Em tempos de crise, nossos padrões éticos são testados. Em geral, nós, brasileiros, temos falhado eticamente como nação. Passamos um ano de pandemia tentando provar nossos pontos de vista sobre a letalidade da gripe, como tratá-la, como curá-la, sem qualquer empatia para com os outros, olhando apenas para as nossas verdades.

As empresas são frutos das pessoas e, portanto, sofrem as mesmas pressões éticas, e felizmente têm se mostrado ambientes menos permissivos. É claro que há exemplos de toda a natureza. Para analisar essa triste realidade de salve-se quem puder, sugiro adotar um olhar mais ampliado.

Comecemos pelas grandes empresas. É notório que foram e são as organizações que melhor reagiram aos desafios da pandemia. Criaram protocolos de segurança nas operações, romperam as barreiras do comando e controle, mantiveram (e mantêm) as áreas administrativas em home office, além de ampliarem suas iniciativas de suporte às comunidades em que estão inseridas.

No lado trágico desse cenário, muitas empresas demitiram ou reduziram salários e cargas horárias para assegurar o equilíbrio financeiro. A consequência foi que o desemprego aumentou cerca de 20% e o salário médio caiu 4,7% em 2020. Trazendo os números para o universo das pessoas, estamos falando de 13 milhões de brasileiros que procuraram e não encontraram emprego, 5,5 milhões que desistiram de procurar e 33 milhões na informalidade.

O equivalente a populações inteiras de países na dependência da ajuda de familiares, amigos e instituições assistenciais ou do auxílio emergencial. Não por acaso, causam grande revolta as notícias de pessoas empregadas, servidores públicos ou militares que se candidataram e receberam indevidamente o auxílio financeiro emergencial.

Essa realidade econômica foi fortemente influenciada pelas pequenas e médias empresas, que têm menos capacidade de se adaptar aos tempos de escassez e, em geral, estão em setores fortemente impactados pela pandemia, como o comércio e os serviços que dependem da presença física. Sem políticas públicas de apoio, ficaram expostos ao jogo político do abre e fecha das atividades.

Neste contexto de sobrevivência, a ética é colocada à prova permanentemente. Quais riscos correr? Até onde resistir? Em qual liderança acreditar? Como agir com quem depende de mim? O que é certo? Como ser justo? Como conviver com o estresse provocado pela insegurança e a sensação de impotência? São pressões enormes que afetam hoje qualquer empreendedor, mas especialmente os microempreendedores.

Até mesmo quando a solução parece se delinear no futuro, a incerteza faz a ética bater à nossa porta. O mundo civilizado sabe que a vacina é o caminho mais seguro para a retomada econômica. No Brasil, nossas falhas éticas fazem com que a vacina seja mais uma peça do jogo político.

O mundo civilizado sabe que a vacina é o caminho mais seguro para a retomada econômica. No Brasil, nossas falhas éticas fazem com que a vacina seja mais uma peça do jogo político

E, diante desta indefinição, surgem empresários dispostos a comprar vacinas de forma privada para seus próprios empregados. E até os magistrados estaduais alegaram correr risco de contágio por manusearem processos e pleiteiam o direito de serem vacinados prioritariamente – quando se sabe que a transmissão por superfície é a menos provável. Seria isso eticamente aceitável?

Entendo que não. Afinal, trata-se de colocar o interesse individual acima do interesse público, assumir que o Estado brasileiro lida com seus cidadãos de forma diferente, privilegiando os que têm recursos e ampliando as desigualdades. Não sejamos ingênuos, sabemos que o Estado não trata todos igualmente, que há privilégios, mas tornar essas distorções uma regra é abrir mão de todos os princípios humanistas que deveriam reger nossa sociedade.

Quando vemos alguns empresários e magistrados buscando benefícios, usando como instrumento suas condições especiais, financeiras ou de influência, percebemos o tamanho da crise moral que vivemos. Fica explícito que o nosso código cultural ocidental está impregnado pelo individualismo. Muitos de nossos empresários e seus empreendimentos são construídos tendo como base de valor essa distorção. Mas outros mantêm-se fiéis a princípios mais universais e, portanto, eticamente sólidos.

Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).