A rede de medicina diagnóstica Fleury vai acelerar os projetos digitais ao mesmo tempo que pretende expandir sua verticalização, posicionando-se cada vez mais como uma plataforma de saúde. Sob o comando da médica Jeane Tsutsui, uma veterana com mais de 20 anos de casa, que substituiu a Carlos Marinelli à frente da companhia, o plano é imprimir mais velocidade para diversas iniciativas que já estavam em curso.

As primeiras medidas já estão sendo tomadas. O Fleury trocou o comando do Saúde iD, marketplace que se propõe a ser um “one-stop-shop” do setor de saúde, reunindo na mesma plataforma empresas, operadoras, médicos e pacientes. O executivo Hans Lenk acaba de assumir como CEO do Saúde ID, em substituição a Eduardo Oliveira, que está deixando o grupo.

Lenk está também à frente do Kortex Ventures, um fundo de corporate venture capital em parceria com o laboratório Sabin que tem R$ 200 milhões para investir em healthtechs e que está fazendo o seu primeiro investimento, revelado com exclusividade ao NeoFeed. Trata-se da startup israelense Sweetch, que desenvolveu um aplicativo que usa inteligência artificial para ajudar pacientes crônicos.

“Queremos ser um investidor estratégico”, diz ao NeoFeed Tsutsui, que assumiu, em abril, o cargo de CEO do grupo Fleury, dono de marcas como Fleury, a+ Medicina Diagnóstica, Weinmann, Lafe, entre outras. “Conseguimos aportar conhecimento e podemos testar as soluções.”

O aporte do Kortex Ventures é de R$ 4 milhões e está sendo feito em conjunto com outros investidores. Trata-se de uma rodada séria A que soma US$ 15 milhões, liderada por Entree Capital, Qure Ventures e Phillips Ventures. O aplicativo vai ser integrado ao Saúde iD.

O Sweetch coleta dados dos usuários e ajuda pacientes crônicos a ter uma vida mais saudável, além de manter o seu engajamento com o tratamento. Ele sugere ações que podem ser desde caminhadas e exercícios até lembrar a hora correta de tomar os medicamentos.

“Estamos em um processo de tropicalização do Sweetch para o Brasil e ele está rodando um piloto dentro do Fleury para começar a alavancar a utilização”, afirma Lenk, que diz que o Kortex Ventures vai entrar em aportes séries A sempre em rodadas com a participação de outros fundos.

Hans Lenk assume o Saúde iD

A meta é fazer cheques que variam de US$ 1 milhão a US$ 3 milhões para startups estrangeiras e de R$ 5 milhões a R$ 15 milhões para as empresas brasileiras. “Queremos criar um portfólio de investimento entre 15 e 18 startups”, diz Lenk.

O alvo serão startups em três áreas: medicina diagnóstica, medicina personalizada e saúde digital. A Prontmed, uma startup de prontuários médicos online, um investimento conjunto com o Sabin, realizado no ano passado, está passando a fazer parte do portfólio da Kortex Ventures.

Digitalização

Ao mesmo tempo que começa a dar os primeiros passos em investimentos em startups, o Fleury vai acelerar o Saúde iD. A saída de Oliveira do comando do marketplace, segundo uma fonte do setor de saúde, é um sinal de que o Fleury quer impulsionar com mais velocidade a sua plataforma de saúde.

“Não é uma mudança de direção, mas sim para dar mais agilidade. O Lenk tem um perfil mais de execução e um passado de consultor”, afirma essa fonte, lembrando da trajetória do novo CEO do Saúde iD no The Boston Consulting Group.

Questionado sobre a mudança no comando do Saúde iD, o grupo Fleury informou, por meio de nota, que “Eduardo Oliveira cumpriu com todas as entregas que foram alinhadas, seguindo agora para outros projetos pessoais e profissionais”. Sobre Lenk acrescentou que o executivo trabalhou desde o primeiro momento no projeto de criação do Saúde iD e que tem sido “um executivo muito importante na área de tecnologia e inovação para o grupo Fleury”.

Lançado há oito meses, o Saúde iD já atraiu empresas como Sommos DNA, Lafe, Hypera Pharma, FarMe, Omens, Namu, Danone, Nutricia, Pronto Light, Sleep Up e Tyto ao marketplace. Nesse período, já realizou 400 mil atendimentos de telemedicina. “Em 2021, as consultas via telemedicina já superaram o total de 2020”, afirma Tsutsui. “E 40% são de locais em que o Fleury não tem presença física.” Atualmente, Fleury está presente em sete Estados mais o Distrito Federal e conta com mais de 200 unidades físicas de atendimento.

No primeiro trimestre de 2021, das 1,1 milhão de vidas atendidas pelo Fleury, 9,8% vieram do Saúde iD – o percentual é o dobro do registrado nos últimos três meses de 2020. A plataforma também gerou R$ 6,1 milhões em serviços de medicina diagnóstica nos três primeiros meses deste ano. “Esse é um dado que mostra o potencial da plataforma”, diz Tsutsui. “Estamos crescendo trimestre a trimestre.”

Em fevereiro deste ano, o Saúde iD lançou uma assinatura para pessoas físicas com direito a consultas de telemedicina e presenciais, exames de rotina e descontos em medicamentos e outras ofertas. Esse projeto, no entanto, ainda está em fase piloto e não foi aberto para todo o Brasil.

Trate-se de um mercado endereçável enorme, pois 75% da população brasileira não têm um plano de saúde e buscam alternativas de qualidade mais baratas fora do Sistema Único de Saúde (SUS).

No Brasil, 47,6 milhões de pessoas tinham um plano de saúde em dezembro de 2020, número quase três milhões inferior a de 2014, quando 50,5 milhões de brasileiros contavam com esse tipo de assistência, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Verticalização

O avanço no digital não vai frear o crescimento do Fleury na área de medicina diagnóstica, considerada ainda a sua fortaleza. O plano é acelerar seu processo de verticalização, uma tendência do setor de saúde. Além de se expandir organicamente, Tsutsui diz que isso se dará também por meio de fusões e aquisições.

Nos últimos anos, o Fleury fez diversas aquisições que aumentaram sua atuação para além da área de medicina diagnóstica. Em 2018, por exemplo, comprou a empresa de gestão de saúde empresarial SantéCorp. No ano passado, adquiriu o controle do Centro de Infusão Pacaembu e da Clínica de Olhos Dr. Moacir Cunha. Em abril desse ano, foi a vez de ficar com 66% da clínica de ortopedia Vita, de São Paulo, por R$ 136,8 milhões.

Nos últimos anos, o Fleury fez diversas aquisições que aumentaram sua atuação para além da área de medicina diagnóstica

Tsutsui diz que tudo o que fizer sentido para a jornada do paciente está sob análise do Fleury. E ressaltou que, com essas aquisições, o Fleury já pode realizar cirurgias de baixa complexidade. Sobre a entrada na área de hospitais, a executiva disse que o grupo tem uma divisão de negócios B2B que já tem parcerias com 29 hospitais.

“Temos ainda um espaço para crescer em medicina diagnóstica e atenção primária”, afirma Tsutsui. “Quando olhamos para esses novos elos, ainda há uma jornada de crescimento bastante forte daqui para frente.” Por novos elos, a executiva entende que são a atenção primária e os procedimentos de baixa complexidade.

Esses movimentos são essenciais para destravar valor em um momento de efervescência do setor de saúde, marcado por uma agenda intensa de M&As e IPOs bilionários. Nos últimos anos, as ações do Fleury pouco avançaram em relação a outros competidores da área de saúde. Desde 2017, os papéis estão na casa dos R$ 30 e com um valor de mercado na faixa dos R$ 8 bilhões – atualmente, o grupo Fleury vale R$ 8,6 bilhões.

Por outro lado, os concorrentes valem muito mais. O Dasa, que fez o seu re-IPO em março, quando captou R$ 3,8 bilhões, uniu a rede de hospitais Ímpar ao seu negócio de medicina diagnóstica. Atualmente, está avaliado em R$ 28,5 bilhões.

A rede de hospitais D'Or, que abriu o capital em dezembro do ano passado, quando captou R$ 11,4 bilhões, prepara-se para um follow on em que busca R$ 6,7 bilhões. Seu valor de mercado é de R$ 144,5 bilhões.

E até planos de saúde que atuam de forma verticalizada, controlando hospitais e laboratórios, estão também se movimentando. A Hapvida e a Notre Dame Intermédica anunciaram uma fusão que cria um gigante que pode valer mais de R$ 100 bilhões na bolsa – o negócio precisa ainda de aprovação das autoridades regulatórias.

O próprio laboratório Sabin, que é sócio do Fleury no Kortex Ventures, anunciou o Rita, sua plataforma de saúde digital para concorrer com o Saúde iD, em um movimento que demonstra que a competição será bastante acirrada e pode surgir de diversos lugares.

“Daqui em diante, o desafio será continuar crescendo rapidamente por meio de suas novas iniciativas de receita (principalmente o Saúde ID, que vem apresentando volumes notáveis) e buscar oportunidades inorgânicas”, escreveram os analistas Samuel Alves e Yan Cesquim, do BTG Pactual, em relatório sobre o Fleury. “Tudo com o objetivo de rentabilidade consistente (o desafio mais ousado, a nosso ver).”

O Credit Suisse, em relatório assinado pelos analistas Mauricio Cepeda e William Barranjard, diz que empresa segue trabalhando na diversificação, buscando trazer mais clareza à sua estratégia. “Com a nova gestão, a empresa passou a publicar novos indicadores para refletir a base de usuários, essenciais para demonstrar a capacidade de venda cruzada de serviços ambulatoriais.”

No primeiro trimestre deste ano, o grupo Fleury registrou lucro líquido de R$ 118,6 milhões, o dobro do mesmo período do ano passado. A receita líquida subiu 25,2%, para R$ 893,8 milhões. “As pressões para testes de Covid-19, combinadas com o vaivém das medidas de restrição, interferem tanto positivamente em exames, como o PCR, quanto negativamente em imagens médicas e rotina”, escreveram os analistas do Credit Suisse.

A partir de agora, sob nova direção, o Fleury terá não só de fazer suas novas frentes darem resultado, como também manter a rentabilidade. É o que o mercado espera de Tsutsui.