Foi citando a Lei de Murphy que Luis Stuhlberger, CEO e CIO da Verde Asset, iniciou sua apresentação de mais de uma hora em evento fechado para investidores. “Agradeço à nossa equipe econômica, mas a Lei de Murphy existe”, afirmou, reconhecendo o esforço do time em mapear os impactos das tarifas americanas — poucas horas antes de a Justiça dos Estados Unidos suspender parte das medidas impostas pelo presidente Donald Trump.
“O mercado não reagiu muito a essa notícia hoje de manhã, porque o Trump deverá recorrer e ainda há muitas alternativas para as tarifas avançarem”, disse o gestor. Apesar de o próximo capítulo ainda não estar escrito, Stuhlberger reforça que este é mais um episódio num ambiente de incerteza. “Nesse momento, nenhum país vai querer fazer um acordo com os Estados Unidos. Mesmo antes do que aconteceu ontem à noite, os países já estavam cautelosos.”
Em auditório lotado no coração da Faria Lima, o Verde Day contou com figuras carimbadas do mercado, como Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, que abriu o evento. Também marcaram presença executivos de outras assets e wealth management, como Luiz Fernando Figueiredo, chairman da Jive-Mauá, e Renato Breia, sócio-fundador da Nord. Sem lugares marcados, apesar do público qualificado, a indicação era chegar com antecedência para garantir a vaga próxima ao gestor (mas teve quem assistiu de pé). A gestora tem R$ 17 bilhões em investimento, quase R$ 40 bilhões a menos do que chegou a ter em 2021. Apesar do encolhimento, as palavras de seu fundador seguem como uma das principais referências do mercado.
No encontro, Stuhlberger também abordou a relação dos Estados Unidos com a China, destacando o recuo do governo americano na imposição de tarifas. “O índice de confiança do consumidor do Conference Board melhorou bastante desde que o Trump tirou as tarifas — foi de 85 para 98”, disse ele. Na avaliação do gestor, essa reversão reflete uma postura menos combativa do presidente. “O Trump meio que arregou na guerra comercial."
Inflação americana: a maior aposta da gestora
De acordo com levantamento da Verde, a China é o fornecedor mais barato de 28,7% dos produtos importados pelos Estados Unidos. “Só a substituição pelo second best já faria o preço médio dos produtos importados subir cerca de 11%. Em bens de capital, o impacto pode ser de até 20%”, afirmou. Essa realocação, segundo ele, tem custo inflacionário direto.
É nesse mercado que o gestor da Verde vê o maior descompasso entre o que o mercado precifica e o que, de fato, está em jogo. O consenso aponta para uma convergência suave dos preços para a meta nos próximos anos. Stuhlberger discorda — e vê uma assimetria favorável em apostar no contrário.
“O mercado acha que o choque de tarifas não vai se espalhar e que a fraqueza da economia vai manter a inflação comportada. Eu discordo. O que está aí é quase um mínimo. É uma opção com pouco a perder.” A aposta de que o CPI de 3 anos será maior que o precificado é tese de maior exposição da casa, representando cerca de 24% do patrimônio líquido.
Ele lembra que os swaps de inflação americana — que indicam expectativas implícitas para os próximos anos — erraram feio entre 2021 e 2023, sempre apostando numa queda mais rápida dos preços. Para Stuhlberger, há uma tendência histórica de o mercado subestimar choques inflacionários quando há uma narrativa de transitoriedade, como ocorreu durante a pandemia.
Além das questões comerciais, o gestor avalia que a queda na imigração nos Estados Unidos pode ter impacto relevante na inflação — especialmente sobre os salários. Ele lembra que, após uma explosão de entradas pela fronteira nos primeiros anos do governo Biden, o movimento praticamente cessou.
“A fronteira fechou”, afirmou. Segundo ele, a ausência de imigrantes elimina um importante fator de compensação nos custos salariais, sobretudo em funções menos qualificadas. “Os Estados Unidos precisam dessa mão de obra que aceita fazer os trabalhos que ganham menos”, disse.
Dólar questionado
Stuhlberger também vê a deterioração fiscal dos EUA colocando em xeque a posição do dólar como principal ativo livre de risco do mundo. Com déficits elevados, dívida crescente e promessas fiscais populistas, ele enxerga um cenário de questionamento crescente sobre a sustentabilidade americana — o que já se refletiu na perda do rating AAA.
Segundo ele, os ativos americanos seguem sendo comprados, mas as decisões marginais de alocação já começam a mudar, o que pode alterar de forma estrutural a demanda global por dólar. Com visão mais pessimista para a moeda americana, a gestora carrega uma posição de 5% comprada em euro contra o dólar.
Bitcoin como alternativa
Nesse contexto, a Verde também tem dado atenção especial ao ouro e ao bitcoin. Embora não sejam posições centrais da carteira, os dois ativos ganharam relevância nos últimos meses por seu comportamento atípico em momentos de estresse de mercado.
No caso do bitcoin, Stuhlberger reconhece que, apesar de não render juros e ser descreditado por parte do mercado tradicional, ele tem surpreendido. A Verde comprou bitcoin pela primeira vez em 2021 e hoje mantém uma exposição de 2,5% do portfólio ao ativo. No ano, o bitcoin acumula alta de 12,5%. “Todo mundo tem ódio, ninguém quer ter, mas ele está subindo loucamente.”
O que chama a atenção do gestor é a descorrelação recente entre o bitcoin e os ativos de risco tradicionais. Em outras crises — como a pandemia de 2020 ou o ciclo de alta de juros em 2022 — o ativo chegou a cair mais de 60%. Desta vez, o comportamento foi diferente: o bitcoin caiu pouco, subiu depois e se manteve resiliente mesmo com o S&P em queda.
Eleições à porta (e a espera por Tarcísio)
Quanto ao mercado brasileiro, Stuhlberger demonstrou uma postura mais otimista, ancorada principalmente no chamado “trade eleitoral”. Para ele, o movimento começou antes do esperado, com o mercado já antecipando um cenário mais favorável em 2026 — mesmo sem definição clara de candidaturas.
O gestor associa diretamente a alta recente dos ativos domésticos — especialmente fora das commodities — à deterioração da popularidade do governo. Segundo ele, os investidores estão se posicionando em papéis mais sensíveis à política interna com base na expectativa de mudança de governo e melhora na gestão fiscal a partir de 2027.
“Se tirar commodities, a Bolsa subiu muito. Ex-commodities, é uma porrada de 36% desde outubro”, afirmou, destacando que a valorização se concentra em utilities, domésticos e cíclicos.
Stuhlberger vê esse movimento como parcialmente sustentado por uma aposta da Faria Lima em Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo. Ele sugere que o mercado enxerga no ex-ministro da Infraestrutura uma candidatura viável à direita, com capacidade de reconstruir a confiança fiscal.
“O mercado está olhando para a América Latina e vendo: ‘bom, se o Milei conseguiu fazer o que fez, o Tarcísio também consegue’”, afirmou, referindo-se ao presidente argentino como símbolo da guinada liberal que parte do mercado gostaria de ver replicada no Brasil. “Nosso mercado é pequeno. Então, qualquer R$ 20 bilhões de estrangeiros mexem bastante com a Bolsa.” A entrada de estrangeiro na B3 está em R$ 21,3 bilhões no ano, com uma alta acumulada de Ibovespa de 15,2%.
Ao mesmo tempo, ele reconhece que há uma espécie de aposta passiva em curso: deixar o PT errar agora, confiando que um próximo governo arrumará a casa. “Aqui na Faria Lima ninguém acredita que o PT vai ganhar”, disse.
Para Stuhlberger, essa leitura ajuda a explicar a forte performance de ativos brasileiros nos últimos meses — mesmo com cenário fiscal fragilizado, juros reais elevados e incerteza sobre a condução econômica até 2026. “A parte fiscal continua ruim, mas o trade da eleição chegou e o mercado pode continuar subindo, passando por cima disso."