A uma semana do recesso parlamentar, a política fiscal tem na política monetária um concorrente de peso a catalisar a atenção do mercado. Enquanto o governo ainda batalha para garantir ampliação de receitas para fechar as contas, o Banco Central prepara a divulgação do Relatório Trimestral de Inflação (RTI).
O documento mais relevante elaborado pela instituição – um abre-alas de 2024 – será publicado na quinta-feira, 21 de dezembro, em um momento particular: às vésperas do rodízio no comando do BC.
Os diretores de Assuntos Internacionais Fernanda Guardado e de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta Mauricio Moura subscrevem o último RTI do ano e deixam suas funções em 31 de dezembro.
Paulo Picchetti e Rodrigo Teixeira, indicados pelo presidente Lula, foram chancelados pelo Senado na terça-feira, 12 de dezembro, para ocuparem essas respectivas diretorias. E iniciam o ano em contagem regressiva para o Copom de 30 e 31 de janeiro.
É nesse contexto de “troca da guarda” – garantia de quórum completo do colegiado com oito diretores e Roberto Campos Neto – que o Relatório de Inflação será digerido pelo mercado que vai dispor de um norte atualizado para a execução monetária.
Se o movimento de servidores do BC por salários e revisão de carreiras não truncar a divulgação de dados, o RTI vem acompanhado de entrevista de Campos Neto e Diogo Guillen, diretor de Política Econômica, dois dias depois da ata do Copom que cortou a Selic a 11,75% e apontou reduções idênticas à frente – em janeiro e março.
Se o comitê acelerar o corte do juro poderá ser em maio. Portanto, serão mais cinco meses de política altamente restritiva que pode piorar o que não está bom.
A prestação de serviços e as vendas no varejo em outubro, informou o IBGE, acusaram quedas inesperadas e agravaram a expectativa de PIB cadente no quarto trimestre deste ano. Péssimo prenúncio para 2024 a justificar maior pressão de Lula sobre o BC, embora pesquisas proprietárias de grandes bancos acusem melhora em novembro e dezembro.
Nesse contexto, o RTI ganha relevância para posicionar o BC. Em cerca de 70 páginas, o documento detalha fundamentos de decisões do Copom, revê projeções e analisa PIB, inflação, juros, câmbio, crédito, emprego, contas públicas, operações externas e cenário internacional.
Embora sem caráter preditivo, o RTI agrega mudanças de cenário e potenciais consequências. Ao final do primeiro ano do governo Lula 3 tais procedimentos devem se repetir, mas mudar de tom.
A começar pelo PIB. Um ano atrás, o relatório apontava expansão de 1% para 2023. Na última edição do RTI, em setembro, a estimativa alcançou 2,9%. A projeção para 2024, inexistente há um ano, em setembro era de crescimento de 1,8%.
Salvo-conduto na transição
No quarto trimestre de 2022, o RTI foi publicado num contexto de incerteza econômica local e externa e de profunda preocupação fiscal. Hoje, incerteza e preocupação são moderadas.
Há um ano, a PEC da Transição catalisava as atenções. E aprovada, como foi, deu salvo-conduto para a estreia da nova administração, com expansão de R$ 145 bilhões no teto de gastos – substituído mais adiante pelo arcabouço fiscal.
Naquele momento, Fernando Haddad já havia sido designado para a Fazenda, mas era uma incógnita para a Faria Lima que, meses depois, abraçou o ministro como guardião fiscal. E não largou mais.
No RTI deste quarto trimestre, o BC deverá reafirmar, como fez no comunicado do Copom, na quarta-feira, “a importância da firme persecução das metas fiscais”. Adicionalmente, deve reconhecer a relevância da adoção do marco fiscal – variável crítica para investimentos e risco-país que beira o menor nível em quase três anos, apesar do ceticismo com o déficit zero previsto para 2024.
A atividade, que fraqueja no segundo semestre, também merece destaque no documento junto a análises sobre a desinflação, a persistente desancoragem das expectativas que tanto preocupa o BC e a performance das contas externas ancorada na robusta balança comercial.
Os riscos geopolíticos evoluíram da guerra Rússia-Ucrânia ao conflito Israel-Hamas. No entanto, permaneceram localizados. Já a a economia internacional inspira cuidados pela desaceleração da atividade. Porém, governos apostam em pouso suave, enquanto as políticas monetárias ganham novo apelo.
As taxas básicas dos maiores bancos centrais, após esticaram aos maiores níveis em décadas, devem permanecer em patamares restritivos por algum tempo. Contudo, cortes virão em 2024.
A perspectiva de relaxamento monetário entra em cena e tende alavancar a atratividade do Brasil aos estrangeiros atentos à renda fixa, mas com interesse crescente pela renda variável. Tanto que a B3 já acolheu mais de R$ 30 bilhões de capital externo neste ano.
Embora equivalente a um terço do recorde de R$ 100 bilhões aportados em 2022, a cifra é respeitável. O tombo mostra que o mercado brasileiro sofreu a concorrência dos juros dos Treasuries.
Há algumas semanas, esses juros esbarraram em 5%. Mas na quinta-feira, 14 de dezembro, voltaram a rodar abaixo de 4% com o empurrão do Federal Reserve (Fed) na véspera que acenou com juros futuros menores.
Não é exagero, portanto, esperar a consagração dos mercados emergentes. E o Brasil tem certificado de preferência entre eles.