As ações da mineradora Vale pareciam que iriam tomar um banho de água gelada no pregão desta quinta-feira, 28 de abril. E havia razões para assustar os investidores.

A SEC, órgão regulador do mercado de capitais dos Estados Unidos, acusou a mineradora de enganar investidores a respeito da segurança de suas barragens antes do desastre de Brumadinho, que matou 270 e causou um dos maiores acidentes ambientais da história brasileira, em janeiro de 2019. 

Não bastasse isso, a principal mineradora do País apresentou ontem à noite os resultados do primeiro trimestre de 2022 que, embora não tenham sido considerados ruins, também não geraram comentários empolgados por parte de muitos analistas. 

Mas estes fatores não causaram qualquer tipo de dor de cabeça nos investidores, sinalizando que a preocupação por uma agenda ESG (sigla para Environmental, social and corporate governance) parece ir até a página 2.

Os papéis da Vale fecharam o dia com alta de 2,47%, a R$ 84,20, enquanto os recibos de ações negociados em Nova York, as famosas ADRs, avançaram 3,66%, a US$ 17,00. Com isso, as ações ordinárias da mineradora acumulam valorização de 8% em 2022.  

A explicação para o bom humor está em outra notícia que a companhia divulgou ontem, junto com o balanço – a abertura de um massivo programa de recompra de ações. 

Faltando ainda 32 milhões de ações para completar o atual plano, que visa comprar até 200 milhões de ações ordinárias, a Vale anunciou um novo programa de recompra. desta vez, contemplando até 500 milhões de ações, a ser implementado ao longo dos próximos 18 meses.

O montante equivale a 10% das ações em circulação no mercado e representa a mais nova iniciativa da Vale de retornar recursos a seus acionistas, aproveitando que o minério de ferro está em patamares recordes graças aos maiores preços da commodity.

No primeiro trimestre, por exemplo, o minério registrou um preço médio de cerca de US$ 140 a tonelada, acima dos US$ 107 a tonelada do quarto trimestre.  

“A recompra não estava no radar e é uma notícia boa”, diz Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos. “Ela mostra que a administração entende que as ações estão num nível de preço atrativo e que a remuneração dos acionistas é pilar importante para a companhia.”

A recompra contribuiu para ofuscar a acusação feita pela SEC de que a Vale, a partir de 2016, manipulou os resultados de auditorias de segurança feitas nas barragens, obtendo “diversos certificados de estabilidade fraudulentos”, e “regularmente” enganando as autoridades e os investidores. 

Em comunicado ao mercado, a Vale negou as acusações, incluindo a alegação de que suas divulgações sobre as barragens violaram a lei dos Estados Unidos, e informou que “defenderá vigorosamente este caso''.

Segundo Arbetman, a acusação da SEC chamou a atenção dos investidores, mas não é um tema que preocupa muito, porque a Vale tem buscado reparar as perdas e prejuízos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho.

Se, do lado financeiro, a recompra pode ser um fato positivo, a agenda ESG parece ter sido deixado de lado pelos investidores.

Muito presente em relatórios e comentários de gestores, o conceito, que busca estimular boas práticas nas áreas ambientais, social e de governança. Mas perde força e importância quando os interesses econômicos falam mais alto, segundo Álvaro Almeida, diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan e titular da coluna "Além do Carbono", no NeoFeed.

"No Brasil, no modelo de decisão dos operadores do mercado, o lucro é mais importante do que propriamente as práticas ESP, embora tenham um posicionamento de apoio", afirma Almeida. "Em outros mercados, os investidores punem mais as companhias, cobram mais ações afirmativas em relação ao ESG. Por aqui, os investidores ainda são muito benevolentes."

Resultados

Junto com o programa de recompra de ações, a Vale anunciou ontem os resultados relativos ao primeiro trimestre.

A companhia fechou os primeiros três meses do ano com um lucro líquido de R$ 23 bilhões, queda de 27,4% em relação ao mesmo período de 2021. A receita recuou 17,6%, para R$ 56,7 bilhões, e o Ebitda caiu 30%, a R$ 32,6 bilhões.

Sobre os resultados do primeiro trimestre, que foram considerados relativamente fraco por muitos analistas, Arbetman ponderou que a Vale já tinha informado que foi prejudicada pela maior incidência de chuvas no Sudeste, pelo atraso na obtenção de licenciamentos em seu sistema Norte e pelas paradas realizadas nas operações de níquel e cobre.

Ele destacou que os maiores preços realizados na venda de minério e na operação de níquel, bem como os maiores prêmios de qualidade do minério de ferro, compensaram, em parte, a fraqueza dos volumes vendidos.

"E o primeiro trimestre é sazonalmente mais fraco, por conta do Ano Novo Chinês, e neste ano teve os Jogos Olímpicos de Inverno, que mexeu na demanda das siderúrgicas chinesas", diz. "Não acredito que os desafios do primeiro trimestre serão vistos, pelo menos na mesma intensidade, nos próximos trimestres."