A greve dos trabalhadores do setor automotivo dos Estados Unidos entrou na terceira semana com participação do presidente Joe Biden num piquete e uma perspectiva sombria para as três maiores montadoras do país (Ford, General Motors e Stellantis).
Se forem atendidas todas as demandas reivindicadas pela United Auto Workers (UAW), sindicato do setor automotivo que está liderando o movimento, as montadoras vão precisar aumentar os preços dos veículos elétricos (EVs) nos EUA em até US$ 5 mil.
Essa perspectiva, crescente a cada dia que o movimento avança sem acordo, ameaça a competitividade da Ford e GM, em especial - que além de chegarem atrasadas à produção de veículos elétricos, já vinham perdendo espaço neste mercado pelos preços mais baixos oferecidos pelos EVs da Tesla, a montadora de Elon Musk.
Os grevistas ligados à UAW exigem um aumento salarial de 36% ao longo de quatro anos (média anual de 9%), além de outras melhorias em novos contratos de trabalho. O movimento reivindica ainda maior participação dos trabalhadores na transição verde da indústria automotiva.
Desde que a greve começou, no dia 15 de setembro, GM, Ford e Stellantis deixaram de produzir mais de 16 mil veículos, de acordo com análise do Deutsche Bank. O Anderson Economic Group, cujos clientes incluem a GM e a Ford, calcula que a paralisação causou US$ 1,6 bilhão de prejuízo apenas na primeira semana – para as montadoras e também para os trabalhadores em greve, que não estão sendo remunerados.
“Aumentos de custos superiores a 40% (proposta atual do UAW) para a força de trabalho sindical tornariam a mudança para veículos elétricos uma batalha difícil para GM e Ford”, disse Dan Ives, analista da Wedbush, em nota aos clientes na quarta-feira, 27 de setembro.
Segundo ele, o preço médio de um veículo EV aumentará entre US$ 3 mil e US$ 5 mil. Esses custos deverão ser repassados ao consumidor, o que, em última análise, inviabilizaria o modelo de negócio dos carros elétricos dessas montadoras.
Com esse cenário, a Tesla deve levar vantagem. A empresa de EV de Musk utiliza mão-de-obra mais barata e não sindicalizada, o que a coloca em posição de continuar controlando a queda de preços dos carros elétricos que, até agora, pouco afetaram os seus resultados financeiros.
GM, Ford e Stellantis sempre iniciam negociações quadrienais com o UAW buscando manter seus custos trabalhistas “competitivos” com empresas que não empregam trabalhadores sindicalizados. Normalmente, essa conversa gira em torno de montadoras estrangeiras, como Toyota e Honda, mas desta vez a Tesla dominou o argumento competitivo.
Biden no piquete
A visita do presidente Biden a um piquete de grevistas na frente de uma planta da GM em Michigan, na terça-feira, 26, ajudou a politizar o movimento, para desespero das montadoras.
Primeiro presidente americano no exercício do cargo a participar de um piquete, Biden apoiou os trabalhadores em greve e ainda fez discurso num megafone. Mesmo antes de anunciar a visita a Michigan, Biden vinha apoiando o sindicato.
Em agosto, o presidente americano disse que “a economia de energia limpa também deveria ser vantajosa para as empresas automobilísticas e os trabalhadores sindicalizados”. A mensagem está alinhada com sua política de incentivos para a indústria verde, além de reforçar sua agenda política, visando a próxima eleição presidencial.
"Não somos contra uma economia verde, mas somos contra uma economia verde que deixe os trabalhadores para trás", disse o presidente da UAW, Shawn Fain, após a visita do presidente Biden ao piquete.
Os trabalhadores do setor automotivo temem que a mudança para veículos elétricos – um dos objetivos primordiais da Lei de Redução da Inflação (IRA), o pacote de incentivos verdes baixado por Biden – signifique menos empregos e salários mais baixos. Os EVs requerem menos peças e menos mão-de-obra.
Mas o IRA, por uma ironia, pode virar tábua de salvação para GM e Ford. A legislação criada por Biden oferece crédito fiscal de US$ 7.500 para veículos elétricos produzidos inteiramente nos EUA.
O preço médio de um veículo elétrico novo foi de US$ 53.469 em julho, superior à média de US$ 48.334 para carros movidos à gasolina. Portanto, para as duas montadoras, o crédito fiscal pode estimular os consumidores mais preocupados com os preços a fazer a mudança para os carros elétricos.