Belém - Duas tragédias de grandes proporções, uma seguida da outra - os deslizamentos no litoral norte paulista, em 2023, e as enchentes gaúchas, em 2024 - soaram o alerta na Motiva. A empresa de infraestrutura e mobilidade gastou cerca de R$ 250 milhões só na recuperação das estradas do Rio Grande do Sul, que estão em fase final de obra.
“As mudanças climáticas já estavam em nossa matriz de risco desde 2022, mas o que aconteceu em São Paulo e no Rio Grande do Sul reforçou a relevância e urgência do tema para nós e mostrou que era preciso acelerar as estratégias de adaptação climática para todos os negócios da empresa”, diz Juliana Silva, diretora de sustentabilidade da Motiva, ao NeoFeed.
Algumas foram apresentadas em painéis ao longo desta primeira semana da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 30), em Belém.
Uma das mais abrangentes e meticulosas é a criação de quase cinco mil planos para fortalecer a resiliência de rodovias, aeroportos, metrôs e trens sob concessão da Motiva. Com base em cenários traçados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), a companhia identificou até 2050 os principais riscos climáticos, quilômetro por quilômetro, de seus ativos.
E é muita coisa. Antiga CCR e avaliada em R$ 25 bilhões, a Motiva administra 4.475 quilômetros de estradas em seis estados brasileiros - o que lhe confere o quarto lugar no ranking das maiores operadoras privadas de rodovias do mundo. Além disso, o grupo controla 189 quilômetros de trilhos, por onde circulam 750 milhões de pessoas por ano. E há ainda os 20 aeroportos (17 no Brasil, um na Costa Rica, outro no Equador e o último, em Curaçao).
A companhia é também uma das idealizadoras da Coalizão pela Descarbonização dos Transportes. Na COP 30, a aliança comprometida em reduzir em 70% as emissões de CO² da indústria brasileira de mobilidade nos próximos 25 anos atingiu o número de 121 participantes, entre empresas, concessionárias e associações ligadas ao setor.
À frente dessas estratégias está a bióloga Juliana, de 43 anos. Filha de pai executivo de multinacional e mãe dedicada a causas sociais, ela sempre quis estar próxima a projetos que unissem impacto e escala. Passou pelo universo das ONGs, atuou na indústria química por cerca de uma década e, em outubro de 2024, assumiu a diretoria de sustentabilidade da Motiva.
Agora, na área do transporte, ela enfrenta os desafios climáticos impostos ao setor que move o Brasil - seja por estrada, por trilho ou pelo ar, metade da população brasileira em algum momento se desloca com a Motiva.
Na correria da COP 30, entre um compromisso e outro, Juliana conversou com o NeoFeed sobre as iniciativas da companhia para adaptação às intempéries cada vez mais extremas e as iniciativas para redução da pegada de carbono da Motiva e de todo o segmento - o segundo maior emissor de gases de efeito estufa no país, atrás apenas da agropecuária.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O setor de infraestrutura de transporte e logística é uma dos mais suscetíveis aos eventos climáticos extremos. Como a empresa vem se preparando?
Temos uma estratégia de resiliência climática, dividida em dois principais pilares. Um olhar mais de curto prazo, chamado operacional. Temos parcerias com algumas startups, como MeteoIA e Climatempo, e com o Cemadem [Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais]. Diariamente, eles fornecem relatórios para o nosso centro de controle operacional. E aí, com essa informação, a gente já consegue prever, por exemplo, se vai vai chover, onde vai chover, quanto vai chover… Se algum trecho nosso estiver em risco, já fazemos o bloqueio antes de algum acidente acontecer. Esse é o olhar de curto prazo.
"Olhamos quilômetro a quilômetro das nossas rodovias, estação a estação dos nossos trens e metrôs e cada aeroporto para entender quais eram os trechos mais críticos para o negócio"
E o olhar de longo prazo?
O risco climático faz parte da matriz corporativa de risco da Motiva desde 2022. E, há dois anos, começamos a revisar todas essas ameaças. Olhamos quilômetro a quilômetro das nossas rodovias, estação a estação dos nossos trens e metrôs e cada aeroporto para entender quais eram os trechos mais críticos para o negócio até 2050. Fizemos isso com base nos estudos do IPCC e chegamos a quase 5 mil planos de adaptação climática.
Vocês estimaram os impactos financeiros das ameaças climáticas?
Sim, a gente precificou esses riscos. Eu sei, por exemplo, quanto vamos gastar se um determinado quilômetro da AutoBan precisar ser reconstruído. Ou se a empresa tiver de bloquear uma praça de pedágio, quanto vai deixar de arrecadar de receita. Ou ainda se, no caso de implementação de obras de melhorias, quanto vai custar se essa obra atrasar. Com isso, nós conseguimos calcular o “custo de não agir” para o negócio.
Qual é esse custo?
Vamos divulgar em nosso próximo relatório, no início do primeiro trimestre do próximo ano.
Vocês pretendem implementar esses 5 mil planos?
Não, a ideia não é essa. Agora, nós estamos avaliando os custos de implementação desses planos por uma combinação de critérios. Um deles é a segurança dos nossos colaboradores e dos nossos usuários. Se não fizermos nada, os colocamos em perigo? Outro critério é o impacto sobre a biodiversidade.
Como a biodiversidade entra nessa equação?
Preservar a biodiversidade é preservar grande parte desses problemas. Matas conservadas, por exemplo, ajudam na drenagem, na regulação térmica, na redução de erosão. Ou seja, medidas de preservação são também medidas de adaptação do negócio às mudanças climáticas.
Quando os planos tidos como prioritários devem ser colocados em prática?
Vamos garantir que eles estejam no orçamento de 2027. Combinamos com o Conselho que, no começo do primeiro trimestre de 2026, voltamos à alta liderança com essa recomendação.
Você tem ideia de quanto a Motiva teria economizado, por exemplo, com as enchentes no Rio Grande do Sul caso esses planos já tivessem sido colocados em prática?
É muito difícil precisar isso. Mesmo adotando as medidas de adaptação, é impossível garantir que a gente não vá perder nada em uma situação de emergência. Vamos nos preparar o máximo possível… com certeza, é mais barato prevenir.
"Não adianta nada estarmos preparados para enfrentar o aumento da temperatura e continuar emitindo [gases de efeito estufa]"
Depois dos sistemas agropecuários, o setor de transporte é o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do Brasil. Qual é a agenda de mitigação da companhia?
Não adianta nada estarmos preparados para enfrentar o aumento da temperatura e continuar emitindo. O setor representa 11% das emissões no País. Nós temos o compromisso de neutralidade de carbono até 2035. Portanto, temos de reduzir as emissões de escopo 1 e 2 em 59% e de escopo 3 em 27% até 2033.
O que vocês têm feito para chegar lá?
Toda energia utilizada pela Motiva é renovável. Graças a uma parceria com a Neoenergia, no ano passado, 60% da energia é energia eólica produzida por nós. O restante a gente compra. Cerca de 90% de nossa frota de veículos leves está eletrificada. O restante usa biocombustível. O grande desafio são os veículos pesados. Estamos trabalhando com alguns parceiros para desenvolver algum combustível renovável também para os pesados. A nossa estimativa é fechar 2025 com menos 55% de emissão, em comparação a 2019.
Mas vai dar para zerar as emissões até 2035?
Para alcançarmos a neutralidade, precisaremos comprar créditos de carbono. Estamos com algumas operações em parceria com a Reserva Votorantim e com a SOS Mata Atlântica.
A Motiva tem projetos individuais e coletivos, como a Coalizão, para a redução da pegada de carbono da empresa e do setor, existe alguma iniciativa em relação ao usuário?
Tem uma outra aliança, com empresas como a Volkswagen, para criar um corredor na via Dutra com pontos de recarga de veículos elétricos [o projeto se chama e-Dutra]. É uma forma de a gente começar a usar nossas operações para também influenciar positivamente o usuário.
*A jornalista viajou a convite da Motiva, idealizadora da Coalizão pela Descarbonização dos Transportes.