O filho mais velho de Eduardo Fischer, copresidente da incorporadora e construtora MRV, é fanático por carros desde os cinco anos de idade. Tanto que prestou vestibular, e passou, no curso de engenharia mecânica.

Feliz, o pai resolveu presentear o garoto com um carro. Mas foi surpreendido com a resposta do filho ao recusar o presente. “Ele me disse que só ia ter dor de cabeça com o carro”, conta Fischer.

A história parece não ter vínculo com o setor imobiliário, área em que Fischer atua, administrando a maior construtora e incorporadora do Brasil, que faturou R$ 6 bilhões e lucrou R$ 690 milhões em 2019.

“Eu não me preocupo se um dia vai ser possível imprimir um prédio com uma impressora 3D”, disse Fischer, em entrevista ao NeoFeed. “O que me preocupa é a mudança de comportamento.”

Assim como as pessoas, em especial as mais jovens, não querem mais comprar carros – e preferem usar um Uber ou outras modalidades alternativas de transporte – Fischer acredita que, num futuro não muito distante, elas também não vão comprar mais casas e apartamentos.

E não custa lembrar: esse é o ganha-pão da MRV, fundada em 1979 pelo empresário Rubens Menin, controlador também do banco digital Inter, da incorporadora e construtora de condomínios logísticos Log e da franquia brasileira da rede de tevê CNN.

Lançada no fim de 2018, a Luggo é a resposta da MRV para não ser “disruptada”, assim como os táxis foram surpreendidos pela Uber e as cadeias de hotéis, pelo Airbnb, entre tantos exemplos de startups que abalaram setores inteiros.

O modelo da Luggo é baseado no da AHS, empresa americana de Menin, que compra terrenos, constrói apartamentos e depois os aluga. A empresa esteve no centro de uma polêmica quando a MRV anunciou planos de comprá-la no fim do ano passado – a transação foi concretizada só em 2020.

A MRV constrói os prédios para a Luggo. As unidades são alugadas e os edifícios são vendidos, na sequência, para um fundo imobiliário. A “startup” da família Menin, por sua vez, administra os imóveis, ganhando uma taxa de administração.

“O que eu faço bem: comprar terrenos e construir imóveis”, diz Fischer. “Estou usando isso para criar outra fonte de funding para a MRV e que pode ser, no futuro, minha tábua de salvação.”

O primeiro fundo com quatro prédios foi lançado em dezembro do ano passado. Na ocasião, a MRV captou R$ 90 milhões. A cota do Luggo FII (LUGG11) estreou com alta de 20%, mas elas hoje são vendidas com queda de mais de 18%

Condomínio da Luggo em Curitiba

O fundo conta quatro prédios construídos pela MRV. Dois deles estão prontos, com todos os imóveis alugados e com fila de espera, segundo Fischer. Os outros dois, em Curitiba e Campinas, serão concluídos em breve. Os quatro, quando estiveram operando, terão 452 unidades.

A meta é lançar mais nove prédios até o primeiro trimestre de 2021. Os novos condomínios serão construídos em quatro Estados e no Distrito Federal, nas cidades de Salvador, São Paulo, Campinas, Belo Horizonte, Porto Alegre e Brasília, e totalizarão 2.052 unidades de aproximadamente 50 metros quadrados cada.

A MRV já informou ao mercado que fará o follow on do atual fundo imobiliário com as novas unidades entre o quarto trimestre de 2020 ou o primeiro trimestre de 2021. “A Luggo pode operar 10 mil imóveis daqui a cinco anos”, afirma Fischer.

Questionado se pretende separar a Luggo da MRV, Fischer afirma: “Acho que o caminho é o spin-off.” O executivo, no entanto, não forneceu mais detalhes, nem prazos para fazer a separação do negócio.

A nova aposta da MRV, no entanto, vai brigar com gente grande por um lugar ao sol no mercado de locação de imóveis. Uma delas é a Housi, plataforma de locação e de gestão de imóveis próprios e de terceiros, do empresário Alexandre Lafer Frankel, fundador da Vitacon.

A Housi captou também quase R$ 60 milhões para um fundo imobiliário residencial no começo de março deste ano. Ao contrário da Luggo, a startup, que conta com investimento da gestora de venture capital Redpoint eventures, buscará imóveis no mercado e não investirá exclusivamente nos prédios da Vitacon. “Podemos comprar de qualquer construtora”, disse Frankel, ao NeoFeed. “O fundo vai buscar os melhores negócios.”

A Cyrela, do empresário Elie Horn, anunciou também, no ano passado, uma joint venture com a Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB) para explorar o segmento de locação residencial, com foco em imóveis de média e alta renda, em São Paulo. Na operação, a Cyrela detém uma fatia de 20%.

O que esses negócios têm em comum é que eles querem prover a moradia como um serviço no modelo de pague se usar. São oferecidos desde a limpeza e arrumação, passando por acesso a internet, petcare, mudança, lavanderia e eletrodomésticos. Quer vaga na garagem? Basta escolher quantas precisa.

A Luggo não exige também fiador para o aluguel e fez um acordo com o iFood, com a instalação de armários no térreo dos edifícios. Com isso, os locatários são avisados por um aplicativo que a comida chegou.

Fischer diz que não há um perfil específico de cliente que está alugando os imóveis da Luggo. São desde famílias até casais jovens e pessoas solteiras. A renda familiar média mensal é de aproximadamente R$ 5 mil, acima da dos clientes da MRV, especializada em atender consumidores do programa Minha Casa Minha Vida, que está em R$ 3 mil.

“É um modelo inovador que funciona lá fora”, afirma Pedro Galdi, analista de investimentos da Mirae Asset Management. “Vejo como uma inovação e como uma forma da MRV fugir dos atrasos de pagamento do Minha Casa Mina Vida.”

Uma plataforma de moradia

A Luggo é apenas uma das iniciativas da MRV em sua estratégia de se transformar em uma plataforma de moradia. Pode parecer estranho esse conceito. Em especial para uma empresa que constrói prédios e casas e que praticamente some da vida do consumidor depois da venda.

Se houver contato com o comprador depois da venda, ele é, em geral, estressante: ou o comprador está reclamando de algum problema, ou a construtora está atrás para cobrar as mensalidades atrasadas.

“O processo de compra e venda de um imóvel é terrível”, diz Fischer. O objetivo da MRV é criar uma plataforma para interagir com o cliente, da venda até quando o comprador já estiver morando no imóvel.

Um exemplo é um aplicativo, desenvolvido pela MRV, que permite toda a compra de forma digital: desde a visita virtual, passando pelo financiamento, entrega de documentos e a assinatura do contrato.

O projeto-piloto, que aconteceu em Belo Horizonte, fez a primeira venda totalmente digital no mês passado. Agora, a MRV estuda como escalar essa solução.

Outra iniciativa é o fim dos apartamentos decorados. Desde 2019, todos os novos empreendimentos são mostrados ao comprador de forma digital. O consumidor coloca um óculos de realidade virtual e faz a visita pelo imóvel virtualmente, podendo inclusive escolher os acabamentos.

Consumidor faz visita virtual aos apartamentos da MRV

É uma mudança de conceito na forma de vender, segundo Fischer. Sai de cena os grandes estandes e entra, no lugar, os PDXs, sigla para pontos de experiência. Eles já existem em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e no Rio de Janeiro. A ideia é levá-los para todos os grandes centros urbanos do País onde a MRV está presente.

O atendimento também está sendo automatizado. Não se trata de eliminar o corretor de imóvel, mas de filtrar o conteúdo para dar uma atenção mais personalizada.

Quem entra no site da MRV pode conversar com um “robô” pelo WhatsApp, que pergunta qual o tipo de imóvel que quer comprar, a região e a faixa de preço. Se a “conversa” for adiante, um corretor entrará em contato para seguir com o processo de venda.

Mas uma das principais iniciativas da MRV é um marketplace para quem já comprou um apartamento. Só clientes da construtora têm acesso a ele. A empresa fez parcerias com diversas empresas que ajudam na compra de acabamentos e armários para o novo imóvel.

Além disso, o marketplace conta com mais de 25 parceiros de vários segmentos, como Magazine Luiza, Carrefour, Electrolux, Petz, Mobly e Ricardo Eletro, que fornecem descontos aos clientes da MRV. A estratégia é manter o relacionamento  com o comprador após a venda.

Fischer diz que não cobra nenhuma taxa dos parceiros comerciais a cada venda realizada no marketplace. “Posso ganhar dinheiro? Sim. É minha meta? Não”, afirma o executivo. “Estou num negócio de longo prazo. Não adianta querer enganar na venda, pois a bomba vai estourar no meu colo.”

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