Reportagem atualizada no dia 31 de janeiro*
Foi numa edição do São Paulo Fashion Week, ainda em 2017, que a startup catarinense Simple Organic estreou no mercado com uma linha de maquiagem orgânica. A fundadora Patricia Lima tinha familiaridade com o universo da moda onde havia trabalhado como consultora criativa por 8 anos. Com o nascimento da filha Maya, queria empreender para contribuir em “um mundo mais seguro”, mas não encontrou na época cases do setor que fossem relevantes em sustentabilidade.
Olhando para Europa e Estados Unidos, no entanto, constatou que o clean beauty estava explodindo. A Honest, da atriz americana Jessica Alba, por exemplo, já era um fenômeno com cosméticos limpos e sem matéria-prima animal em 2016. Resolveu vender sua agência e investir na criação da Simple, desenvolvendo em Milão e produzindo no Brasil itens de maquiagem de fórmulas orgânicas, sem parabenos, petrolatos e afins.
A rápida aceitação e engajamento dos consumidores da geração Z atraiu a atenção da gigante Hypera Pharma, que comprou participação majoritária na empresa, no ano passado. A farmacêutica, que registrou receita líquida de R$ 4,3 bilhões até setembro de 2021 e é avaliada em R$ 18,9 bilhões, incorporou a Simple a sua divisão de dermocosméticos, composta também por Mantecorp, que tem a Episol como uma das marcas mais famosas, e Bioage.
Ao completar seu primeiro ano como parte do portfólio do grupo farmacêutico Hypera, a Simple começa sua expansão internacional em fevereiro pelos Estados Unidos com 20 produtos do seu cardápio de cosméticos orgânicos, veganos, naturais, cruelty free e sem gênero. A estratégia começa com vendas no e-commerce próprio, para assim medir o interesse dos norte-americanos pelo "clean beauty" brasileiro.
As marcas de "beleza limpa" são aquelas cujos produtos têm como premissa unir performance à saúde (do corpo e do planeta). Trata-se do setor mais fervilhante do universo de beleza atualmente, estimado em US$ 24 bilhões até 2024, segundo a consultoria Statista. Preocupados em manter seus portfólios atualizados diante das demandas das novas gerações, grandes grupos do setor têm se aproximado dessas marcas, como fez o Hypera com a Simple.
As novas marcas de clean beauty em geral já nascem digitais e com premissas ligadas à sustentabilidade. Em 2019, o grupo Shiseido comprou a queridinha dos jovens americanos Drunk Elephant por US$ 845 milhões, enquanto a Unilever, que já era dona de outra marca desse nicho, a Ren, adquiriu a Tatcha por US$ 500 milhões.
A Simple Organic chega aos Estados Unidos tateando um mercado onde, diferente do Brasil, o "clean beauty" já é bastante consolidado. Um bom termômetro da importância dessa categorização para quem compra cosméticos por lá é que o site americano da Sephora, gigante do varejo de cosméticos do grupo LVMH, tem entre as categorias de produto o setor "clean", de produtos transparentes sobre sua formulação, a origem das matérias-primas e a ausência de ingredientes considerados prejudiciais, e o "clean + planet positive", com as "marcas limpas mais ambiciosas na missão de mudar a beleza da paisagem e da Terra para melhor".
No Brasil, em 2021, a Simple faturou R$ 39 milhões, superando a meta de R$ 34 milhões, batida ainda em novembro. Tem crescido ao mesmo tempo que se cria mercado para a beleza limpa, ao lado de marcas ainda com distribuição mais nichada, como Sallve e Care Natural Beauty.
A entrada do Hypera foi determinante para o movimento da Simple para fora do nicho da geração Z das redes sociais, e garantiu fôlego para o crescimento para além do virtual, chegando a 25 franquias, três lojas próprias e centenas de farmácias - canal que leva a Simple na carona de uma de suas irmãs da divisão de dermocosméticos, a Mantecorp (que tem Episol como carro-chefe).
O Hypera tem participação majoritária na Simple Organic, mas o tamanho da fatia não foi revelado ao mercado. A fundadora, Patricia Lima, atua na empresa como CEO, de onde define os caminhos da Simple no ritmo de startup, ainda que numa casa de S.A. O horizonte de suas planilhas de planejamento, conta a executiva, nunca ultrapassam os três meses - uma novidade para a estrutura tradicional da farmacêutica.
"Antes de fechar com o Hypera eu estava conversando com diversos fundos, que em geral só mostravam as planilhas com projeções de crescimento. Na Hypera, além disso, encontrei mulheres no board. E me perguntaram quais eram meus sonhos para a marca. Eu respondi que queria democratizar a beleza natural, queria dinheiro para investir em sustentabilidade e inovar. Eles apostaram na minha gestão", conta Patrícia, que caracteriza seu estilo de chefia como "sensorial e intuitivo".
Como define a CEO, uma gestão feminina em essência - tão rara quanto a própria existência de mulheres no alto escalão de corporações, apenas 3,5% do total, segundo a BR Rating. No universo das startups, os números não são mais animadores. Dados do Banco Mundial mostram que nos países emergentes, apenas 11% das empresas que conseguem financiamento são lideradas por mulheres. E quando conseguem ser custeadas, o valor que recebem é em média 65% abaixo do que é confiado a empreendedores homens.
A CEO da Simple se diz empenhada em mudar esses números. "Minha meta para 2022 é organizar melhor meu tempo para poder me dedicar a ser investidora-anjo de outras mulheres. Quero ser essa mulher que apoia mulheres. Temos muitos dados que mostram que quanto mais conselheiras nos boards, maior a chance de sucesso de uma empresa."
Patrícia exemplifica seu estilo de aliar intuição a números com uma mudança de planos sobre a entrada nos EUA. O plano inicial era começar as vendas em novembro, só com os best-sellers, seis ou sete itens dos 85 do portfólio.
"Eu sentia um incômodo sobre isso e, pouco antes de embarcar os produtos, resolvi mudar os planos. Se eu fosse olhar só para as planilhas, teria seguido como estávamos. Mas ouvi minha intuição e apostar em montar um cardápio de produtos que contem a história da marca, que mostre quem é a Simple. Então, resolvi que vamos levar 20 itens e adiei o início das vendas para fevereiro."
Os americanos vão se deparar com produtos de cuidado para o rosto, óleos e boca, entre óleos faciais de andiroba, copaíba e patauá, e soluções de tratamento veganas e supertecnológicas como as de ácido glicólico, niacinamida e "retinol like". A seleção de produtos que trazem o nome dos ingredientes na linha de frente foi feita para trazer a narrativa de uma marca capaz de oferecer uma solução completa para quem busca cuidados naturais.
Seguir o feeling é, para ela, usar os números como ferramentas para tomar decisões que são guiadas também por objetivos de longo prazo, por sonhos e por sua autoestima profissional. "Se der errado, eu assumo, eu vou achar uma solução. Isso vale para tudo. Não dá para esperar por certezas, o Brasil é um lugar que nunca te dá certezas."
Um dos principais desafios da Simple para os próximos anos é reforçar mais as políticas de sustentabilidade. A marca se preocupa em ser "o mais sustentável possível", mas os desejos de impacto positivo da companhia hoje esbarram em dificuldades de fornecimento e viabilidade de determinadas fórmulas e insumos. Patricia explica que para embalagens, por exemplo, as opções recicláveis existentes no Brasil são muito poucas.
"Não basta que uma embalagem seja feita de materiais recicláveis, nós estamos comprometidos com o ato de reciclar. Existem, por exemplo, embalagens recicláveis que são coloridas. Porém, é muito difícil encontrar quem recicle materiais com pigmentos, então não podemos utilizá-los. Isso acaba atrasando alguns lançamentos", conta a CEO.
"Estamos estudando e desenvolvendo com a equipe de P&D um plástico verde, que vem de fontes renováveis, e vira comida de peixe no oceano. O novo plástico será usado nas sacolas para o consumidor final que em breve devem chegar às lojas."
* Diferentemente do que foi publicado, a Simple Organic informa que o novo plástico que está sendo desenvolvido com tecnologia chinesa e que "vira comida para peixe" será adotado somente em embalagens como sacolas. Os frascos de produtos adotam outro plástico verde sem essa propriedade.