De 2018 a 2021, o ecossistema de empreendedorismo passou por uma evolução sem precedentes na América Latina. Os investimentos em startups passaram de US$ 2,5 bilhões para US$ 18,5 bilhões na região, segundo dados da consultoria Sling Hub.
No ano passado, no entanto, a maré virou. E os aportes caíram para US$ 12,1 bilhões, uma redução de 35%. No Brasil, a queda foi ainda maior: quase 50%. Por conta disso, 2022 ficou conhecido como o ano do inverno das startups.
Até agora, as pesquisas conseguiram captar o quanto de capital a menos foi investido nas startups da América Latina. Mas um estudo da gestora Kamaroopin, do qual o Pátria Investimentos é sócio minoritário, foi além e trouxe um dado que até agora estava fora das discussões. E o número é impressionante.
De acordo com esse estudo, startups que necessitam de capital para growth, que na definição da Kamaroopin são aquelas que vão levantar um aporte de série B para frente, precisariam de US$ 6,1 bilhões por ano. Mas a disponibilidade de capital é de apenas US$ 3,7 bilhões.
Não é preciso ser um especialista em física quântica ou da teoria da relatividade para entender o tamanho do inverno das startups: faltam US$ 2,4 bilhões. “Nos últimos anos, por conta dos juros baixos, todo mundo tinha a confiança de buscar capital e de que ele não iria faltar”, diz Pedro de Andrade Faria, managing partner da Kamaroopin.
Para chegar a essa conclusão, a Kamaroopin usou o banco de dados da consultoria londrina Preqin, analisando a informações de desempenho de 3.995 fundos alternativos de investimentos entre 2020 e 2022. Deste universo, 1.017 fundos eram de growth equity; 1.524, de private equity; e 1.414, de venture capital.
Depois, em um trabalho manual, levantou informações de 3.790 rodadas pré-seed e seed, 459 rodadas série A e 165 rodadas série B na América Latina. Na sequência, comparou com a quantidade de recursos dos fundos locais e daqueles globais que investem na região latino-americana para saber a quantidade de capital disponível, o conhecido dry powder.
As consequências da falta de capital já estão acontecendo. Em um primeiro momento, os fundos de venture capital e de growth colocaram o pé no freio e passaram a ser mais seletivos.
O resultado é uma onda de layoffs, em especial daquelas startups que estão adiando uma nova captação para não sofrer um down round (quando o valuation é reduzido em relação à última rodada).
“Muitas empresas vão deixar crescimento na mesa e já está acontecendo uma consolidação intensa”, diz Faria. “Os incumbentes vão se aproveitar dessa situação.”
O estudo, que teve a participação de Paulo Passoni, ex-managing partner do Softbank na América Latina, e de Bruno Tupinambá e José Eduardo Andrade, ambos da Kamaroopin, avalia que a situação pode ser ainda mais agravada se as empresas em estágio inicial apoiadas por fundos locais continuarem a queimar dinheiro a taxas aceleradas.
O motivo é que boa parte do capital de fundos locais deve ir para as atuais empresas do portfólio em rodadas de follow on. Na prática, isso significa que pode acontecer um alto índice de mortalidade. Faria estima que 40% das startups em estágio inicial podem fechar por conta da falta de capital na América Latina. “É do jogo do capital de risco”, diz Faria.
Por outro lado, haverá uma seleção natural, na qual as companhias que sobreviverem serão bem-sucedidas. “Vamos lembrar dessa safra. Só as melhores empresas vão receber capital”, afirma Faria. “É um dos melhores momentos para investir e o nosso papel é encontrar agulhas no palheiro.”
Na visão de Faria, o capital para growth deve ser fornecido por empresas de private equity que estão começando a investir na classe de ativos de growth, depois que muitos fundos de venture capital tiraram o pé – um exemplo é o Softbank. Além disso, os fundos puro-sangue, como General Atlantic e Riverwood Capital, devem também suprir capital às melhores empresas.
Growth tem melhor retorno
A Kamaroopin tentou também entender o retorno da classe de ativos de growth, comparando-a com venture capital e private equity. Para isso, adaptou o sharp ratio (que mede a relação entre retorno e risco de um investimento) com o MOIC (Multiple on Invested Capital).
O índice criado é o MOIC ajustado ao risco, em o MOIC esperado é dividido pelo desvio padrão deste mesmo MOIC. Com isso, chegou à conclusão que a classe de ativos de growth supera a de venture capital na América Latina. Além disso, o retorno é maior em comparação a outras partes do globo.
Em números: o MOIC ajustado ao risco de growth na América Latina é de 2,6 vezes. O de venture capital na região, 1,45 vezes. Na Europa, o MOIC ajustado ao risco de growth é de 2 vezes; na Ásia, 1,16 vez; na América do Norte, 1,81 vez; Oriente Médio e Israel, 1,17 vez; e África, 1,73 vez.
Kamaroopin busca US$ 200 milhões
Mas se é um bom momento para investir, como disse Faria, a captação de recursos passa por um período de dificuldade, por conta das altas taxas de juros globais, que não favorece investimentos em ativos alternativos.
Desde que o Pátria Investimentos comprou 40% da Kamaroopin, em dezembro de 2021, Faria começou se preparar para a captação de um novo fundo de US$ 200 milhões.
Os esforços de captação começaram em março do ano passado. Um ano depois, Faria já conseguiu commitments que ultrapassam os US$ 100 milhões.
Ele espera chegar aos US$ 200 milhões até meados desde ano, baseado em conversas que teve recentemente com diversos investidores internacionais. Mas avalia que não será um problema se faltar US$ 20 milhões ou US$ 30 milhões no objetivo de captação.
A tese da Kamaroopin envolve cinco verticais: pet, saúde, fintech, educação e economia verde. Até agora, são quatro investimentos, boa parte deles da época que a gestora fazia parte do ecossistema da Tarpon, a casa fundada por Faria e onde ele passou 20 anos.
O portfólio inclui a Petlove (da vertical de pet), dr.consulta e Zenklub (saúde), Consorciei (fintech) e StartSe (educação). “Nosso próximo investimento será em um ativo de economia verde”, diz Faria.
A meta é construir um portfólio concentrado, entre oito e dez ativos. E, como uma gestora de growth, o cheque será alto, mas não tem um valor médio definido. “Queremos ser o último investimento institucional de uma empresa”, afirma Faria.