PARIS — Foi uma corrida contra o relógio. No dia seguinte ao incêndio que devastou a catedral de Notre-Dame de Paris, em 15 de abril de 2019, o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou que a igreja seria reconstruída em cinco anos. Muitos especialistas duvidaram. Os danos eram enormes. Com a explosão do telhado, boa parte do teto desabou e a estrutura, que resistira ao fogo, estava fragilizada.

Mas, deu tempo. Depois de obras titanescas, ao custo de € 706 milhões, um dos símbolos mais emblemáticos da França é devolvido no sábado, 7 de dezembro, a Paris — e ao mundo. A cerimônia de reabertura está prevista para às 19:40 (15:40, no Brasil).

Tudo foi reconstruído e renovado. Construído entre 1163 e 134, o monumento gótico, que passou os últimos anos em um emaranhado sem fim de andaimes, nunca pareceu tão iluminado e colorido. Também pudera: as paredes internas, de pedra, haviam sido limpas pela última vez em 1864.

O mesmo ocorreu com as pinturas murais das 23 capelas da Notre-Dame, desgastadas por mais de um século sem conservação. Restauradas, recuperaram as cores vibrantes, como imaginadas pelo arquiteto Viollet-le-Duc no século 19, até então, data da última renovação do edifício.

As estruturas de carvalho do teto da nave e do altar principal, totalmente consumidas no incêndio, foram reconstruídas tais quais as originais — e artesanalmente, como se fazia na Idade Média. O mesmo princípio guiou a construção da famosa agulha de madeira, revestida por chumbo, de 96 metros de altura, datada do século 19.

A cena da torre despencando em meio a chamas, a quase cem metros do chão, foi uma das imagens mais devastadoras da tragédia de 2019 — as vigas carbonizadas e o metal derretido caindo pelas abóbadas sobre a nave da igreja.

Apenas o galo recoberto de ouro, do topo da agulha, não é exatamente idêntico à peça anterior.

O novo foi desenhado por Philippe Villeneuve, arquiteto-chefe dos monumentos históricos franceses. Foi ele quem encontrou o galo, em meio aos escombros, no dia seguinte ao incêndio. Para Villeneuve, o objeto não deveria ser apenas refeito como se nada tivesse acontecido — mesmo porque o original, criado Viollet-le-Duc, já havia sido remodelado em 1920.

“O novo galo tinha de contar a história do fogo, da fênix renascendo das cinzas”, conta o arquiteto, ao jornal Les Echos, em reportagem de 29 de novembro.

A reconstrução da catedral contou com o uso de novas tecnologias, como modelação 3D, mas não se limitou a proezas técnicas da arquitetura e da engenharia. Pinturas, esculturas, vitrais, sinos e o grande órgão, com oito mil tubos, foram desmontados um a um e enviados para ateliês por toda a França, onde foram restaurados segundo métodos ancestrais.

Nos últimos cinco anos, a área da catedral se transformou em uma espécie de canteiro de obras no estilo alta-costura. Muita coisa foi feita à mão com o objetivo de preservar o patrimônio histórico. “Essas obras refletem a aliança entre o que existe de melhor hoje em termos tecnológicos e as tradições”, diz Mathieu Lours, historiador especializado em arquitetura religiosa. “É a aristocracia do artesanato.”

340 mil doadores

Tudo isso foi só possível graças a uma das maiores operações de filantropia cultural já realizadas no mundo, se não a maior: € 846 milhões arrecadados com as doações de 340 mil pessoas, empresas e instituições. E o dinheiro até sobrou.

Os € 140 milhões que restaram serão utilizados, a partir de 2025, em uma terceira fase da reconstrução. Não prevista no início dos trabalhos, essa etapa inclui elementos externos da parte posterior do monumento. Por isso, alguns andaimes continuarão em torno da catedral.

Com a reforma, a catedral ganhou luz e cor (Foto: David Bordes © Rebâtir Notre-Dame de Paris)

As cadeiras, bancos, genuflexórios e mesas de oração foram desenhados por Ionna Vautrin, ganharam formas arredondadas, em materiais como carvalho e latão (Foto: culture.gouv.fr)

As famosas gárgulas da catedral, destruídas pelo fogo, foram escaneadas por computador e refeitas em calcário (Foto: Instagram @rebatirnotredamedeparis)

As vestes litúrgicas da cerimônia de abertura da Notre-Dame são criação do estilista francês Jean-Charles de Castelbajac (Foto: culture.gouv.fr)

Os oito sinos da torre norte da catedral foram recuperados e antes de serem içados, em setembro de 2024, foram abençoados pelo reitor da Notre-Dame de Paris, Olivier Ribadeau Dumas (Foto: David Bordes © Rebâtir Notre-Dame de Paris)

Em 2019, quando o presidente Macron anunciou que a catedral seria reconstruída em cinco anos, muitos duvidaram. Os danos não só foram enormes como estruturais (Foto: Instagram @rebatirnotredamedeparis)

No incêndio, o teto da igreja desabou (Foto: culture.gouv.fr)

As causas do incêndio ainda não foram esclarecidas, mas acredita-se que o fogo tenha começado no sótão da igreja (Foto: culture.gouv.fr)

O incêndio começou às 18:50 de 15 de abril de 2019 e durou cerca de 15 horas

Envolvida nos trabalho de reconstrução do monumento, a arquiteta Axelle Ponsonnet registrou o dia a dia no canteiro de obras em desenhos (Foto: Instagram @@axelle.ponsonnet)

E pensar que, antes do incêndio, a Notre-Dame já apresentava uma série de problemas, que vinham se acumulando por falta de financiamento. Em 2017, dois anos antes da catástrofe, fundos foram obtidos para a reforma da agulha.

As estátuas dos apóstolos em volta do pináculo inclusive já haviam sido retiradas. Foi o que as salvou do fogo. Já o andaime derreteu e virou uma montanha de ferro retorcido, causando um enorme transtorno em termos de segurança nas obras de reconstrução.

Em seu interior, a catedral ganhou ares mais modernos. Assinado pelo designer Guillaume Bardet, ao custo de € 6 milhões, o novo mobiliário litúrgico (o altar, o tabernáculo e o batistério) é minimalista, com detalhes em bronze. Ele também pesquisou objetos litúrgicos de diferentes épocas para criar castiçais e outras peças em prata fabricados por um ourives.

Já as cadeiras, bancos, genuflexórios e mesas de oração foram desenhados por Ionna Vautrin e ganharam formas arredondadas, em materiais como carvalho e latão. Entre os requisitos, a Diocese de Paris exigiu que os móveis fossem "silenciosos". Algo a ser testado agora, com a reabertura para o público.

A ausência do papa

Até as vestes dos religiosos foram remodeladas. As cores vibrantes das paredes das capelas estão nas vestes a serem usadas pelos bispos, padres e diáconos na cerimônia deste sábado.

Desenhados pelo estilista Jean-Charles de Castelbajac, as casulas, espécie de poncho usado nas missas, trazem uma grande cruz dourada e manchas, semelhantes a fragmentos de uma explosão, em vermelho, verde, azul e amarelo, sobre um fundo branco.

“Pensei no brilho da cor da pedra clara renascente da Notre-Dame”, diz o estilista, que, em 1997, já confeccionou uma veste litúrgica o papa João Paulo II.

A cerimônia de reabertura no sábado ocorre em plena tempestade política na França, após a queda do primeiro-ministro Michel Barnier. Para o evento, estava prevista a presença de cerca de 50 chefes de Estado e de governo. Entre eles, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.

Convidado por Macron, no ano passado, o papa Francisco não participa da solenidade, mas ele enviou uma "mensagem destinada aos franceses". O sumo pontífice optou por ir à Córsega, também na França, onde, em 15 de dezembro, participa do encerramento do Congresso sobre Religiosidade Popular no Mediterrâneo.

Muito se especulou sobre a ausência de Francisco. Em reportagens sobre o assunto, vários bispos franceses justificaram a ausência pelo apego de Francisco às “periferias”.

No domingo, haverá missas para consagrar o novo altar. Uma delas, aberta ao público.

Por enquanto, fica de lado a discussão acalorada entre a ministra francesa da Cultura, Rachida Dati, que defende a cobrança de ingresso para os visitantes, e a Diocese, que se opõe à ideia.

Agora a Notre-Dame está equipada com um sofisticado sistema de prevenção de incêndios.

Afinal, como disse Macron, em seu discurso de Ano Novo de 2024, “somente uma vez em um século é possível sediar os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos; somente uma vez em um milênio é possível reconstruir uma catedral".