Em meio à tensão com a iminente imposição de tarifas de 50% a produtos brasileiros por parte do presidente americano Donald Trump, uma possível redução de taxas de importação por parte do governo brasileiro que beneficiaria a montadora chinesa BYD está sendo duramente criticada pelo setor automotivo nacional.
A polêmica tem data para abrir uma crise entre o governo Luiz Inacio Lula da Silva e a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que representa as montadoras nacionais: a próxima quarta-feira, 30 de julho, quando está programada uma reunião extraordinária do Comitê Executivo de Gestão, da Câmara de Comércio Exterior (Gecex-Camex), para deliberar sobre os pleitos da BYD.
Em fevereiro, a BYD pediu ao governo brasileira a redução de imposto de importação de dois kits. Para veículos elétricos no formato SKD (semipronto), o pedido é de corte de 18% para 5%. Para híbridos CKD (completamente desmontados), a solicitação é de redução de 20% para 10%.
A BYD alega que, caso a redução de alíquotas seja barrada, seria mais compensatório trazer os veículos montados da China – o que deixaria de gerar empregos na fábrica da BYD em Camaçari, na Bahia, que iniciou em junho as operações. Os dois sistemas, que trazem os carros quase prontos para o País, serão usados para montar cerca de 50 mil veículos este ano.
O colegiado da Gecex-Camex é composto por integrantes de 11 ministérios. Os dois lados têm reforçado a pressão sobre os ministérios. A BYD aposta em Rui Costa, ministro da Casa Civil, ex-governador da Bahia e grande incentivador da instalação da montadora chinesa em Camaçari, como aliado.
Irritado com a demanda, o presidente da Anfavea, Igor Calvet, advertiu que a indústria automotiva brasileira vai rever investimentos previstos até 2030 de R$ 180 bilhões - R$ 130 bilhões em desenvolvimento e produção de novos veículos e R$ 50 bilhões em fornecedores -, caso o governo aceite a demanda da BYD pela redução tarifária.
“Se mudar as regras do jogo, as empresas instaladas no País reavaliam, obviamente, todos os investimentos que foram anunciados”, afirmou Calvet. “Esses recursos são absolutamente importantes para o País, no sentido de agregar o valor à produção nacional, que não é uma mera montagem, não é um mero apertar parafusos.”
Calvet reforçou o mal-estar causado pelo fato de o pedido da BYD ser decidido por um painel governamental na antevéspera do prazo estipulado por Trump para impor tarifa de 50% aos produtos brasileiros.
“Estamos num jogo bastante atribulado: por um lado o mercado americano, que é muito importante para parte do setor automotivo brasileiro e, também, lidando com essas questões de importação que tanto nos aflige”, ressaltou.
O caso reforçou o incômodo da Anfavea com a invasão de veículos elétricos chineses ao País. Só este ano, foram 228 mil emplacamentos – enquanto a indústria automotiva nacional enfrenta redução de 6,5% na produção nos primeiros seis meses deste ano, com queda de 10% na venda do varejo, na comparação com o ano passado.
Calvet alega que a redução do imposto para se fazer CKD e SKD pedido pela BYD tornará a taxa de importação menor do que o imposto cobrado na China, de 15%.
“Não quero crer que o governo decidirá contra a política industrial, portanto a favor de uma redução de alíquota de imposto para algo que vá desfavorecer a industrialização brasileira”, afirma Calvet.
Lula já anunciou que pretende visitar a fábrica da BYD em agosto, para participar da sua inauguração oficial. Recentemente, o presidente fez elogios à empresa, e disse que a BYD está promovendo “uma revolução na indústria automobilística brasileira”.
“Privilégio fiscal”
A Anfavea não está sozinha na demanda. Federações de indústrias de oito estados e 17 sindicatos de trabalhadores enviaram cartas aos ministros Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e Rui Costa manifestando-se contrariamente contrários à mudança nas taxações dos kits chineses.
Outra carta, assinada por Ciro Possobom, CEO da Volkswagen; Santiago Chamorro, presidente da General Motors; Emanuele Cappellano, presidente da Stellantis, e Evandro Maggio, presidente da Toyota, foi entregue ao presidente Lula no último dia 15 de julho. Nela, os executivos das montadoras argumentam que a aprovação da redução da alíquota para a BYD vai prejudicar a indústria nacional.
“Ao contrário do que querem fazer crer, a importação de conjuntos de partes e peças não será uma etapa de transição para um novo modelo de industrialização, mas representará um padrão operacional que tenderá a se consolidar e prevalecer, reduzindo a abrangência do processo produtivo nacional e, consequentemente, o valor agregado e o nível de geração de empregos", diz um trecho da carta.
O Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) se juntou ao protesto ao divulgar uma nota na segunda-feira, 28 de julho, chamando o pedido da BYD de “privilégio fiscal”.
“A redução tarifária solicitada desafia o bom senso, pois significaria, na prática, subsidiar a produção de empresas que já têm incentivos robustos em seus países de origem”, diz a nota do Ciesp, acrescentando que, na China, o setor recebeu cerca de R$ 1,5 trilhão em subsídios ao longo de 14 anos.
“Ademais, o incentivo pretendido criaria mais empregos no exterior do que no Brasil”, alega o Ciesp, observando que cada posto direto na produção automotiva gera até 10 indiretos, ante o máximo de três na montagem de kits importados.
No dia 1º de julho entrou em vigor os impostos sobre importação de carros elétricos e híbridos, com alíquotas que vão de 25% a 30%. A medida fez parte de um plano econômico aprovado em novembro de 2023 pelo mesmo Comitê Executivo de Gestão (Gecex) que vai apreciar o pedido de redução de tarifa da BYD.
O aumento das alíquotas relacionadas à importação dos veículos tem objetivo de tornar a produção nacional mais atrativa. Os aumentos graduais cessarão em julho do ano que vem, quando as alíquotas dos três tipos de veículos atingirão 35%.
Procurada, a BYD não retornou o pedido de posicionamento.