo de um plano de previdência.
A Flash, startup que oferece benefícios de forma flexível e que captou R$ 125 milhões em aporte do Tiger Global em fevereiro deste ano, se prepara também para fornecer um seguro de vida flexível, em que o consumidor escolhe os prêmios de acordo com seu momento de vida.
Na mesma linha, o Guiabolso conta em sua prateleira, desde o ano passado, com um seguro de vida e de acidentes pessoais, em uma estratégia que não restringe o aplicativo a ser apenas um organizador das finanças pessoais dos investidores brasileiros.
Essas três startups têm, ao menos, uma coisa em comum: os produtos que elas estão oferecendo ao mercado foram desenvolvidos em conjunto com a Icatu Seguros, a seguradora da família Almeida Braga, que atua em vida, previdência, capitalização e investimentos e faturou R$ 8,4 bilhões e lucrou R$ 642 milhões em 2020.
“Estamos com uma visão de fazendeiro, que decide o que vai plantar nos próximos anos, mas escolhe a semente só no dia seguinte”, diz Luciano Snel, CEO da Icatu Seguros, em entrevista ao NeoFeed. “Precisamos nos preparar para o mundo atual.”
O discurso de Snel não é apenas retórico. É também uma questão de sobrevivência. Nos últimos anos, os bancos viram surgir o fenômeno fintech, que pouco a pouco foi ganhando tração e, principalmente, consumidores.
No caso de seguros, as insurtechs estão dando ainda os primeiros passos no Brasil. Mas não há dúvida de que, assim como as fintechs, elas vão ganhar mercado à medida que as regras do ‘open insurance’ passem a valer.
E não vai demorar muito tempo. A Superintendência de Seguros Privados (Susep) está criando as diretrizes para o ‘open insurance’, que deve começar em dezembro deste ano. O objetivo, assim como no open banking, é facilitar o compartilhamento e integração de dados, aumentando a competição entre os diversos atores do mercado, dos incumbentes às insurtechs.
É de olho nesse cenário que a Icatu Seguros, que conta com um patrimônio líquido de R$ 1,7 bilhão, está acelerando seus investimentos de tecnologia para não ficar para trás. Nos últimos cinco anos, a seguradora investiu aproximadamente R$ 600 milhões em tecnologia. Só em 2021 a previsão é que os gastos cheguem a quase R$ 200 milhões.
Os investimentos se concentram na modernização tecnológica das aplicações e na construção do que Snel chama de um “portal de APIs”, a cola digital que une dois pedaços de software e permite que os produtos da Icatu Seguros possam ser ofertados por um parceiro de forma fácil, rápida e transparente.
A Creditas é um exemplo. Para fornecer o crédito, a fintech precisa ter acesso ao saldo do plano de previdência da Icatu Seguros e, dessa forma, modelar o risco e cobrar uma taxa, que começa a partir de 1,09% ao mês. “Trabalhamos em um grupo multidisciplinar com encontros semanais para desenhar o produto”, afirma Fernanda Zanetti, vice-presidente de digital banking da Creditas.
No caso da Flash, que atende 4 mil empresas que contam com 200 mil empregados que usam seus benefícios flexíveis, a entrada em seguros de vida era uma extensão natural do modelo de negócio – afinal, trata-se de uma exigência de diversas convenções coletivas. “E a Icatu tinha a vontade e o desejo de fazer”, diz Pedro Lane, fundador da Flash, que conversou com outros nomes do mercado de seguro.
Agora, a startup e a Icatu Seguros estão quase prontas para colocar no ar um MVP (Minimum Viable Product) que permitirá que o empregado possa escolher se prefere prêmio maior por morte ou por acidente e invalidez. Pode parecer um detalhe insignificante, mas isso pode variar de funcionário para funcionário, de acordo com a idade e o momento de vida. “Os planos do mercado são todos engessados”, diz Lane.
A parceria com startups é a ponta visível de diversos investimentos feitos pela Icatu Seguros para atualizar a infraestrutura tecnológica de uma empresa perto de completar 30 anos de vida e que conta com 1,9 mil funcionários. “Toda a plataforma, sistemas core e produtos, foram modernizados em uma nova linguagem e arquitetura”, afirma Snel. “Fizemos o desacoplamento e o transformamos em um Lego.”
Snel, que começou sua carreira como estagiário do Banco Icatu em 1992 e está à frente da Icatu Seguros desde 2014, diz que tem o hábito de fazer uma reunião semanal em que discute todos os projetos da companhia para entender onde estão os gargalos. “Assim consigo priorizar as demandas”, diz o CEO da Icatu Seguros.
Um dos projetos que furou a fila e passou à frente de outros foi o da área de dados. E a razão não é outra se não conseguir mais granularidade das informações dos próprios clientes da Icatu Seguros, como também para se preparar para o 'open insurance'.
“As seguradores que trabalham com ecossistemas e não dependem exclusivamente dos canais tradicionais, como corretores e agências bancárias, estão melhor preparadas para o ‘open insurance’ e para trabalhar com APIs”, afirma Gustavo Leança, head de soluções de seguros da Capgemini no Brasil.
A Icatu Seguros se define como uma seguradora no modelo B2B2C. Ela presta serviços para parceiros. E estes, por sua vez, vendem os seguros para os consumidores finais.
Por esse motivo, a seguradora da família Almeida Braga conta com uma força de venda de 14 mil corretores e distribui seus produtos em diversas plataformas digitais, como XP, BTG Pactual, Easynvest, C6, Warren, Órama, Modalmais, Inter, entre outros. Mas a Icatu está presente também em cooperativas de crédito, como a Sicredi, ou em varejistas, a exemplo da Marisa.
Com essa força de vendas, a Icatu Seguros conseguiu construir uma carteira que tem quase R$ 60 bilhões de ativos sob gestão – a maior parte do dinheiro vem da área de previdência privada, que tem R$ 43,4 bilhões. A questão é se apenas isso será suficiente para conseguir capturar as mudanças de comportamento do consumidor brasileiro?
No relatório World Insurtech Report (WITR) 2020, realizado pela Capgemini e a Efma, algumas pistas foram dadas às seguradoras. O estudo, no qual foram ouvidos 175 executivos em 26 mercados, entre eles o Brasil, indicou que 66% dos consumidores brasileiros admitem que desejam adquirir seguro de empresas de tecnologia, um dado bem acima da média global de 44%.
A boa notícia, pelo menos para as seguradoras tradicionais, é que há ainda poucas insurtechs atuando no mercado brasileiro. “A maioria delas trabalha em processos internos das seguradoras ou na melhoria do workflow”, diz Leança, da Capgemini. “Poucas estão se aventurando na venda de produtos.”
Mas isso está começando a mudar – mesmo que lentamente. A insurtech Justos, que captou R$ 15 milhões com Kaszek e alguns empreendedores, como David Vélez, do Nubank, Sergio Furio, da Creditas, e Patrick Sigrist, do iFood, está apostando em modelo de precificação das apólices baseado no comportamento do motorista ao volante.
A chilena Betterfly, que levantou US$ 60 milhões com sócios do DST Global, QED Investors e Softbank, está chegando ao Brasil com a oferta de um seguro de vida que aumenta de valor à medida que o cliente caminha, corre ou medita.
De acordo com estudo da Distrito, as seguradoras tecnológicas receberam US$ 56 milhões até maio de 2021 no Brasil. É bem menos do que as fintechs, que levantaram US$ 1,15 bilhão no mesmo período.
Ninguém duvida que à medida que a ‘open insurance’ avance, esse valor vai crescer. E as seguradoras que não estiverem preparadas para essa nova onda vão precisar recorrer a um ‘seguro’ para sobreviver.