O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, mal completou 45 dias no cargo e já está se mostrando calejado em defender a política monetária de juros elevados do BC para trazer a inflação para a meta – e sem ficar apontando dedo para a política fiscal do governo, que dificulta (e muito) seu trabalho.

Ao longo da semana, o presidente do BC esteve em eventos com participação de destacados economistas e empresários. Foi cobrado, ouviu pacientemente conselhos e, sempre mantendo uma postura que mistura bom humor e firmeza, repetiu à exaustão que manter a Selic mais alta, apesar de ser “desconfortável”, é essencial para controlar a inflação.

“O mandato do BC é colocar os juros em patamar restritivo suficiente para colocar a inflação na meta; o remédio vai funcionar, temos ferramentas para perseguir essa meta”, afirmou Galípolo na sexta-feira, 14 de fevereiro, ao participar de uma reunião com empresários na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

A metáfora do remédio já havia sido citada por Galípolo na quarta-feira, 12, quando participou de evento do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio, que contou com a participação de economistas de renome, como Edmar Bacha, Pedro Malan, Armínio Fraga e Elena Landau.

Nos dois eventos, o presidente do BC foi elogiado por sua breve trajetória de destaque no cenário econômico nacional, com passagens pelo Ministério da Fazenda e, depois, no Banco Central – quando foi escolhido para suceder a Roberto Campos Neto.

Galípolo também tem mostrado desenvoltura em se desvencilhar da política fiscal do governo, assumindo o papel institucional de se limitar a opinar sobre a política monetária do BC.

A ênfase em defender as medidas do BC contrastou com as reclamações educadas, mas firmes, sobre o aumento de juros que o presidente do BC ouviu na Fiesp.

Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, por exemplo, fez um longo desabafo, afirmando que as pequenas e médias empresas não aguentam mais sobreviver com juros altos, lembrando que cada aumento de 1 ponto da Selic “não é R$ 40 bilhões que aumenta no déficit, é R$ 80 bilhões”.

Trajano fez um apelo: “O BC deveria agir de outra forma, precisa pensar fora da caixa e não ficar comunicando que vai ter aumento de juros.”

Antes, Galípolo havia explicado que sempre é esperado que a autoridade monetária tenha uma atuação preventiva e que, para além disso, ela tenha uma função de reação assimétrica.

“É esperado que ela tenha uma agressividade maior nos momentos de altas de juros e mais parcimônia no consumo dos dados”, afirmou, passando na sequência a mensagem que já se acostumou a repetir nos eventos que participa: “O Brasil ainda terá de conviver por mais algum tempo com uma inflação acima da meta e uma atividade econômica em desaceleração.”

Ao final do encontro da Fiesp, o presidente da entidade, Josué Gomes da Silva, fez questão de elogiar Galípolo, reforçando o apoio do meio empresarial ao presidente do BC, com a expectativa de que ele ajude a convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a segurar os gastos fiscais do governo.

"Acho que já se dissipou qualquer dúvida que poderia existir de que ele terá total autonomia na condução do Banco Central e na, obviamente, perseguição do mandato que é dado ao Banco Central do Brasil pela legislação", disse o presidente da Fiesp.

"Cavalo de pau"

Na quarta-feira, 12, o próprio presidente Lula deu uma força a Galípolo, afirmando que o presidente do BC “precisa de tempo” para consertar os juros. “Não é possível dar um cavalo de pau em um navio como o Brasil”, disse Lula, até o ano passado um crítico feroz do BC.

No evento de quarta, no Rio, Galípolo ouviu impassível os recados diretos a Lula de economistas de gestões anteriores do BC e do governo.

“O Banco Central precisa de ajuda e há só uma coisa que pode ajudar, o fiscal”, disse Armínio Fraga, que presidiu o BC no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, mencionando os juros futuros, as expectativas para inflação e dívida pública elevadas.

Segundo ele, o “remédio” da taxa de juros sempre funciona. “Mas você, como presidente do BC, vai tomar um suco amargo e, como uma pessoa de confiança das altas autoridades do nosso País, talvez possa convencê-las de que não tem mágica”, insinuou.

Pedro Malan, que conduziu a implementação do Plano Real como presidente do BC em 1993, e depois se tornou ministro da Fazenda no governo de Fernando Henrique, foi na mesma toada.

“Não tenho dúvidas de que vocês no BC farão o que é preciso ser feito, mas há corresponsabilidades que envolvem outras esferas do governo para além do Banco Central, e também precisam ter uma percepção mais ou menos clara do grau de incertezas que o mundo e, por consequência, o Brasil terão nos próximos quatro anos”, disse Malan.

Galípolo tem demonstrado habilidade em lidar com essas cobranças, mesmo indiretas. No evento da Fiesp, foi irônico ao responder uma pergunta sobre a avalição do BC sobre a política fiscal: “A política monetária não pode combater 'fantasma’."

Segundo ele, o BC não pode agir preventivamente ao que o mercado acha que pode acontecer com a política fiscal brasileira, em meio às preocupações sobre a sustentabilidade da dívida pública.

O presidente do BC foi além e defendeu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmando que ele tem sido "incansável na defesa da política fiscal".

Dois dias antes, Galípolo mostrou que ao menos já domina um dos principais atributos de figuras políticas – a arte de se pronunciar sem dizer muita coisa –, ao comentar os limites de sua comunicação à frente do BC: “É um desafio pessoal mesmo conseguir encontrar o limite do que cabe à autoridade monetária falar.”