É preciso ter coragem, senso de oportunidade, resiliência e princípios voltados para o ser humano. Não é pouco, apesar de serem qualidades óbvias para quem quer fazer diferença no mundo em que vivemos. Foi isso o que Magazine Luiza e Bayer demonstraram ao lançarem programas de recrutamento de trainees exclusivamente voltados para jovens profissionais negros.

Mais do que isso, essas ações afirmativas das duas empresas em favor da inclusão, do combate à desigualdade e ao racismo estrutural brasileiro jogaram luz, desde o dia 18 de setembro, na medíocre polarização entre conservadores e progressistas, que em geral se vale da observação reduzida dos fatos para opor-se a qualquer evolução na estrutura social.

Sim, temos conservadores, pessoas reativas às mudanças, em todas as áreas: na imprensa, na política, nas empresas e na justiça – inclusive na justiça do trabalho... Portanto, é preciso ter coragem para assumir ações afirmativas em favor da transformação da realidade. E resiliência para entender que o barulho dos usuais 10% de haters nas mídias sociais é esperado, passageiro e irrelevante diante dos ganhos projetados.

E quais são esses ganhos? Considerando do macro para o micro, o mundo, o Brasil, nosso bairro, nossas vidas precisam de relações sociais cada vez mais igualitárias, nas quais ninguém seja pré-julgado pela cor da pele ou que a condição socioeconômica seja uma barreira para o acesso à saúde, educação, justiça, qualidade de vida e realização profissional.

Na prática, para empresas como o Magazine Luiza e a Bayer, o primeiro passo é esse: ser inclusivo, abrir espaço e oportunidade para o acesso daqueles que são claramente desfavorecidos no mundo corporativo. E nem é preciso de pesquisas e trabalhos científicos para suportar essa decisão.

Basta entrar nos escritórios das empresas para ver que profissionais negros são raríssimos. Ou ainda observar reuniões de diretoria para verificar que, além dos negros, as mulheres ainda têm pouquíssimo espaço para a ascensão profissional no Brasil. A exclusão é visível e amplamente disseminada.

Aqueles que se apegam às barreiras, dizendo que o problema é não haver profissionais qualificados, são os mesmos que se opõem às cotas nas universidades públicas (e não aceitam o dever do Estado de fomentar o equilíbrio de oportunidades). Esses opositores é que, de fato, se autodenunciam como sendo as próprias barreiras. Sustentam um modelo mental que, por medo e insegurança, quer impedir a mudança.

A mais bisonha dessas alegações é a do racismo reverso. Algo que não existe neste contexto. É pura distorção da realidade. As ações afirmativas são portas que se abrem para a inclusão e pequenos canais de combate à desigualdade vigente.

Quem reage a essas iniciativas está acostumado aos privilégios até sem perceber porque vive na pele do privilegiado

Quem reage a essas iniciativas está acostumado aos privilégios até sem perceber porque vive na pele do privilegiado. Sentem-se injustiçados quando não têm direito a alguma oportunidade. Mal sabem eles que essa é uma ínfima amostra da rejeição vivida diariamente por todas as minorias sociais no Brasil e no mundo.

As empresas líderes já entenderam que apenas ambientes com diversidade de pensamento, o que está diretamente ligado à diversidade de origem das pessoas, são capazes de gerar o conhecimento necessário para enfrentar um mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo. E este é o momento de agir para estar em condições de enfrentar esse ambiente em acelerada transformação.

O Brasil, nossas cidades e nossa vida cotidiana se beneficiarão tremendamente com uma realidade menos desigual. Com uma estrutura socioeconômica menos desigual. E, por óbvio, o maior benefício se dará ao nível das pessoas, milhões e milhões  que passam uma vida de desfavorecimento em relação à elite branca.

É preciso recuperar a empatia para com as pessoas e assumir uma postura que as coloque no centro de nossa atenção. Somente assim vamos evoluir em todos as dimensões da vida: como indivíduos, organizações, comunidades e país.

Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

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