O Banco Central (BC) está sujeito a um upgrade no governo Lula. Embora seja improvável que o Comitê de Política Monetária (Copom) corte a Selic na reunião de 22 de março, o colegiado pode flexibilizar o discurso e sinalizar a queda do juro para maio ou junho.

Esta é a aposta do mercado que comemora avanços na área fiscal – com a formatação do novo arcabouço fiscal – e a possibilidade de a matemática dar uma força para o alívio monetário.

Um efeito estatístico, contra o qual o BC não pode lutar, mas que abre espaço para a flexibilização da política em curso, deve levar a uma queda forte da inflação nos próximos meses.

O IPCA poderá romper o suporte de 4% em 12 meses encerrados em março e deslizar a menos de 3% em junho, informa Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores.

A pedido da Coluna, a consultoria projetou a inflação para este ano. A queda acentuada do indicador refletirá a exclusão da base de cálculo do expressivo aumento das variações mensais observadas no período fevereiro a abril de 2022. Mas não só isso.

Ao longo do segundo semestre de 2023, explica Silveira, estima-se que as variações do IPCA (em 12 meses) serão menores do que as do segundo semestre de 2022, por causa da desaceleração do crescimento médio mensal de preços agrícolas e de combustíveis.

Haverá, portanto, uma queda importante, mas temporária, da inflação que retoma a tendência de alta para fechar 2023 a 5,5%, superando o teto da meta de 4,75%, pondera o economista.

De todo modo, a inflação no curtíssimo prazo comparada à Selic de 13,75% apontará uma explosão do juro real – motivo mais que suficiente para fortalecer o protesto coletivo contra o BC.

É certo que nos próximos dias, o novo arcabouço fiscal em fase de finalização no governo ganhará destaque, mas a inflação seguirá no radar com a divulgação de índices nos EUA e na Zona do Euro.

Esses dados importam porque fortalecem, em tese, a posição mais intransigente do BC que tem a seu lado – na defesa do aperto monetário contra a inflação – os maiores bancos centrais do mundo.

Na terça-feira, 14 de março, sai a inflação americana e, na quinta-feira, 17 de março, o indicador europeu. E, apesar da expectativa de arrefecimento, os dois índices – assim como no Brasil – estarão distantes da meta de 2% calibrada pelo Federal Reserve (Fed) e Banco Central Europeu (BCE).

Analistas internacionais projetam para a inflação americana recuo de 6,4% anualizado em janeiro para cerca de 5,9% em fevereiro. Mais resistente, a inflação europeia deve rondar 8,5%.

O distanciamento da inflação ante a meta tanto nos EUA quanto na Europa explica o aumento firme dos juros, embora modestos quando comparados à Selic de 13,75%. Ainda em março, o juro americano deve alcançar 5,25% e o europeu 3,50%.

Por aqui, cresce a percepção de que a equipe econômica deve apresentar o novo arcabouço fiscal antes da reunião do Copom, em 22 de março. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou, na quinta-feira, 9 de março, que a proposta já está concluída sendo compartilhada com integrantes da equipe para posterior encaminhamento ao presidente Lula.

Um efeito estatístico, contra o qual o BC não pode lutar, deve levar a uma queda forte da inflação nos próximos meses

O empenho da área econômica para estruturar a âncora fiscal não passa despercebido e disparou ajustes no mercado futuro de juros da B3 – movimento que reforça a expectativa otimista quanto à iminente sinalização do Copom para a queda da Selic.

Há meses, a pesquisa Focus mostra que não há consenso de manutenção da Selic em 13,75% até o fim do ano. Na sondagem divulgada semanalmente pelo BC, a projeção é de 12,75%.

A XP é uma das instituições que preveem 13,75% em dezembro. Entretanto, a instituição reconhece que “a pressão política é crescente” e que uma nova regra fiscal “crível e sustentável poderia abrir espaço para flexibilização monetária mais cedo, no segundo semestre deste ano”.

O Bradesco mantém sua projeção de Selic a 12,25% em dezembro. O Itaú BBA espera 12,50% - nível idêntico ao calculado pelo Banco Fibra que vê à frente cinco cortes consecutivos de 0,25 ponto, a partir de junho.

Cristiano Oliveira, economista-chefe da instituição avalia que o “afrouxamento terá orçamento e ritmos limitados”, mas acontecerá porque o aperto das condições financeiras está no maior nível desde 2009. O impacto pleno do aperto monetário deve se dar entre o segundo e o terceiro trimestre, avalia.

A expectativa que está se acumulando em torno do próximo Copom aumenta a relevância do comunicado e da ata do Comitê que devem explicar a decisão a ser tomada no dia 22.

Até pelo histórico do Copom, o mercado financeiro não aposta em corte imediato da taxa básica. Criado em 1996, o colegiado raras vezes surpreendeu com uma súbita inversão da taxa de juro nesses quase trinta anos.

Ao sinalizar os passos seguintes da política monetária, especialmente através de seus documentos, o Copom evita correção brusca nos preços dos ativos que, se confirmada, provoca brutais transferências de renda no sistema financeiro.

Essas transferências podem impor prejuízos generalizados aos detentores de títulos do governo – o maior devedor do país com passivo de R$ 5,77 trilhões – e a milhares de cotistas de fundos de investimento. Por essa razão, o discurso do BC torna-se tão relevante.

Uma mudança inesperada da taxa Selic marcou a história do mercado aberto no Brasil. Ela ocorreu durante o governo Dilma.

Em agosto de 2011, quando o BC era presidido por Alexandre Tombini, o Comitê interrompeu um ciclo de alta de juro e deflagrou um ciclo de baixa.

Classificado como um “cavalo de pau” na taxa Selic, o movimento impôs perdas expressivas a grandes e pequenos investidores. O BC perdeu muitos pontos em credibilidade. E a gestão da dívida pública foi comprometida. Um episódio que não merece reprise.