Em maio deste ano, a Brookfield ganhou as manchetes com a aquisição de 12 torres comerciais da BR Properties, por R$ 5,92 bilhões. O negócio bilionário tornou a gestora de ativos canadense numa das principais detentoras de prédios de escritórios do País, que aposta em uma retomada após o baque da pandemia.
Mas outra área do setor imobiliário brasileiro também tem animado Roberto Perroni, head de real estate da Brookfield no Brasil. É o mercado de empreendimentos multifamily, uma categoria de imóveis comerciais na qual todos os apartamentos são destinados a aluguel e estão registrados sob uma única matrícula/escritura.
A Brookfield começou a investir nessa área no ano passado, quando comprou 5 mil unidades residenciais da Luggo que totalizam R$ 1,26 bilhão em valor geral de venda (VGV), deixando a operação nas mãos da proptech da MRV&Co. Agora, a gestora canadense, que tem R$ 16 bilhões de ativos imobiliários sob gestão no Brasil, tem planos de dobrar essa área em até três anos.
“Hoje temos 5 mil unidades que compramos da MRV neste formato e estamos negociando novas aquisições com a MRV e outras incorporadoras”, diz Perroni ao NeoFeed. “É um mercado novo, que ainda estamos entendendo o potencial que podemos alcançar, mas estamos bem empolgados.”
Bastante conhecido nos Estados Unidos, o multifamily é um formato que movimenta US$ 3 trilhões e conta com 14,5 milhões de unidades pelo país, segundo dados Associação Nacional de Fundos de Investimentos Imobiliários dos Estados Unidos (Nareit).
Esse modelo de negócio, no entanto, ainda engatinha no Brasil através de fundos imobiliários (FIIs). No ano passado, atingiu 10 mil unidades e R$ 650 milhões sob gestão, de acordo com dados levantados pela consultoria Cushman & Wakefield.
Segundo Perroni, a Brookfield analisava o potencial do mercado multifamily no Brasil há quatro anos, depois do bom desempenho registrado nos Estados Unidos, onde chegou a ter 70 mil unidades neste formato.
O primeiro produto da parceria com a Luggo está localizado em Contagem, em Minas Gerais. Entregue no primeiro trimestre deste ano, Perroni diz que ele está totalmente alugado. A Brookfield conta ainda com outro, na cidade de São Paulo, além de novos empreendimentos previstos para serem inaugurados nos próximos três anos em Rio de Janeiro, Bahia, Distrito Federal, Paraná e Rio Grande do Sul.
Os empreendimentos oferecem alguns itens pagos à parte ou que estão inclusos no preço. Existe a possibilidade de alugar unidades semimobiliadas, com armários, televisão e geladeira, ou completamente mobiliados. Eles contam ainda com área comum com piscina, espaço pet, academia, coworking, aluguel de carro e mercadinho.
Diferentemente dos Estados Unidos, em que seus empreendimentos são voltados para classe média alta, o foco da Brookfield no Brasil são imóveis para a classe média com renda familiar mensal até R$ 8 mil.
São apartamentos com dois quartos, cerca de 45 metros quadrados e aluguéis entre R$ 1,5 mil a R$ 2,5 mil por mês, sendo que, em algumas regiões, o valor cobrado pode alcançar R$ 3 mil. Os contratos de aluguel duram, em média, 30 meses.
A ideia original era repetir o modelo implementado nos Estados Unidos e atuar na alta renda. Mas, analisando o mercado, a equipe da Brookfield percebeu que ele não teria aderência no Brasil, uma vez que teria que cobrar valores muito altos de aluguel, inibindo a demanda. “O valor dos aluguéis nessas regiões é de R$ 10 mil a R$ 15 mil e o público nesses locais pode comprar imóveis”, diz Perroni.
Segundo ele, o multifamily é um produto atrativo à parcela da população com renda um pouco mais baixa, que muitas vezes encontra dificuldades para dar entrada em um imóvel próprio. Ele destaca ainda as facilidades no processo de aluguel, considerando que não há necessidade de fiador, com a Luggo realizando a análise de crédito do interessado em poucas horas.
Os primeiros resultados dos investimentos têm agradado a Brookfield. Sem fornecer informações a respeito de rentabilidade, Perroni diz que a relação entre risco e retorno está dentro do esperado e que a locação ocorre a uma velocidade maior do que a projetada, um indício de que há espaço para reajustar para cima os aluguéis.
“Com esses serviços agregados, alugo a valores 30% mais caros do que o visto em empreendimentos vizinhos”, afirma. “E a inadimplência que estamos trabalhando tem sido muito baixa, em torno de meio por cento.”
Além das negociações com a MRV para adquirir novos apartamentos, a Brookfield fechou uma parceria com a incorporadora TPA para comprar três produtos na região central da cidade de São Paulo, para desenvolver projetos multifamily. Em todos os empreendimentos, a Luggo ficará responsável pela operação.
“Quando a MRV divulgou a parceria, tivemos cerca de 30 incorporadoras batendo na porta, perguntando se tínhamos interesse em comprar produtos do tipo que eles iam lançar no mercado”, afirma Perroni.
O interesse da Brookfield, e das incorporadoras com quem está conversando, mostra o potencial que o modelo tem para crescer, diante da mudança de paradigma que reinou há anos no País. O sonho da casa própria não morreu no Brasil, mas o aluguel passou a ser uma realidade para um gama maior de pessoas e envolve de carros a imóveis.
“Tem muita gente no Brasil vivendo de aluguel”, diz Guilherme Regal, head de capital markets da Cushman & Wakefield, destacando que 20% das famílias moram em apartamento alugados. “E o grande potencial de crescimento que esses empreendimentos têm está relacionado à experiência. As pessoas estão topando pagar um valor maior pelo aluguel se ele vier com uma boa experiência, como facilitar a questão do fiador.”
Além da Brookfield, outro investidor que percebeu o multifamily como uma boa opção de investimento no Brasil foi o fundo de pensão canadense Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB), que se juntou à Cyrela para explorar o segmento de locação residencial, com foco em imóveis de média e alta renda, em São Paulo.
O mercado conta ainda com outros nomes operando serviços de aluguel, a maioria para a classe alta. Um dos destaques é a JFL Living, braço de locação da incorporadora de Jorge Felipe Lemann e que está explorando modelos de locação de longo prazo.
Para Daniel Chinzarian, analista de fundos alternativos, FIIs e listados da XP Investimentos, o potencial para multifamily no Brasil existe, mas é preciso melhorar algumas questões legais, além do cenário econômico, para atrair mais investimentos.
“As grandes cidades criaram legislações que têm incentivado o financiamento habitacional, principalmente de unidade popular, o que tem sido um desafio para o setor, porque acaba incentivando a compra ao invés do aluguel”, diz. “Com os juros sob controle e a criação de mecanismos para incentivar o financiamento desse tipo de empreendimento, esse mercado pode ter bom crescimento."