No ano em que o Plano Real completa 30 anos, dois dos responsáveis pelo programa que ajudou a estabilizar a economia brasileira e debelar a hiperinflação alertam que o País ainda precisa avançar nas discussões sobre os gastos públicos.

Para Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, e Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central (BC), o tema fiscal é a “perna” que falta ser fortalecida do tripé macroeconômico, composto também pelo câmbio flutuante e a meta de inflação, para criar as condições de crescimento sustentável do País.

“A agenda de responsabilidade fiscal foi um tema recorrente em todos esses anos, está viva hoje e incompleta”, disse Franco, nesta quinta-feira, 6 de junho, no MKBR24, evento da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e da B3.

Segundo ele, a questão fiscal é a mais importante neste momento, em especial ao mercado de capitais, porque é a que vai levar ao grau de investimento, o que, por sua vez, vai levar a juros menores, destravando valor na economia.

Franco lembrou dos efeitos que o Plano Real teve em aumentar o valor de mercado da Bolsa brasileira. Antes, o market cap estava na casa dos US$ 300 bilhões. Com o Real, ele foi para mais de US$ 1,7 trilhão. Um regime fiscal mais responsável pode ter o mesmo efeito, segundo o ex-presidente do Banco Central.

“Uma alteração macroeconômica assim, tectônica, altera os termos de troca entre o presente e o futuro de uma forma extraordinária, criando riqueza num ritmo muito superior ao crescimento do PIB”, disse. “O bom comportamento fiscal pode causar isso.”

Malan destacou que o Plano Real arraigou entre a população a importância de manter a inflação em patamares controlados, avaliando que a população não é mais complacente com governantes lenientes com a inflação.

Mas disse que a questão fiscal ainda é um ponto em aberto, afirmando que não há clareza quanto ao regime olhando para uma perspectiva de longo prazo. Segundo Malan, ainda falta ao Brasil fazer escolhas em relação aos seus gastos, considerando que existem demandas legítimas por aumento dos gastos públicos, ao mesmo tempo em que precisa garantir que essas demandas caibam dentro do orçamento.

A falta de ação nesta frente, com a priorização das demandas por gastos olhando o longo prazo, continuará gerando volatilidade e problemas para a economia, prejudicando as expectativas de inflação. “Não há um risco de hiperinflação, mas de inflações altas”, afirmou Malan. “Espero que esse tema seja discutido, porque é um problema de curto, médio e longo prazo.”

A grande questão é conseguir convencer os políticos em relação aos méritos do comedimento fiscal e priorização de gastos, considerando que se trata de um assunto que atinge uma série de interesses.

Isso exige uma liderança política tal qual o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teve no momento de articulação do Plano Real, algo que não se vê atualmente, segundo Franco.

“Ele transformava ideias elaboradas de economistas em conversas em Brasília que progrediam”, afirmou Franco. “Não temos mais essa capacidade de liderança em Brasília, infelizmente.”