Desde 2020, a história de Ted Lasso entretém os telespectadores (série da Apple TV +). O personagem é um técnico de futebol americano que traz toda a sua habilidade única de gerenciamento para um time fictício do Oeste de Londres.

Parece agora que alguns investidores dos Estados Unidos pretendem trazer essa trama para vida real, comprando um clube verdadeiro da inglesa Premier League: o Chelsea FC.

A troca é bem real: do fictício Lasso para a família Ricketts, dona do Chicago Cubs, que se uniu ao bilionário de fundo de hedge Ken Griffin com o objetivo de participar da concorrência do clube e voou para Londres para encontrar com acionistas do Chelsea.

Ao mesmo tempo, Woody Johnson, dono do New York Jets e ex-embaixador no Reino Unido, também teria se candidatado para comprar o clube londrino.

A oferta do Chelsea é parte das consequências da invasão russa da Ucrânia. Seu atual proprietário é o oligarca russo Roman Abramovich e o governo britânico congelou seus bens, além de ter imposto condições no processo de venda do clube para garantir que não houvesse irregularidades. O preço esperado pelo clube é de mais de US$ 3 bilhões.

Mas por que os americanos estão tão interessados na compra deste clube?

O Chelsea é um dos mais famosos clubes de futebol do mundo e o atual detentor do prestigioso troféu da Liga dos Campeões da Europa, que o time também conquistou em 2012. O Chelsea é o pentacampeão da English Premier League (EPL)

O interesse na sua compra, porém, não é tanto pelo que o que o Chelsea conquistou, mas pelo que o clube pode se tornar. A EPL é a liga dominante no futebol mundial e poderá se tornar a mais importante de todos os esportes – um tipo de National Football League global.

A NFL é a liga de futebol americano profissional. E isso torna o Chelsea - um dos maiores clubes da EPL - uma perspectiva muito atraente. Sua localização em um dos bairros mais prestigiados de Londres também ajuda, mesmo que o próprio estádio precise de uma reforma.

Gol livre...

O interesse de investidores americanos no futebol profissional inglês não é novo: nasceu em 1998, quando o Manchester United se tornou temporariamente o time esportivo mais valioso do mundo.

A enxurrada de dinheiro das transmissões de TV que começou a encher os cofres dos principais times ingleses do início dos anos 90 atraiu o interesse nos Estados Unidos e levou a uma série de aquisições.

Em 2005, a família Glazer, proprietária do Tampa Bay Buccaneers, comprou o Manchester United. Alguns anos depois, Stan Kroenke, dono do St. Louis Rams, passou a comprar ações do Arsenal, clube londrino, assumindo seu controle geral. Em 2010, John Henry, proprietário do Boston Red Sox, adquiriu o Liverpool.

Para aqueles indivíduos super-ricos, a mudança para o futebol já valeu a pena. Entre 2004 e 2021, o valor desses três clubes, mais o Chelsea, aumentou de US$ 2,5 bilhões para US$ 14,3 bilhões, uma polpuda taxa média de crescimento composta de 11%.

Entre 2004 e 2021, o valor do Manchester, do Arsenal e do Chelsea aumentou de US$ 2,5 bilhões para US$ 14,3 bilhões, uma polpuda taxa média de crescimento composta de 11%

A Liga dos Campeões da Europa oferece a esses clubes exposição internacional: a final dessa competição em 2020 atraiu 328 milhões de espectadores em todo o mundo. Mas é o alcance global da English Premier League que torna seus clubes atraentes a longo prazo.

Hoje, mais de 50% das receitas de transmissão da EPL são de contratos no exterior. Recentemente, a liga inglesa assinou um contrato de US$ 2,7 bilhões para os EUA, embora a maioria dos jogos seja transmitida nas manhãs de sábados e domingos, o que significa que os americanos que moram na Costa Oeste precisam acordar às 4 da manhã para assistir a alguns jogos.

Não há praticamente nenhum país do mundo onde não se possa ter acesso aos jogos da EPL. O La Liga, da Espanha, e o Bundesliga, da Alemanha, por exemplo, são populares, mas estão a léguas de distância em termos de receita e de alcance. Nenhuma outra liga consegue gerar nem mesmo metade da receita da EPL.

… ou um gol contra?

Mas comprar um clube de futebol inglês não é uma ação isenta de riscos. O sistema de promoção e rebaixamento - no qual as três últimas equipes da EPL anualmente descem uma divisão para o menos glamouroso Campeonato da Segunda Divisão - significa que as equipes que não conseguem vencer em campo ficam sob ameaça de fracasso comercial e esportivo, como vários proprietários americanos aprenderam amargamente.

Antes de John Henry e do Fenway Sports Group ter comprado o Liverpool, o time havia pertencido brevemente a dois americanos: Tom Hicks e George Gillett, que quase levaram o clube à ruína antes de vendê-lo.

Randy Lerner, o bilionário que já havia sido dono do Cleveland Browns, comprou o Aston Villa FC em 2006 com a esperança de trazer de volta o sucesso a um time histórico de Birmingham, segunda maior cidade do Reino Unido. Mas ele decidiu vendê-lo uma década depois, após o clube ter sido rebaixado na EPL, perdendo no processo uma grande parte da receita das transmissões de TV.

Da mesma forma, o empresário americano Ellis Short comprou o Sunderland AFC em 2008 e o vendeu em 2018, após seu rebaixamento naquele mesmo ano. Vizinho do Chelsea, o Fulham FC (os estádios dos dois times estão a cerca de 1,600 quilômetro de distância um do outro) foi adquirido em 2013 por Jacksonville Jaguars, proprietário do Shahid Khan, mas o clube foi imediatamente rebaixado. E em 2017, Michael Eisner, ex-CEO da Disney, comprou o Portsmouth FC, famoso time que definha na terceira divisão do futebol inglês até hoje.

As traves do gol mudaram de lugar?

Devido aos riscos financeiros e esportivos do rebaixamento da English Premier League, os clubes de sucesso são obrigados a investir continuamente em talentos e isso dificulta a geração de lucros.

Devido aos riscos financeiros do rebaixamento, os clubes de sucesso são obrigados a investir continuamente em talentos e isso dificulta a geração de lucros

Nos últimos cinco anos, o Chelsea registrou um prejuízo líquido acumulado de cerca de US$ 299 milhões sobre receitas de US$ 2,85 bilhões, segundo as demonstrações financeiras auditadas do clube.

Essa auditoria também revelou que isso pode ser atribuído aos custos salariais dos jogadores, que representaram em média 65% da receita nas últimas cinco temporadas, e chegaram a 77% da receita na temporada 2020/21, quando a Covid-19 manteve os torcedores fora do estádio .

A solução óbvia para grandes clubes como o Chelsea é limitar o risco, abandonando o sistema de promoção e rebaixamento, além de criar tetos salariais e adotar outras medidas restritivas empregadas nas ligas dos EUA.

No entanto, quando os grandes clubes propuseram algo nesse sentido em 2021 (a malfadada Superliga Europeia) a oposição dos torcedores foi tão intensa que os clubes foram forçados a recuar.

Os proprietários americanos mencionam frequentemente uma lição que tiveram durante os processos de aquisição de clubes de futebol ingleses: as atrações são fáceis de ver, mas as armadilhas são um pouco menos óbvias para o olhar destreinado.

Stefan Szymanski é professor de Gerenciamento de Esporte, Universidade de Michigan, Estados Unidos

Este artigo foi originalmente publicado em inglês no The Conversation