GENEBRA - A segunda edição do Watches and Wonders, maior vitrine da relojoaria de luxo do mundo, termina neste domingo (2/4), em Genebra (Suíça), com a consolidação de ao menos duas tendências do setor.
Uma delas é o aquecimento nas vendas de relógios de segunda mão, hoje vistos como ativos por investidores, algo que por sua vez enseja os maiores players a buscarem mais protagonismo nesse mercado secundário também.
A outra é o apelo a novas gerações por meio de modelos coloridos e pulseiras intercambiáveis, em especial nos chamados relógios de entrada. Com preços médios de US$ 7 mil (pouco mais de R$ 35 mil), esse foi o segmento que mais sofreu com o surgimento dos smartwatches.
No estande da Panerai na Watches and Wonders deste ano havia um exemplo eloquente de como as marcas veem como estratégico o mercado secundário. Na parte interna, a marca apresentou quatro lançamentos de sua família de relógios Radiomir.
Ao lado das novidades, havia um display com modelos anteriores, usados, da mesma coleção, listados no Watchfinder & Co, plataforma online de compra e venda de relógios de segunda mão, com quase 20 lojas físicas próprias, comprada em 2018 pelo Grupo Richemont, ao qual a manufatura italiana também pertence.
Não é só isso. Um estudo do Boston Consulting Group (BCG) divulgado no início de março apontou que mercado relojoeiro de segunda mão vem tendo cada vez mais reconhecimento, “resultado de um interesse crescente do comprador e de uma escassez dos melhores modelos”, com os itens de luxo sendo procurados como “investimento alternativo”.
Entre as três marcas com maior demanda nesse segmento, com aumento médio anual de 20% em seus preços, entre agosto de 2018 e janeiro deste ano, estão Patek Philippe, Audemars Piguet e Rolex, que até o fim deste ano inicia no Brasil seu programa de certificação de autenticidade e garantia para o mercado secundário, o Certified Pre-owned.
Mesmo lançamentos apresentados nesta edição da Watches and Wonders já estão na mira de colecionadores com vistas a investimento, movimento acentuado pelo mercado de segunda mão, como atesta Michel Cheval, diretor geral da Montblanc Brasil.
Cheval revelou ao NeoFeed que dentro da Montblanc, os relógios da manufatura suíça de alta relojoaria Minerva, desde 2007 sob gestão da marca alemã, são os que mais atraem esses compradores – em busca de pequena produção, artesanal –, que os vêm também como ativos.
E a marca está atenta a eles: uma das apostas da Minerva para 2023 é o cronógrafo Unveiled Timekeeper Minerva, cuja versão com caixa de lime gold, pulseira verde, de couro de crocodilo, e mostrador na mesma cor tem edição limitada a 28 peças, vendidas a € 60 mil (pouco mais de R$ 330 mil).
“Há um perfil de colecionador, de modelos raros, que agora está procurando marcas menos conhecidas, em que veem potencial de valorização do produto, de investimento também”, afirma Cheval.
“Se eles acreditam que a manufatura tem esse potencial de reconhecimento e notoriedade no futuro passam a ficar atentos. Temos cada vez mais clientes que olham a Minerva como uma manufatura que está indo na direção certa para se tornar uma marca com maior valor agregado”.
A Montblanc também busca reforçar as vendas no segmento de relógios de entrada, com lançamentos da linha Iced Sea, surgida no ano passado. Umas das novidades é o mostrador com um tom escuro de cinza, com pulseiras de aço ou borracha, intercambiáveis.
Segundo Cheval, o Iced Sea, que custa em média € 3 mil (por volta de R$ 16,5 mil), fez muito sucesso no Brasil. Ele conta que sua previsão de vendas em 2022 se revelou tímida. “O sucesso foi de longe maior do que o esperado. Se tivéssemos pedido o dobro, teríamos vendido tudo”, diz.
A propósito do segmento de entrada, o banco de investimento Morgan Stanley, em seu relatório anual para o setor, chama a atenção para o fato de que a exportação desses modelos, na relojoaria suíça, vem decaindo, em grande parte devido aos smartwatches e sobretudo ao Apple Watch que detém 50% de market share.
No relatório de 2022, o Morgan Stanley afirmava que 80 milhões de smartwatches haviam sido vendidos em 2021, contra apenas 16 milhões de relógios suíços nessa categoria de entrada.
No ano passado, modelos multicoloridos e com pulseiras intercambiáveis, como o do Iced Sea, surgiram numa tentativa de retomada desses compradores “desgarrados” nos últimos anos, da geração Y à Z.
Na Watches and Wonders 2023, a tendência, para o segmento de entrada, persistiu. Com cores não somente em pulseiras, mas também nos mostradores, e aqui vale ressaltar a consolidação dos tons de verde nos dials, em lançamentos da IWC, Panerai, Cartier e da própria Montblanc.
Até mesmo a Rolex, bastante parcimoniosa com mudanças em seus designs, foi do aceno ao público jovem – algo que pode incluir também, em outras marcas, ações de sustentabilidade, um storytelling caro aos millennials – ao flerte e lançou diferentes versões da família Oyster Perpetual que são uma festa multicor.
O mostrador do Day-Date 36, por exemplo, traz um quebra-cabeças com verde, amarelo e roxo, entre outras, sobre um fundo azul turquesa. No lugar do dia da semana, o modelo traz sete palavras-chave motivacionais em inglês, como love, peace, hope (amor, paz, esperança). E a cereja do bolo: em vez da data, a nova versão tem 31 emojis exclusivos da marca.
Ainda na chave pop, a Hublot lançou uma coleção em collab com o artista plástico japonês Takashi Murakami, que fez criações para maisons de moda como a Louis Vuitton e a Comme des Garçons. Já a Hermès lançou versões de seu modelo HO8 com pulseiras de borracha em laranja, azul, amarelo e verde.
A Watches and Wonders também apresentou modelos comemorativos da Rolex e da TAG Heuer. A primeira celebra os aniversários de criação do Daytona (60 anos) e do Explorer (70). Teve efeméride também na TAG Heuer com os 60 anos do Carrera, um de seus mais emblemáticos e mais vendidos modelos. A celebração teve direito a um filme de curta-metragem com o ator Ryan Gosling, novo embaixador da marca.
Todos esses movimentos acontecem num cenário otimista para o relógio de luxo, apesar dos recentes baques em dois mercados: Rússia, onde as marcas deixaram de operar devido à guerra contra a Ucrânia; e, com maior peso, China, por causa dos lockdowns diante do avanço da covid-19 no país ao longo de 2022.
A indústria relojoeira suíça, que em 2021 já havia recuperado cifras pré-pandemia em suas exportações, teve um crescimento de 11,4% nas vendas para outros países em 2022, segundo a Fédération de l’Industrie Horlogère Suisse (FH), pulando de 21,2 bilhões de francos suíços (em torno de R$ 119 bi), em 2021, para 24,8 bilhões de francos suíços (cerca de R$ 138 bi), no ano passado. A produção suíça é um indicador “por procuração” do mercado global de relógios de luxo, ressalta o Morgan Stanley em seu relatório.
A Watches and Wonders termina a sua segunda edição com status de fundação – uma iniciativa da Rolex, da Patek Philippe e do Grupo Richemont, anunciada em outubro do ano passado –, cuja missão é “promover a excelência da relojoaria mundo afora, organizando eventos presenciais ou virtuais”. No ano passado, o salão fez uma edição em Hanan, na China, que até 2018 respondia por 32% do mercado global de luxo.
Uma das iniciativas deste ano – prevista pelos organizadores antes mesmo da criação da fundação – foi a abertura ao público por dois dias e a realização do In the City, uma programação no centro de Genebra, com exposições, visitas guiadas às boutiques, artistas de rua e até mesmo shows.
Com a ideia de formação de novos públicos, a Watches and Wonders também caminha para assumir um perfil de festival, de modo similar ao que já acontece no mundo das artes – com a ArtBasel Miami Beach, sobretudo – e do design, caso do Salão do Móvel de Milão. Ambos se tornaram plataformas para lançamentos e ações também da moda e dos carros de luxo, por exemplo. É, com licença para o trocadilho, uma questão de tempo.