Em um mundo no qual o trabalho bem feito se define pela aceleração constante e pela busca por resultados a qualquer custo, o conceito de “produtividade lenta” pode, a princípio, soar paradoxal.
Mas não para o americano Cal Newport. Para o professor de ciência da computação da Universidade de Georgetown, as duas palavras, pasmem, são complementares.
Autor de best sellers sobre trabalho e tecnologia – Digital Minimalism e Deep Work, só para citar os mais recentes –, Newport lança em março um dos livros de governança mais aguardados do ano: Slow Productivity: The Lost Art of Accomplishment Without Burnout (“Produtividade lenta: a arte perdida da realização sem esgotamento”, em tradução livre).
Ainda sem previsão de chegada ao Brasil, é um dos títulos “imperdíveis” de 2024, segundo a lista anual do jornal britânico Financial Times.
Em 256 páginas, o autor, de 41 anos, coloca em xeque a convenção contemporânea de produtividade, segundo a qual o funcionário mais eficiente está sempre ocupado, trabalhando em ritmo alucinante.
Em sua opinião, essa concepção está furada. Do modo como vem sendo conduzido, sobretudo nas grandes corporações, o trabalho é muito mais performático do que propriamente útil - leia-se, produtivo.
De responder a um e-mail de menor importância a concluir um projeto decisivo para a empresa, os compromissos profissionais vão se avolumando, se avolumando até explodir em crises de estresse mental e, nos casos mais graves, em quadros de burnout.
Pelo trabalho significativo e sustentável
Newport busca inspiração na década de 1980 para formular a teoria da produtividade lenta. Cerca de 40 anos atrás, em Roma, um grupo de ativistas encabeçou uma série de protestos contra a presença massiva do McDonald 's, na capital italiana. Contra o fast food, defendiam o slow food.
Nascia ali um movimento de "rejeição à vida rápida". Mais tarde, o conceito se desdobraria em outros, como o slow fashion, pela moda consciente; o slow cities, por cidades menos caóticas; o slow parenting, por mais tempo livre com os filhos; o slow medicine, por consultas médicas menos apressadas... e agora o slow productivity.
A filosofia de Newport não propõe a luta contra o patronato, tampouco representa um elogio à procrastinação. Com a produtividade lenta, todos ganham, defende o professor.
Os funcionários ficam menos sobrecarregados e, dessa forma, mais protegidos contra o esgotamento mental. Já os empresários ganham com equipes mais bem dispostas (e saudáveis) e entregas de mais qualidade.
O conceito de Newport está baseado em três pilares fundamentais:
1) Afrouxar a agenda compromissos, priorizando as tarefas verdadeiramente urgentes;
2) Seguir um ritmo de trabalho natural, sem deixar que pressões externas comandem o relógio;
3) Focar na qualidade do trabalho; não na quantidade.
“A produtividade lenta é uma filosofia alternativa para produzir trabalhos significativos e sustentáveis”, escreve o professor, em artigo para o site da Universidade de Georgetown. “É deixar de fazer muitas tarefas desimportantes em pouco tempo, e focar em tarefas mais significativas que tomam mais tempo, mas que dão mais resultados.”
Não ao ritmo industrial
O trabalho do modo como está estruturado leva à uma “pseudoprodutividade”, argumenta o autor. As grandes empresas exigem dos trabalhadores do conhecimento (pessoas com formação acadêmica) o mesmo ritmo de produção dos operários das fábricas da Revolução Industrial. E esse esquema não tem como funcionar.
O abuso da cognição, mais cedo ou mais tarde, cobra seu preço. Quando acontece, todos perdem. O esgotamento mental dos funcionários resulta em queda de produtividade e qualidade – o que, definitivamente, não faz bem aos negócios.
Definido no fim da década de 1950, o termo “trabalho do conhecimento” foi inspirado na força dominante das indústrias de bens de consumo.
Os escritórios foram transformados em “fábricas virtuais”, na tentativa de adequar as capacidades mentais dos funcionários à produção de um trabalhador na linha de montagem de um automóvel, por exemplo.
No entanto, diferente de uma fábrica, onde quanto mais se trabalha, mais bens se produz, o cérebro humano possui um ritmo próprio e limitado e não opera bem com sobrecarga. “Extrair valor do cérebro humano não é algo que possa ser comparado a instalar um volante num Modelo T”, diz Newport.
Em defesa do rejuvenescimento mental
Tem-se urgência. Afinal, os trabalhadores nunca estiveram tão esgotados como agora. Um levantamento realizado, no ano passado, pelo centro de pesquisa americano Future Form, com pouco mais de 10 mil pessoas, em todo o mundo, é revelador da crise: 42% dos entrevistados relatam já ter sofrido um episódio de burnout – o maior índice desde 2021. pelo menos um episódio de estafa mental,
De modo a evitar o estresse provocado pela pseudoprodutividade contemporânea, Newport sugere: os períodos intensos de cognição devem ser seguidos por momento mais tranquilos de rejuvenescimento mental.
Em um mundo com demandas constantes e resultados para ontem, é difícil imaginar a possibilidade de reduzir o ritmo de trabalho. Os desafios impostos pela produtividade lenta à rotina agitada das corporações são enormes, mas podem ser superados, defende o autor.
No livro, ele cita a Brascam como um caso de sucesso. A empresa americana de software adotou um esquema de trabalho sazonal. Por lá, os funcionários trabalham intensamente em ciclos de seis a oito semanas, períodos nos quais se concentram em um pequeno número de tarefas, mas as de maior urgência.
Obrigatoriamente, cada ciclo é seguido por um período de reflexão de duas semanas, durante o qual os colaboradores podem recarregar energias, discutir estratégias e reagrupar-se.
O objetivo da produtividade lenta, reforça Newport, não é diminuir as horas trabalhadas, mas sim aproveitar o tempo no escritório de forma mais sustentável. Aos mais céticos em relação à sua proposta, ele responde com veemência: as empresas não perdem competitividade. Ao contrário.
O estresse mental provocado pelo modelo que prioriza fazer “tudo ao mesmo tempo agora” é um ladrão de qualidade e tempo. No fundo, no fundo, a produtividade lenta torna o trabalho mais frutífero e, por incrível que pareça, mais ágil. E, não há aqui nenhum paradoxo.