O mercado de câmbio é uma das poucas arenas financeiras nas quais os embates entre instituições tradicionais e fintechs estão apenas começando. Mas, com a sanção do novo marco cambial, em 30 de dezembro de 2021, a expectativa é de que essas disputas se intensifiquem a partir deste ano.
Sob esse clima de confronto, há quem prefira, porém, juntar forças. É o caso de um anúncio que será feito nesta terça-feira e que foi antecipado com exclusividade ao NeoFeed. O banco de câmbio Travelex Bank está comprando uma fatia minoritária na Frente Corretora, fintech especializada nesse segmento.
Com o acordo, que começou a ser costurado há cerca de um ano e cujos valores não foram revelados, o banco da Travelex Confidence, operação brasileira do grupo britânico Travelex, passa a ser sócio da fintech fundada em 2017 pelos ex-XP Carlos Brown e Ricardo Baraçal, e por Daniela Marchiori.
“O câmbio é ainda não passou pelo mesmo desenvolvimento que outros segmentos financeiros”, afirma Daniela, sócia e diretora-executiva da Frente Corretora, ao NeoFeed. “Nós trazemos outra leitura pra esse mercado e a Travelex vai nos dar mais credibilidade com o cliente final e também com o Banco Central.”
COO da Travelex, João Manuel Campanelli destaca que, diante das mudanças profundas previstas no mercado, o grupo teria sérios problemas ao tentar equilibrar sua necessidade de reinvenção com as demandas de uma operação do seu porte no dia a dia. “Isso arrebentaria a nossa estrutura”, diz.
Ao mesmo tempo, ele observa que a Frente cria um atalho para a Travelex nesse contexto. “Essa associação vai ao encontro justamente do marco cambial”, afirma Campanelli. “A Frente tem um viés de tecnologia e construiu um ecossistema que foi pensado exatamente para o futuro desse mercado.”
Com entrada em vigor a partir de 2023, a nova lei carrega, de fato, o potencial de revolucionar o setor. Ela prevê a possibilidade, por exemplo, de que, com o tempo e a aprovação do Banco Central, pessoas e empresas tenham contas em moeda estrangeira no Brasil.
Entre diversas outras questões, o marco também irá permitir a criação de contas em reais no exterior e abre caminho para reduzir custos e simplicar infraestruturas dos players do setor, o que deve incentivar a entrada de novos competidores nesse espaço.
Nesse cenário, um dos ingredientes da Frente que atraíram a atenção – e o aporte – do banco leva o nome de Simple. Trata-se de uma plataforma white label que permite que qualquer parceiro – de agentes autônomos de investimento a agências de turismo – opere como uma fintech desse segmento.
Além da venda de câmbio, a Simple, que também pode ser acessada diretamente por consumidores, trabalha com remessas internacionais, via blockchain, que são creditadas na conta de destino em poucos minutos.
Hoje, essa plataforma faz, em média um total de operações de US$ 50 milhões por mês, por meio de um leque de mil parceiros, que inclui diversos escritórios da XP e nomes como a Órama Investimentos. Essa carteira também envolve uma base de mais de 30 mil clientes B2C.
“Vamos ter acesso a uma série de tecnologias, entre elas, o pagamento instantâneo no exterior”, observa Campanelli. “Hoje, fazemos cerca de US$ 3 milhões mensais em operações nessa frente, mas a previsão é chegar ao fim do ano com pelo menos US$ 9 milhões por mês.”
A Frente também tem serviços de delivery de moeda e saques, via caixas eletrônicos, em dólar e euro. Hoje, são sete ATMs em shoppings e aeroportos das principais capitais. Outros 50 estão prontos para entrar em operação. “Até o fim do ano, a projeção é chegar a 300 equipamentos”, diz Daniela.
Recentemente, a Travelex também passou a oferecer essa opção de saques em dólar e euro em uma parceria com a TecBan, dona da rede Banco24Horas, e o uso, ao lado do Itaú Unibanco, de algumas máquinas especializadas nessas moedas, que estão sendo instaladas em capitais como São Paulo.
“Esse projeto é da TecBan e ainda é embrionário. A expansão deve acontecer ao longo desse ano”, diz Campanelli. “Ao mesmo tempo, vamos adicionar outras modalidades de transação na rede própria de ATMs da frente.”
O grupo Travelex traz, porém, outras moedas de troca na associação com a Frente Corretora. Uma delas deles é o porte do Travelex Bank, que encerrou dezembro com um volume de US$ 10,1 bilhões e 118 mil transações de câmbio, entre operações de importação, exportação e compra e venda de papel moeda.
Outro fator de peso que o novo sócio acrescenta para a fintech é a sua rede com mais de 110 pontos de atendimento presencial, que incluem as unidades das casas de câmbio da corretora do grupo. Essas lojas poderão ser usadas, por exemplo, para a retirada de moedas compradas na plataforma da Frente.
“O grupo vai nos dar muito mais visibilidade e capilaridade. Vamos ter uma linha mais agressiva e aumentar exponencialmente nossa capacidade de distribuição”, diz Daniela. “Em uma projeção conservadora, prevemos ampliar em cinco vezes ou mais nosso volume de operações em cinco anos.”
Com os benefícios de parte a parte já conhecidos, as duas empresas planejam, agora, começar a entender e a desenhar, a quatro mãos, os próximos passos a partir dessa união.
“Há diversas áreas e estruturas em que podemos encontrar novas sinergias, como cadastro, compliance, prevenção à lavagem de dinheiro, monitoramento e tesouraria”, diz Campanelli. Daniela acrescenta: “Vamos começar afinar as linhas que temos dentro de casa e enriquecer o que for possível de cada lado.”