O índice de inflação de fevereiro, de 1,31%, divulgado pelo IBGE nesta quarta-feira, 12 de março, foi o mais elevado para o mês em 22 anos e a maior taxa registrada desde março de 2022 (1,62%). Em 12 meses, a inflação chegou a 5,06%, ainda longe do teto da meta de 3% ao ano perseguida pelo Banco Central e acima dos 4,56% dos 12 meses imediatamente anteriores.

À primeira vista, é natural que esses números elevados causem preocupação. Mas a inflação de fevereiro não surpreendeu o mercado, que esperava um avanço de 1,23% a 1,46%, impactado por questões sazonais - da mesma forma que esses fatores influenciaram o índice de janeiro, que ficou em apenas 0,16%.

Alguns indicadores, porém, acenderam um sinal de alerta entre os especialistas, que tentam avaliar o impacto da inflação de fevereiro num cenário de longo prazo para a economia brasileira. O primeiro deles é o aumento generalizado de preços em fevereiro – dos nove grupos que compõem o IPCA (Índice Nacional de Preços Amplo), oito tiveram aumento, entre eles a inflação de serviços e de alimentos - o ovo subiu 15,39% em fevereiro e o café, 10,77%

A constatação de que a inflação ainda deve se manter longe da meta por algum tempo é reforçada por outros indicadores gerais, como a economia aquecida, o desemprego baixo e o câmbio elevado.

Para três economistas ouvidos pelo NeoFeed, a maior falha do governo federal é o de não ter uma política fiscal assertiva para desacelerar a economia e, com isso,  reduzir a inflação – mesmo sabendo do risco de chegar à eleição de 2026 com inflação alta e juros elevados, o que ameaçaria a chance de obter um segundo mandato.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, não esconde a preferência por aumento dos incentivos fiscais, seja por meio de medidas diretas – como aumento dos gastos com programas sociais e redução de tarifas de importação de alimentos – ou por meio de medidas parafiscais para estimular o consumo, como a liberação do consignado privado e a liberação do saldo do FGTS para trabalhadores demitidos e que haviam optado pelo saque-aniversário.

Para Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, a inflação atual resulta do fato de a economia crescer a um ritmo superior à sua capacidade. Segundo ele, a saída é moderar o crescimento, com política fiscal ou monetária. “Mas dada a trajetória da dívida pública, a política monetária vem perdendo eficácia. Neste caso, o controle fiscal é a única saída”, afirma Padovani.

Para o economista, do ponto de vista técnico, o melhor a ser feito neste momento, é gerar superávits primários. Dada a carga tributária já elevada, a saída é reformar a estrutura de gastos do Estado, mudando a indexação de despesas ou fazendo reformas da previdência e administrativa – medidas que ele admite não estarem no cenário do governo. “Na ausência dessas reformas, a inflação faz o ajuste, permanecendo mais elevada por mais tempo”, conclui.

Estímulo fiscal

Alex Agostini, economista-chefe da agência de risco Austin Rating, não acredita que a inflação veio para ficar. Segundo ele, o País tem condições e instrumentos para trazer a inflação para baixo.

“O problema é que a política fiscal do governo está tirando essa eficiência da política monetária do Banco Central de reduzir a inflação”, diz Agostini, citando como exemplo uma comparação do crescimento do PIB com o do consumo das famílias (que compõe o PIB sob a ótica da demanda), colocando os dois indicadores numa mesma base – o quarto trimestre de 2020.

Desde então, aponta Agostini, o consumo cresceu 12,7%, mais do que o PIB no período, que avançou 11,5%. O consumo das famílias acelerou a partir do segundo trimestre de 2022, quando houve grande aumento de gastos do governo (ainda na gestão Bolsonaro) por causa da pandemia. No governo Lula, esses gastos não só prosseguiram como foram ampliados. “O estímulo fiscal tem sido o grande fomentador da inflação”, afirma Agostini.

Segundo ele, medidas como aumento real de salário-mínimo, programa pé-de-meia, bancos públicos estimulando crédito e medidas de estímulo ao consumo, embora com boas intenções para reduzir as diferenças sociais, acabam impactando nas contas públicas.

“Tudo isso equivale a jogar gasolina na fogueira e acaba afetando toda a população pelo aumento da inflação”, diz Agostini, acrescentando que algumas medidas do governo, como diminuir o imposto de importação de alimentos ou isentar de impostos a cesta básica ajudam, mas não resolvem o problema.

“Botar a inflação para baixo significa reduzir o ritmo de crescimento da economia, algo que o governo não admite”, afirma, Agostini, que acredita que o Banco Central, em algum momento, terá de subir os juros para 16% para trazer a inflação para baixo.

Na visão de Nicolas Borsai, economista-chefe da gestora Nova Futura Investimentos, a política fiscal do governo até está caminhando neste momento na direção correta – segundo ele, o ministro Fernando Haddad conseguiu torná-la mais equilibrada, do ponto de vista da demanda agregada.

O que mais preocupa Borsai é a chamada política parafiscal, a ideia de o governo se utilizar de outros meios para estimular a demanda, por meio de concessão de crédito pelo BNDES, liberando o consignado privado e usando a Petrobras para aumentar investimentos.

“A questão se resume ao presidente Lula querer reduzir a inflação sem perder popularidade, não tem como”, diz Borsai, citando a ideia equivocada do presidente de que, para derrubar a inflação de maneira consistente, é preciso aquecer a economia – lembrando que essa estratégia, usada pelo governo Dilma, só aumentou a inflação, derrubada muito depois, já no governo Temer.

Assim, o grande desafio do governo é se convencer de que a economia precisa desaquecer – o que, segundo ele, já está acontecendo - para a inflação entrar num movimento de queda mais acentuado. “O problema é que ninguém confia na capacidade de controle da inflação por parte do governo, por isso as expectativas estão desancoradas”, afirma Borsai.

Borsai vê três variáveis atuando em cima da inflação. Uma delas é o câmbio. Apesar da queda do dólar em relação a dezembro, a depreciação cambial demora para ser incorporada na economia.

Segundo ele, a pressão de preços no atacado continua elevada, ou seja, o processo de contaminação cambial não terminou. “Se estabilizar nessa faixa, no segundo semestre o câmbio vai ajudar a reduzir a inflação”, diz.

Outro fator é o mercado de trabalho aquecido, que exerce pressão na inflação de serviços. Neste sentido, a inflação de serviços só vai ceder se a economia desacelerar.

A terceira variável influenciando a inflação é a atual política parafiscal. “O governo precisa aceitar desacelerar a economia e entender que não dá para ficar combatendo o processo de redução de inflação com medidas parafiscais”, diz Borsai.