O mundo “wes-andernizou”. Dos Estados Unidos ao Japão, do Brasil à Rússia, da Inglaterra ao Barein, da Noruega a Cingapura; em vídeos no TikTok, as pessoas fingem estar em um filme do cineasta americano.

Apropriam-se da estética do criador de cults como “Os Excêntricos Tenenbaums” e “O Grande Hotel Budapeste”, para retratar, em peças curtas, hábitos de seu cotidiano. Elas aparecem enquanto trabalham, comem, passeiam, estudam, fazem compras, lavam a roupa e até têm bebês.

No furor dos vídeos do TikTok, artistas gráficos recorreram à inteligência artificial para recriar clássicos do cinema, sob a estética do cineasta. E se Anderson tivesse feito “O Senhor dos Anéis”? Como seria “Harry Potter”? E “Guerra nas Estrelas”?

As novas versões estão todas no YouTube. Os canais Curious Refiuge e Lucas X Hayley, por exemplo, trabalham com as plataformas de IA Midjourney e ChatGPT. A releitura é muito divertida. Assim, como as de lideranças políticas trabalhadas no perfil de Owi Sixseven, no Instagram, como os presidente americano e russo, Joe Biden e Vladimir Putin.

É nessa profusão global de Wes Andernson que o diretor apresenta, na próxima semana, durante o 76º Festival de Cannes, seu novo longa, “Asteroid City”. Concorrendo à Palma de Ouro, traz no elenco alguns dos maiores nomes do cinema contemporâneo. Scarlett Johansson, Margot Robbie, Tom Hanks e Steve Carell, entre outros.

A trend #wesanderson no TikTok alimenta ainda mais a expectativa em torno de “Asteroid Citty”. E a proximidade com a estreia, o movimento na rede social.

Nascido em Houston, Texas, o cineasta, de 54 anos, tem um estilo inconfundível. Em tons pastéis, as imagens frequentemente são fixas, planas e marcadas por uma simetria matemática, com um personagem ou elemento no centro. No rosto das atrizes e atores, uma fisionomia inexpressiva, vazia. Tem um quê de nostalgia.

Anderson ultrapassa barreiras culturais e geográficas. “Um dos elementos centrais que a linguagem visual de Anderson é a sensação de paz que ela transmite, diz ao NeoFeed o antropólogo e pesquisador Michel Alcoforado. “Em um mundo que avança em velocidade acelerada, quando tememos pelo futuro, voltar ou atualizar o passado é uma estratégia na busca por um pouco de segurança.”

Outro ponto fundamental, segundo Alcoforado, é a centralização de personagens ou objetos nos enquadramentos de Anderson. É como se o cineasta guiasse nosso olhar. “No universo caótico das redes sociais, o feed do Instagram, do Twitter e do TikTok equaliza todas as referências, como se todas tivessem a mesma importância”, completa o antropólogo, fundador do Grupo Consumoteca, consultoria especializada em estratégias e ciências do consumo.

Nova onda explodiu há cerca de 40 dias

Tudo começou com o vídeo despretensioso da fotógrafa americana Ava Williams, de 26 anos, postado em 8 de abril. Naquele sábado, ela voltava para Nova York, onde vive, depois de passar alguns dias na casa da família, no sul de Connecticut.

Fã de Anderson, Ava assistira com os pais ao filme  “A crônica francesa” , de 2021. Para driblar a tristeza pelo pouco tempo passado na cidade natal, gravou, às 6 e 45 da manhã, o filminho de 24 segundos.

Ava Williams: filminho no tédio da viagem de trem (reprodução)

Ao fundo, a música “Obituary”, do compositor francês Alexandre Desplat. Na legenda, “Com uma boa imaginação, tudo é simétrico. Deixe uma garota sonhar!” e sobreposto ao primeiro quadro do filme, “É melhor você não agir como se estivesse em um filme de Wes Anderson, quando eu chegar”. Até o final da semana passada, o vídeo de Ava registrava quase 14 milhões de visualizações. A hashtag #wesanderson, 1,2 bilhão.

Luke Jackson, de Portland, no Oregon, por sua vez, registrou, em 7 de maio, o nascimento da filha. “É melhor você não agir como se estivesse em um filme de Wes Anderson, quando nossa bebê chegar”. Ao filme, ele deu o título “The Life Amniotic with Baby Sylvie”, uma referência bem-humorada a "A vida aquática com Steve Zissou" (The Life Aquatic with Steve Zissou)”, de 2004.

Luke Jackson registrou o nascimento da filha inspirado em "A vida aquática com Steve Zissou" (reprodução)

De Kiev, a jovem Valeria Shashenok imagina como seria se Wes Anderson gravasse entre os destroços da capital ucraniana, depois dos ataques russos. No Brasil, as irmãs Thalita e Gabriela Zukeram, donas do perfil Two Lost Kids, fazem vídeos caprichados. A reforçar ainda mais a simetria de Anderson, as duas são parecidíssimas.

Influência e parcerias

O movimento na rede de vídeos curtos é, sem dúvida, o mais ruidoso. A estética de Anderson, porém, vem servindo de referência para a moda, arquitetura e decoração, desde 2001, com o memorável “Os Excêntricos Tenenbaums”.

Os figurinos, a cenografia e o clima tão peculiares do cineasta já inspiraram coleções da italiana Gucci, a francesa Lacoste e suíça Bally. Em 2017, a Adidas levou o clássico Rom, usado por Bill Murray, como Steve Zissou, das telas para as lojas. O tênis, com os cadarços amarelos e as três faixas da marca em tons de azul, esgotou quase que imediatamente.

Anderson e Louis Vuitton trabalharam juntos em “Viagem a Darjeeling”, de 2007. O conjunto de malas (belíssimas) de um dos personagens foi desenvolvida pela Maison de luxo especialmente para o filme. Fã de trens, o cineasta foi convidado pelo Belmond British Pullman, para cuidar do design do sofisticado vagão restaurante.

Wes Anderson, na cabine do trem Belmond (reprodução Instagram)

Também no papel de decorador, Anderson assina a estética do Bar Luce, do Instituto Prada, em Milão. Aliás, a parceria com a grife de luxo, fora inaugurada em 2013, com o curta-metragem Castello Cavalcanti. Em suas incursões pela publicidade, o cineasta roteirizou e dirigiu ainda para campanhas da AT&T, Ikea, American Express, Hyundai, Sony, SoftBank, Stella Artois e H&M.

Timing certo

Dada a popularidade do universo imagético de Anderson e o poder de alcance do TikTok, é de se estranhar que, pelo menos, até agora, nenhuma marca tenha pegado carona na onda #wesandersontrend.

Com as redes sociais, os profissionais de publicidade e marketing devem estar cada vez mais atentos aos movimentos nascidos espontaneamente na internet. O importante é não perder o timing, explica ao NeoFeed Wagner Ximenes, creative content director da agência americana Leo Burnett TM. Muito provavelmente, daqui a pouco, os vídeos à la Wes Anderson devem perder a força.

Os filminhos de agora se prestariam, para campanhas, por exemplo, de produtos de skincare, celulares, plataformas de aluguel de casas e agências de turismo.

O perfil @twolostkids, em sua versão Wes Anderson, em São Paulo (reprodução Instagram)

Ximenes lembra o que aconteceu recentemente com a série “Wandinha” e a música “Blood Mary”, de Lady Gaga. Logo depois do lançamento do programa, no final de 2022, começaram a viralizar vídeos no TikTok, nos quais as pessoas imitavam uma das danças da protagonista.

Em vez, no entanto, de usar a trilha da série, os tiktokers recorreram à música de Lady Gaga, tocada pela primeira vez em 2011. Com o movimento, “Blood Mary” voltou às paradas e será incorporada à trilha da segunda temporada.

“Mais do que qualquer outra plataforma, o TikTok dá muito poder ao público. Em muitos casos, o artista perde o protagonismo e, se as marcas não estão antenadas com o que está rolando, o bonde passa”, afirma Ximenes.

“Diferente das outras redes, o TikTok é 99,9% de creators, de pessoas. E, portanto, quanto mais natural, mais a galera entende e assimila.”

Parafraseando Ava, “é melhor você não agir como se estivesse em um filme de Wes Anderson, quando a próxima trend chegar”.