Ao longo de sua história centenária, a IBM já se reinventou diversas vezes. A Big Blue, como é conhecida, começou como uma empresa de cartões perfurados, utilizados no censo demográfico americano, em 1911. Na década de 1940, ela investiu em grandes computadores, chamados de mainframes, que ajudaram a companhia americana a construir seu império e sua fama no universo da tecnologia da informação.

Esse reinado, no entanto, durou até 1990, quando os computadores pessoais, capitaneados pela dupla Intel e Microsoft, dominaram o mundo corporativo. A IBM foi resgatada, nessa época, pelo executivo Louis V. Gerstner Jr., que trabalhava na empresa de biscoitos Nabisco, e foi contratado para o cargo de CEO. Em sua gestão, ele apostou em serviços de tecnologia, salvando a companhia da bancarrota.

Nos anos 2000, a IBM teve mais uma vez que se recriar. E a aposta recaiu sobre um sobrenome bastante reconhecido nos seus corredores: Watson, sua plataforma de inteligência artificial, em uma referência a Thomas John Watson, o fundador da empresa.

Enquanto o Watson está ganhando tração, assim como a tecnologia de inteligência artificial, a IBM já está pavimentando o caminho da sua próxima reinvenção. E ela pode estar na computação quântica. No começo desse ano, a Big Blue mostrou o primeiro sistema de computação quântica comercial para uso científico e comercial do mundo, batizado de IBM Q System One.

“Para duplicar a performance de um computador clássico é preciso dobrar o número de transistores”, diz Ulisses Mello, diretor do centro de pesquisas da IBM no Brasil. “Está se tornando cada vez mais difícil manter esse paradigma de computação.” A computação quântica resolve esse problema.

Não é uma missão fácil entendê-la. A computação tradicional é baseada numa combinação de binária de zeros e uns. Uma foto no Instagram ou um post no Facebook nada mais são do que uma união gigantesca de zeros e uns.

Na computação quântica, por sua vez, existem estados intermediários entre o zero e o um. Eles são chamados de bits quânticos, ou simplesmente qubits. Imagine uma esfera como a Terra, onde exista o Polo Norte e o Polo Sul. Qualquer ponto entre os dois polos tem um valor intermediário, que pode ser, por exemplo, 30% de Polo Norte ou 70% de Polo Sul. Há infinitos estados e superposições que se inter-relacionam.

Ulisses Mello, diretor do centro de pesquisas da IBM no Brasil

Difícil de entender? Basta, no entanto, compreender que cada qubit adicionado a um computador dobra a sua capacidade, o que permite um crescimento exponencial da capacidade de processamento dos computadores quânticos.

O computador quântico lançado pela IBM tem apenas 20 qubits. Para entender o estágio da computação quântica, o IBM Q System One poderia ser comparado aos mainframes da década de 1960. Logo, não é difícil de concluir que a computação quântica está dando apenas os seus primeiros passos e está longe de ser uma tecnologia mainstream. A consultoria americana Gartner estima de cinco a dez anos para que a computação quântica entre na fase de uso produtivo nos negócios.

Independentemente disso, há uma corrida tecnológica pela computação quântica. A Intel e o Google já desenvolveram processadores quânticos de teste. A Microsoft e a chinesa Alibaba também estão na lista das empresas que apostam nessa tecnologia.

A computação quântica deve atingir US$ 300 bilhões nas próximas décadas

Governos estão colocando bilhões de dólares na tecnologia quântica. A China pretende investir US$ 10 bilhões em pesquisas nos próximos cinco anos. A União Europeia já aportou US$ 1,1 bilhão no setor. E os Estados Unidos têm planos de aplicar US$ 1,2 bilhão até 2025.

A IBM, no entanto, parece estar um passo à frente nessa disputa. “Acredito que a IBM é uma das poucas empresas que investe estrategicamente para as duas próximas ondas de inovação: inteligência artificial e computação quântica”, afirma Rob Enderle, analista da consultoria americana Enderle Group. “Ela está mais preparada que seus pares.”

O computador comercial da IBM resolveu problemas cruciais para sair dos laboratórios das empresas. Um deles é a instalação, que não era integrada. Havia um cilindro em uma parte, o sistema de refrigeração em outra e os dados vinham de outros equipamentos. A Big Blue conseguiu integrar tudo em um único conjunto.

Outro ponto importante resolvido pela IBM foi o da conservação em baixa temperatura para manter o computador funcionando. Ele precisa estar em quase zero absoluto, ou -273 ºC.

Mercado bilionário

A computação quântica deve atingir US$ 300 bilhões nas próximas décadas, segundo projeções da consultoria Boston Consulting Group (BCG). Só em 2030, a estimativa é de movimentar US$ 50 bilhões.

Quase todos os setores da economia vão ser beneficiados pela computação quântica, como as áreas de finanças, previsão do tempo, segurança da informação (criptografia de dados) e agricultura. Mas a área farmacêutica é uma das que ganharão com a nova geração tecnológica. “Vamos ter uma revolução nos medicamentos e na área de novos materiais, que dependem de química molecular”, afirma Mello, da IBM.

Quase todos os setores da economia vão ser beneficiados pela computação quântica, como as áreas de finanças, previsão do tempo, agricultura e medicamentos

A computação quântica vai permitir simulações que podem ajudam os cientistas a entender complexas reações das moléculas, ajudando-os na criação de novos remédios. “Os pesquisadores também poderão descobrir novos materiais muito mais rápido do que usando os computadores tradicionais”, diz Chirag Dekate, diretor e analista sênior do Gartner.

Grandes empresas já estão embarcando na computação quântica, mesmo sabendo que ainda há um longo a caminho a percorrer. O banco de investimento americano JP Morgan é um deles. A montadora japonesa Honda é outra, assim como a sul-coreana Samsung e a petrolífera Exxonmobil. Todas estão na fase de aprendizado, para entender as potencialidades da tecnologia.

“Elas querem preparar pessoas da companhia com as habilidades necessárias para lidar com este computador, para que, quando essa tecnologia deslanchar, elas possam ter vantagens comerciais imediatas”, afirma Mello. O caminho para que a computação quântica não só supere a tradicional, mas também ganhe escala comercial, é longo. Mas ninguém duvida que é só uma questão de tempo.