Inaugurada no começo de outubro, a Expo Dubai é o maior evento global desde que a pandemia do coronavírus fechou o mundo para eventos presenciais. A exposição universal conta com 150 pavilhões, recebeu US$ 7 bilhões em investimentos e está espalhada em uma cidade que surgiu do zero e conta com 480 hectares.
Os mais de 25 milhões de visitantes esperados ao evento, que vai até 31 de março de 2022, poderão, no entanto, ter uma experiência nunca vista desde a primeira exposição universal em 1851, no Crystal Palace, em Londres. Todos os edifícios, as árvores e praças foram “clonados” digitalmente em seus mínimos detalhes – inclusive, os interiores dos prédios.
As pessoas presentes, com seus celulares ou óculos virtuais, poderão andar nesse “espaço digital” e interagir com avatares de quem está fisicamente no local, bem como com outras experiências que só existem no universo virtual, graças a uma constelação de mais um bilhão de sensores de internet das coisas e de câmeras.
Mas não é só isso. As pessoas que não puderam ir à Dubai poderão também participar do evento. Basta baixar um aplicativo para smartphones iOS ou Android para ter uma experiência semelhante aos que estão de carne e osso no local. Isso inclui “andar” pelos pavilhões, “assistir” a palestras ou “voar” pelo espaços onde estão acontecendo os eventos da exposição universal.
Coisa de maluco? Sem dúvida, não deixa de ser algo que foge à imaginação. E por trás dessa “maluquice” está a Magnopus, uma das empresas mais quentes do momento que você nunca ouvir falar – ao menos, por enquanto. À frente dela está um grupo de brasileiros capitaneados e liderados por Marcelo Lacerda, um dos pioneiros da internet brasileira, que a cofundou em 2013, em Los Angeles.
“É a primeira grande experiência de “meta spatial computing” do mundo”, diz Lacerda, em entrevista ao NeoFeed, em que detalha os próximos passos da Magnopus, uma companhia que tem a pretensão de conectar o mundo físico ao digital e está criando o que muitos estão chamando de metaverso, a nova onda tecnológica que conquistou até Mark Zuckerberg, do Facebook (ou melhor, do Meta). “A computação sai da tela e gruda no mundo.”
A Expo Dubai é crucial para a Magnopus, que tem também entre seus fundadores, além de Lacerda, o brasileiro Rodrigo Teixeira e dois dos nomes mais relevantes da indústria de efeitos especiais de Hollywood: os americanos Ben Grossman e Alex Henning, vencedores do Oscar de efeitos visuais por “A Invenção de Hugo Cabret”, em 2012.
É lá no meio de deserto que a companhia vai mostrar uma série de algoritmos que foram desenvolvidos ao longo dos últimos oito anos para mais de 80 clientes. São empresas como Disney, Pixar, CNN, Facebook, a agência espacial americana NASA e, nas palavras de Lacerda, “todas as big techs do mundo” – os nomes, no entanto, são mantidos sob sigilo.
Esses algoritmos são a base do primeiro produto que a Magnopus vai lançar ao mercado até o fim de 2021. É o Olympus (codinome ainda), uma plataforma que é uma espécie de um sistema operacional do metaverso – em uma analogia, será o Windows desse mundo ainda difícil de entender, que combina realidade virtual e realidade aumentada.
Foi trabalhando para esses clientes que o Olympus foi sendo lapidado em filmes como Mogli, Blade Runner 2049 e a versão em realidade virtual de “Viva, a Vida é uma Festa”, da Pixar. Mas o principal exemplo das inovações da Magnopus é a versão “live action” de O Rei Leão, que foi filmado como um longa-metragem convencional, mas em um set inteiramente gerado por realidade virtual. O diretor e sua equipe usavam dispositivos de realidade virtual para entrar nos cenários.
Com o Olympus, a Magnopus quer deixar de fazer projetos sob encomenda para ter receitas com seu próprio produto. “Hoje em dia, as startups têm de prototipar rápido, lançar produtos rápido e falhar rápido. A minha companhia tem oito anos e só agora vai lançar o primeiro produto”, diz Lacerda. “Mas não é um produto qualquer: ele tem dois milhões de linhas de código e eu estou botando dinheiro há oito anos.”
“Hoje em dia, as startups têm de prototipar rápido, lançar produtos rápido e falhar rápido. A minha companhia tem oito anos e só agora vai lançar o primeiro produto”, diz Lacerda
E não foi pouco dinheiro. Até agora, foram US$ 50 milhões em seis rodadas de investimentos. Lacerda, no entanto, não está sozinho nessa empreitada, apesar de ser o maior acionista individual da Magnopus com uma fatia de 20%.
Os primeiros brasileiros a apostar na Magnopus foram Marcelo Peano, com seu fundo Pier 18 Capital, e Sylvio de Barros, o fundador da Webmotors – hoje uma operação do Santander. Depois, Lacerda foi trazendo outros investidores de grandes famílias brasileiras para a base de acionistas. “É uma deep tech de Los Angeles com capital brasileiro”, diz Lacerda.
O mais recente aporte foi da São Pedro Capital, do ex-presidente do Google Brasil, Alex Dias, que investiu US$ 10 milhões em meados de 2021. “Todas as questões relacionadas ao metaverso e à computação espacial foram desenhadas no mundo de games e de filmes. Essa indústria agora alcançou um patamar de consumo e de desenvolvimento de conteúdo explosivo”, diz Dias.
Em outras palavras: chegou a hora de a tecnologia sair do nicho original e ganhar o mundo em outras áreas, que podem ir do varejo ao real estate. Não há, na verdade, limites para as futuras aplicações do metaverso.
O metaverso é também um mercado cujas cifras alcançam bilhões de dólares – embora seja difícil de chegar a um consenso sobre os valores envolvidos. Mas muitos acreditam que essa tecnologia vai ser a “próxima grande coisa” que vai mudar o mundo, como os PCs, na década de 1980, a internet, nos anos 1990, as redes sociais no início do século 21 e os smartphones atualmente.
O The Information, site que cobre o universo do Vale do Silício, estima em US$ 85 bilhões o tamanho desse mercado em 2025, incluindo games, ferramentas de comunicação de negócios e publicidade. A consultoria de Emergen Research calcula que o metaverso pode representar um mercado de US$ 829 bilhões em 2028 (isso mesmo, você não leu errado). O dado inclui softwares, hardwares e serviços.
É de olho nessas cifras que muitas empresas começam a se movimentar nessa área. E os nomes que pretendem fincar sua bandeira no metaverso incluem Facebook, Microsoft, Epic Games (que faz o Fortnite), Roblox e as big tech chinesas, como Tencent e ByteDance (dona do TikTok). E, claro, a Magnopus, de Lacerda, que fundou o ZAZ, nos anos 1990, um dos primeiros provedores de internet do Brasil, que deu origem ao portal Terra.
A Magnopus, no entanto, não busca o espaço de Facebook e Microsoft, que pretendem levar experiências virtuais para reuniões do Workspace ou Teams. Ela também não quer desenvolver óculos de realidade virtual. A ambição é muito maior.
O Olympus quer levar o metaverso para outra dimensão - literalmente. “Ela vai permitir que você assista a um jogo de futebol sob a perspectiva da bola ou a um show de rock do palco”, diz Lacerda. “Isso tudo com um celular, um desktop ou um óculos de realidade virtual.”
Como isso seria possível? Para começar, é preciso ter o que Lacerda chama de um ambiente “Olympus enable”, com câmeras e sensores de internet das coisas nos ambientes. A tecnologia cria, então, um ‘layer’ de realidade virtual sobre o mundo físico, que seria digitalizado. E, além disso, componentes só vistos no ambiente digital poderiam ser acrescentados ao local.
“É para onde vai o marketing e as vendas. Um shopping center não vai existir do jeito que é hoje. Ele vai ser um grande centro de entretenimento”, afirma Jader Rossetto, um publicitário premiado que criou a agência Reborn Yourself, é um dos managing partners do fundo Revolut e também investiu na Magnopus. “As lojas serão todas nessa realidade imersiva.”
Parece coisa de ficção científica. Mas isso já é possível, como demonstra a Expo Dubai. O que não significa que não existam desafios de curto prazo para esse cenário descrito por Lacerda. O maior deles é a necessidade estúpida de banda larga, algo só possível com a tecnologia 5G, conexão de altíssima velocidade que ainda dá os primeiros passos no mundo e deve chegar ao Brasil em 2022.
Outro desafio é ganhar dinheiro. O próprio Lacerda admite que os modelos de negócios ainda estão em estudo. E as ideias vão desde buscar receitas direto com as empresas até, no futuro, cobrar assinatura anual para que as pessoas possam acessar ambientes “Olympus enable”. “Quantos clientes pagaram para ter um tíquete em um ambiente deste?”, pergunta Lacerda.
A Magnopus ainda é deficitária e deve buscar uma nova rodada de investimento em 2022. Aos investidores, Lacerda diz: “Os que investiram há cinco anos entraram um negócio com risco altíssimo. Mas, para aqueles que entraram há dois anos, o risco foi ridículo de alto”, afirma ele. E, em tom de brincadeira, conclui: “A situação está piorando.”
E se tudo der errado? A resposta é rápida. “Com o time e com os algoritmos que a Magnopus têm, ela já vale dez vez mais o que os investidores colocaram”, afirma. Mas e ser der certo? “Aí, nós vamos voltar a conversar em uma próxima oportunidade.”