Maior economia da Europa e terceira do mundo, após Estados Unidos e China, a Alemanha sempre foi considerada um símbolo de estabilidade desde o fim da Segunda Guerra, num cenário global marcado por guerras, reviravoltas políticas e transformações econômicas.

Sua indústria, moderna e exportadora, ajudou a bancar a reunificação alemã após a queda do Muro de Berlim, em 1990, injetando US$ 2 trilhões (em valores atualizados) na antiga Alemanha Oriental.

O crescimento econômico sempre foi acompanhado pela estabilidade política. Nos últimos 43 anos, o país teve apenas quatro chefes de governo, sendo que dois deles – Helmut Kohl e Angela Merkel – permaneceram 16 anos no poder.

A Alemanha que vai às urnas no domingo, 23 de fevereiro, para eleger a nova composição do Parlamento e o novo chanceler (cargo equivalente ao de primeiro-ministro) é apenas uma pálida lembrança dessa história de sucesso das últimas décadas.

Nos últimos cinco anos, marcados pela recessão e inflação após o choque causado pela pandemia, a Alemanha viu o PIB dos EUA crescer 12% em termos reais, enquanto sua economia permaneceu estagnada – na verdade, andou para trás em 2023 (-0,3%) e em 2024 (-0,2%).

O aumento dos custos de energia após a invasão da Ucrânia pela Rússia foi determinante para a paralisia econômica do país.

A Alemanha perdeu quase 250 mil empregos na indústria desde 2020. A contração da indústria alemã é evidente na queda do valor de mercado no setor. Juntas, Volkswagen, Thyssenkrupp e BASF, constituintes do índice Dax, da Bolsa de Frankfurt, perderam € 50 bilhões – ou 34% em capitalização de mercado nos últimos cinco anos.

Além do fator energético, a crescente concorrência da China, que está derrubando seus produtos exportados, e até a recente ameaça de tarifas dos EUA tornam turvo o cenário no médio prazo.

Não bastasse a estagnação econômica, a outra perna do outrora sucesso alemão – a estabilidade política – também ficou para trás. O chanceler social-democrata Olaf Scholz (SPD), que sucedeu a Merkel em 2021, perdeu maioria no Parlamento no fim do ano passado após se consolidar como um líder sem carisma e sem respostas para tirar a economia da crise.

A crise política alemã, por sinal, é mais grave que a econômica. Ela envolve um impasse no Parlamento, sem que nenhum partido tenha maioria suficiente para formar governo. O quadro partidário pulverizado impede a ascensão de uma liderança com força suficiente para recolocar o país nos eixos.

Há ainda um fator político complicador: a paranoia nacional em torno da imigração e do crescimento da extrema direita – obsessões que monopolizaram a campanha eleitoral, a ponto de deixar eventuais soluções da estagnação econômica em segundo plano.

Os dois temas são os mesmos em debate em toda a Europa nos últimos anos, mas na Alemanha eles ganharam um contorno mais complexo por causa do impacto que a expulsão em massa de imigrantes pode causar na economia e o temor de que a ascensão da Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de extrema direita, imploda de vez qualquer possibilidade de estabilidade política.

Concessões

As pesquisas de opinião indicam que a União Democrata Cristã (CDU), de centro-direita, deve obter 30% dos votos.

Seu líder, Friedrich Merz, terá de buscar composição com o SPD de Scholz e o Partido Verde, ambos mais à esquerda, para formar governo – o que deve obrigá-lo a fazer concessões em seu programa de governo de forte apelo liberal, incluindo a promessa de revitalizar a economia alemã introduzindo € 100 bilhões em cortes de gastos do governo.

Mesmo que seja bem-sucedido, Merz terá de enfrentar a oposição barulhenta da AfD, que deve levar 20% dos votos.

O partido de extrema direita é liderado por Alice Weidel, cuja agenda a favor da expulsão de imigrantes ganhou popularidade, que aumentou ainda mais depois de ter recebido apoio do bilionário Elon Musk – que já foi fotografado com o braço erguido, símbolo do nazismo.

O alemão comum, que sempre foi mais tolerante com a imigração do que outros pares europeus, começou a mudar de ideia com a estagnação econômica e, mais recentemente, com três atentados perpetrados por imigrantes.

Ocorre que a população em idade ativa está diminuindo rapidamente, começando a interferir em vários setores da economia – e o país pode não prescindir de mão de obra estrangeira.

No ano passado, por exemplo, o governo alemão recrutou enfermeiros brasileiros, oferecendo salários atraentes, curso grátis para aprender alemão e outros benefícios. O mesmo ocorre em áreas da indústria, com a dificuldade de repor os engenheiros alemães que estão se aposentando.

“Os custos de energia não são a única razão para o baixo desempenho econômico da Alemanha e a queda na produção, mas é uma das principais razões”, afirma Malte Küper, especialista em energia do Instituto de Pesquisa Econômica de Colônia.

“Se os formuladores de políticas não agirem, a Alemanha permanecerá presa — dificultando a recuperação de sua atratividade como um local de negócios.”

Vários analistas, no entanto, olham a estagnação econômica alemã sob o ponto de vista do copo meio cheio. "Estamos falando de uma economia em recessão, não em desastre", disse Amy Gutmann, ex-embaixadora dos EUA na Alemanha de 2022 até este ano, em entrevista ao The New York Times.

Há vários indicadores que confirmam essa percepção. Indústrias intensivas em energia, como de produtos químicos e metais, contraíram. Mas um informe do FMI observa que outros setores se adaptaram “mudando para produtos de maior valor agregado e usando menos insumos intermediários”.

As exportações de veículos elétricos, por exemplo, aumentaram 60% em 2023. A produção eletrônica e óptica também cresceu, assim como a de máquinas aeronáuticas.

A demanda por equipamentos de defesa e de tecnologias verdes está aumentando em todo o continente. A Alemanha tem especialização em ambos. Ela também está no topo entre as nações desenvolvidas, bem acima dos EUA e da China, no índice de vantagem comparativa em produtos verdes do FMI. Isso inclui usinas de energia altamente eficientes, design de rede inteligente e tecnologia de carregamento.

Além disso, apesar da narrativa de pessimismo em torno da economia alemã, o índice Dax superou todos os outros índices principais — incluindo o S&P 500 — no ano passado.

Se os EUA têm as Sete Magníficas, gigantes tech que lideram o mercado de ações, a Alemanha conta com sua versão: SAP, Siemens, Siemens Energy, Allianz, Deutsche Telekom, Rheinmetall e Munich Re, com a vantagem de estarem espalhadas pelos setores de energia, telecomunicações e seguros.

A rigor, o foco das sete gigantes alemãs nos mercados globais as isolou da fraqueza econômica doméstica.

Freio da dívida

Merz, o provável próximo chanceler, deve implementar algumas reformas estruturais para recuperar a economia.

Uma delas é revisar o “freio da dívida” constitucionalmente consagrado — que exige que o déficit estrutural permaneça em 0,35 % do PIB —, o que segura o investimento público. A parcela de gastos de capital na economia da Alemanha é uma das mais baixas da OCDE.

Se conseguir revisar essa regra da dívida, o país terá espaço fiscal para aumentar investimentos  em sua infraestrutura e no setor produtivo. Estimativas sugerem que a Alemanha também poderia tomar emprestado mais € 48 bilhões por ano, ou cerca de 1,2% do PIB, sem entrar em conflito com as regras fiscais da UE.

"A Alemanha é a economia mais forte da Europa - ainda é, isso não mudou - e acredito que será no futuro", reforça a ex-embaixadora americana Amy Gutmann. “Mas apenas se fizer mudanças".

Se confirmar a vitória, Merz tem plenas condições de recolocar a economia da Alemanha nos trilhos. Mas lhe faltam carisma e liderança política para conduzir a transição alemã entre o fim de uma era iniciada após o fim de Segunda Guerra, com apoio dos EUA, para outra, em que terá de peitar as humilhações que têm sido impostas pelo presidente americano Donald Trump.

Desde a posse, Trump mirou o maior país da União Europeia passando a negociar pelas costas com o líder russo Vladimir Putin o fim da guerra da Ucrânia, além de repetir ameaças de impor tarifas contra as exportações do bloco, lideradas pela Alemanha.

Mas a expectativa de que uma nova liderança que traga estabilidade política ao país e ainda conduza o futuro da UE - como fizeram Kohl e Merkel no passado - dificilmente deverá emergir da eleição geral de domingo, independentemente de quem saia vencedor.