O calendário apertado em seis semanas até o início do recesso parlamentar de fim de ano e a relevância de decisões que alteram o caixa e as expectativas levaram o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a botar seu “bloco” na rua para acelerar votações cruciais para as contas públicas e defender o déficit fiscal zero em 2024.

A aprovação da Reforma Tributária no Senado Federal foi destaque na semana recheada de eventos e que expôs parceria inédita entre o ministro e o comando do Banco Central (BC).

O BC cerrou fileiras em torno de Haddad e marcou quádrupla presença na defesa do equilíbrio fiscal: nas declarações do presidente Roberto Campos Neto; dos diretores Gabriel Galípolo e Diogo Guillen e na ata do Copom que disparou alertas sobre riscos externos e incertezas fiscais que podem frear a queda dos juros.

A aprovação de medidas que assegurem a expansão das receitas é decisiva para viabilizar a meta de 2024 – zero ou convertida para algum déficit – e para o risco-país considerado um termômetro para calibrar investimentos, reconhecem expoentes do mercado.

E o risco-país, apesar inquietação provocada pela resistência do presidente Lula em aceitar déficit zero e contingenciamento de despesas, está bem-comportado.

Representado pelo CDS (Credit Default Swap) – seguro contra eventual calote – o risco-país abriu novembro no patamar de 160 pontos. O mais baixo em um ano, segundo o World Government Bonds, ferramenta monitorada pela consultoria Trading Economics.

Embora o déficit primário das contas públicas em setembro, anunciado pelo BC na quarta-feira, 8 de novembro, tenha frustrado bancos e consultorias que projetavam superávit, câmbio e juros também exibem trajetória favorável.

Os dois ativos se mostram refratários à discussão da meta fiscal e estão mais expostos, favoravelmente no momento, à influência externa de dólar mais fraco e arrefecimento dos Treasuries, ante a percepção de que o Federal Reserve encerrou a alta do juro – ou quase.

Após alcançar R$ 5,16 por dólar ao final da primeira semana de outubro, marcada pelo ataque do Hamas a Israel, o câmbio declinou à faixa de R$ 4,87 a R$ 4,90 nos últimos dias, valorização de 5%.

Os juros mais negociados na B3 – vencimentos em 2025, 2026 e 2027 – retornaram ao patamar de 10%. No exterior, o juro brasileiro de 10 anos ronda 11,50%. Há um mês, a taxa ultrapassou 12%.

Por ora, os ativos não despertam preocupação de gestores e analistas, apesar da tensão observada dias atrás. Não exatamente pela possibilidade de mudança da meta fiscal, mas pelo risco de enfraquecimento de Haddad junto ao Congresso.

Entretanto, a aprovação da Reforma Tributária no Senado, que segue para a Câmara e pode ser fatiada e rapidamente promulgada, fortaleceu o ministro que enfrentará, contudo, embates junto a seus pares no governo e a lideranças petistas alinhadas com Lula em favor de mais investimentos.

Meta pode mudar, mas em bases críveis

Alteração na meta fiscal de 2024, que continuará sendo alvo de atenção nos próximos dias porque o governo poderá encaminhar uma nova meta à Comissão Mista de Orçamento (CMO) até 16 de novembro, não surpreende o mercado ou especialistas.

Em conversa com a Coluna, Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro e economista na ASA Investments, não considera mudança o fim do mundo, “desde que a revisão se dê sobre bases críveis”.

“O primeiro conjunto de metas previsto lá no final de março era irrazoável desde o início. E foi incrível o ministro Haddad segurar por tantos meses a ideia de uma trajetória na qual ninguém acreditou”, avalia o economista que considera muito relevante a informação de como a meta fiscal será alcançada.

“Será cumprida com um ajuste estrutural das contas ou com medidas pontuais que só vão nos dar conforto por um exercício? E de que forma a revisão será processada?”, questiona.

Bittencourt, funcionário de carreira que tratou das contas públicas nos governos Lula 1 e 2, Dilma 1 e 2, Temer e Bolsonaro, diz que não se deve insistir no cumprimento da meta em um ano específico se esse cumprimento estiver condicionado a medidas não convencionais.

E cita como exemplo de medidas não convencionais: mudança na classificação de despesas; encargos de precatórios passarem a ser chamados de despesa financeira e não mais despesa primária; e venda de recebíveis – caso em que é necessário saber se o ativo não vai fazer falta no lá na frente.

O desafio de atender a essas condições que darão credibilidade à meta fiscal será enfrentado por Haddad que tem outras tarefas pela frente e também relevantes. Entre elas, apressar, no Senado, a sabatina dos nomes indicados por Lula para a diretoria do BC.

A aprovação de Paulo Picchetti e Rodrigo Teixeira, antes do recesso parlamentar, evita um desfalque na primeira reunião do Copom em 2024 – nos dias 30 e 31 de janeiro. Os mandatos de Fernanda Guardado e Mauricio Moura expiram em 31 de dezembro.

O Copom sinalizou, na leitura do mercado, mais dois cortes na Selic de 0,50 ponto – em dezembro e janeiro. Cumprido o prescrito, cinco reduções consecutivas do juro estarão sacramentadas e o colegiado deverá traçar os próximos lances. E também por um relevante motivo: o Brasil continua pagando o maior juro real do mundo, 6,90%, informa o consultor independente Jason Vieira.