Os mercados financeiros globais iniciaram suas operações nesta quinta-feira, 14 de dezembro, em clima de euforia um dia depois da decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) de manter a taxa de juros inalterada. E, mais importante, da sinalização de seu presidente, Jerome Powell, de pelo menos três cortes de juros no próximo ano – muito mais que os investidores esperavam.

Após a fala de Powell, as ações subiram e os rendimentos dos títulos caíram na Europa e Ásia na quinta-feira. O rendimento dos títulos do Tesouro dos EUA de 10 anos, uma das medidas de taxas de juros mais amplamente seguidas, caiu abaixo de 4% pela manhã.

Apesar do otimismo generalizado, em especial em Wall Street, analistas e agentes financeiros começaram a emitir sinais de alerta de que ainda é cedo para comemorar.

Eles citam não apenas declarações do próprio Powell na véspera, advertindo que o quadro pode mudar, como indicadores que preveem uma desaceleração ou mesmo recessão leve em 2024– entre eles, a queda lenta da inflação, a previsão de redução do Produto Interno Bruto (PIB) americano e o comportamento das curvas de rendimento dos títulos do Tesouro.

A reação do mercado após o anúncio do Fed, porém, indica um descompasso na visão do cenário entre os investidores e a autoridade monetária. O S&P saltou 1,4%, seu melhor dia em quase um mês. O Dow Jones Industrial Average subiu 1%, atingindo um máximo histórico em dois anos.

Na Europa, o índice europeu Stoxx 600 subiu 1,6%, o seu ponto mais alto desde janeiro de 2022, enquanto o FTSE 100, índice da Bolsa de Londres, também registrou alta, de 2,2%.

Numa mostra do otimismo generalizado, os traders nos mercados de swaps estão precificando pelo menos seis cortes de 0,25 pontos percentuais nas taxas, tanto para a Fed como para o BC europeu (BCE), no próximo ano.

Além da fala de Powell, os indicadores recentes da economia americana reforçam a confiança de que o ciclo de inflação e juros altos nos EUA está próximo do fim. A inflação vem caindo drasticamente desde o pico de 9,1% em junho de 2022, atingindo 3,1% ao ano até novembro.

Além disso, apesar de uma taxa de juros na faixa de 5%, elevada para os padrões americanos, o índice de desemprego segue baixíssimo (3,7%) e a economia dos EUA seguiu acelerando no terceiro trimestre, registrando uma taxa anual de 4,9% de crescimento.

Copo meio vazio

Se o mercado financeiro está vendo o copo meio cheio, outros agentes chamam a atenção para eventuais armadilhas no caminho.  Muitos citam os recados, nas entrelinhas, passados por Powell, lembrando que a inflação, embora em queda, ainda está longe da meta de 2%.

“A inflação ainda está muito alta, o progresso contínuo para reduzi-la não está garantido e o caminho a seguir é incerto”, disse Powell em seu comunicado de abertura na quarta-feira, dando a entender que os cortes de juros projetados para 2024 são apenas isso, uma projeção.

Gino Olivares, economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management, observa que o anúncio do Fed de que há mais espaço para cortes de juros já no ano que vem representou uma grande mudança, já que a comunicação recente apontava a conveniência de ficar com os juros elevados por mais tempo.

“É fato que houve melhorias no cenário de inflação, mas essa súbita mudança do Fed parece ser consequência de um medo grande de ser acusado de leniente com a atividade, assim como foi, corretamente, criticado por ser leniente ao demorar em subir os juros, deixando a inflação subir”, afirma Olivares.

Na prática, a citação de Powell da inflação foi uma maneira de advertir que ainda é cedo para contar com uma “aterrissagem suave” para a economia – uma redução da inflação sem recessão --, como parece consenso no mercado financeiro.

O alerta de recessão foi replicado por um índice respeitado, os Indicadores Econômicos Avançados, formulado pelo Conference Board - um grupo de reflexão empresarial independente. “Estamos prevendo uma recessão no curto prazo”, afirmou Justyna Zabinska-La Monica, gestora do Conference Board, num comunicado.

Por outro lado, o consenso dos economistas medido em levantamentos independentes da Bloomberg e da Blue Chip Economic Indicators não prevê uma recessão nos próximos 12 meses – invertendo a visão que prevaleceu no início deste ano.

Mas esse consenso é bem questionável: mais de 30% dos economistas da pesquisa da Bloomberg e 47% dos que participaram do levantamento da Blue Chip discordam e consideram que uma recessão no próximo ano irá, de fato, acontecer.

Pelo menos um banco, o UBS, também enxerga o copo meio vazio. O banco citou os níveis ultrabaixos do índice VIX, uma medida da volatilidade esperada das ações nos próximos 30 dias, como um exemplo de como os investidores estão se precipitando.

“Atualmente, os mercados estão precificados de acordo com este resultado ideal”, escreveram estrategistas numa nota na semana passada, antes do anúncio do Fed.

"O índice VIX de volatilidade implícita no mercado de ações dos EUA, uma medida popular do medo nos mercados, está próximo dos mínimos históricos – apontando para um grau de excesso de confiança, na nossa opinião", acrescentaram.

Pelo menos dois indicadores da economia americana que costumam ser citados pelos analistas exigem cautela quanto ao cenário futuro.

Um deles é o padrão das taxas do Tesouro conhecido como curva de rendimento, que prevê uma recessão desde 8 de novembro de 2022. Esse cálculo relaciona as taxas de curto prazo às de longo prazo.

Os rendimentos dos títulos do Tesouro de três meses costumam ser mais altos do que aqueles de maior duração – particularmente, para títulos do Tesouro de 10 anos. Como os títulos de longo prazo tiveram as maiores altas em 16 anos recentemente, ficando com rendimentos superiores aos de curto prazo, a chamada “curva de rendimentos invertida” indica probabilidade de uma recessão.

O comportamento do PIB americano também chama a atenção dos analistas. Embora o crescimento econômico tenha aumentado, dados recentes mostram que o PIB começa a reduzir o ritmo acentuadamente, à medida que o impacto das altas taxas de juro causa gradualmente danos aos consumidores, às pequenas empresas e ao mercado imobiliário, entre outros indicadores.

Essa tendência é reforçada por outra medida do crescimento econômico – o rendimento interno bruto–, que tem crescido a uma taxa muito inferior à do PIB. Ao longo do último ano, o rendimento interno bruto no curto prazo tem sido usado pelos economistas para medir a desaceleração da economia.