A bola da vez do mercado financeiro é o comportamento da inflação global. Desde o início do ano, gestores, analistas e todos que tomam decisões de investimentos estavam com suas atenções voltadas à compreensão da inflação de países como Estados Unidos, Austrália, daqueles que compõem a Europa e, também, emergentes, a exemplo do Brasil.
Com o início do conflito entre Rússia e Ucrânia e mais especulações de que a China pode fazer o mesmo em Taiwan, a pressão sobre os preços das commodities aumentou.
Na quinta-feira, 24 de fevereiro, quando os russos invadiram o território ucraniano, o valor das commodities agrícolas, como trigo e soja, subiram bastante. Para se ter uma ideia, o contrato do trigo, com vencimento em maio, fechou em alta de 5,65%. As tensões já vinham pressionando os preços nos dias anteriores, tanto que em fevereiro o trigo acumulava valorização de 23,2%; a soja, de 10,6%; e o milho, de 10,5%, até o dia 24 do mês.
Não se sabe a extensão do conflito, mas quanto mais duradouro ele for, pior será para os alimentos. Esse elemento é mais um fator global responsável pelo sincronismo que estamos vendo na inflação mundo afora.
Ainda assim, existem divergências importantes nesses processos inflacionários que merecem ser detalhadas com atenção. E que devem impactar os preços de mercado nos próximos meses – sobretudo porque a vida dos bancos centrais ficou ainda mais difícil.
Um exemplo é o que está acontecendo nos Estados Unidos e no Brasil. Enquanto por lá vemos pressão na inflação dos salários, por aqui temos o cenário oposto. Mas, as perspectivas para essa variável são diferentes. No caso americano, a economia cresce forte, partindo de uma taxa de desemprego muito baixa.
Já no brasileiro, o cenário é de crescimento praticamente zerado pelos próximos dois anos, convivendo com um mercado de trabalho que inicia esse ciclo em patamar bastante fraco. Dessa maneira, a inflação nos EUA parece ter mais motivos estruturais para manter a dinâmica altista por mais tempo.
Por conta disso, o Fed vem gradualmente mudando de postura para uma posição mais assertiva e o mercado espera altas na política monetária ao longo de 2022. Essa sinalização do aperto monetário do Fed vai ajudar a puxar os juros dos principais países desenvolvidos. Inglaterra, Canadá e Austrália e alguns emergentes já começaram ou estão para apertar suas condições monetárias.
Ao que tudo indica, quem deve se beneficiar são aqueles países nos quais os bancos centrais começaram antes o processo de subida de juro e combate à inflação, caso justamente do Brasil.
Neste momento, os grandes investidores estrangeiros estão trabalhando na alocação de ativos de renda fixa de países que já fizeram esse ajuste, ou que estão comprometidos com o combate à inflação.
Com isso, os olhos externos novamente se voltaram para nós. De fato, por aqui, o discurso contra a inflação domina o mercado há algum tempo e a taxa de juro futuro já está na casa dos 12%.
Tal situação atrai o olhar desses estrangeiros, o que tem ajudado na entrada de dólares – estima-se que algo entre US$ 3,5 bilhões e US$ 5 bilhões ingressaram no País só em janeiro de 2022 – e na apreciação do real.
O ciclo de alta esperada do Fed, para 2% ou até mesmo para 3%, não muda esse cenário de oportunidade no Brasil. O que falta para nós apertarmos na Selic neste ano, cerca de 2 pontos percentuais, equivale a todo o ciclo do banco central americano – e isso na sua ponta pessimista.
Enquanto isso, para o investidor brasileiro, a palavra da vez é cautela. Nos últimos dois anos, houve um boom de compra de investimentos no exterior, seja diretamente, via ações na bolsa americana, ou via fundos de investimento. Se o real continuar seu movimento de apreciação, esses ativos caem de preço em reais.
Estou cético com o comportamento da bolsa de valores nos Estados Unidos, por isso vejo um risco de o investidor perder nos dois lados, ou seja, na queda do ativo e na depreciação cambial. Mas, é neste momento que as melhores oportunidade aparecem para gestores globais.
Algumas estratégias inacessíveis para o investidor de varejo são ferramentas importantes na busca de resultados. Um investidor brasileiro, por exemplo, não tem acesso a instrumentos para se beneficiar de uma forma fácil e direta de um aumento de juros nos EUA, visto que isso requer uma operação de venda de um título norte americano ou derivativo de juros de curto prazo.
No entanto, essa estratégia é de fácil implementação para gestores de fundos multimercados. No primeiro dia da crise militar, por exemplo, o mundo dos investimentos trabalhou para ajustar suas posições. Houve uma corrida para ativos considerados mais seguros, como os títulos da dívida americana. Para nós, a aversão ao risco no cenário de guerra é uma oportunidade de tomar juros americanos.
Os primeiros dias com esse cenário de guerra mostrou que gestores de multimercados, que conhecem a dinâmica externa, estão preparados para ganhar dinheiro para o investidor individual - mesmo nesse cenário potencialmente difícil.
Acredito que a volatilidade dos ativos globais continuará subindo. O movimento de alta de juros deve levar a uma alta da volatilidade dos mercados. É um processo que vai ser observado no mercado de juros, nas bolsas de valores e, claro, nas moedas, que são um reflexo da decisão de política monetária de seus bancos centrais. A tese para os próximos meses é cautela em bolsa e todos os olhos voltados para a renda fixa. No Brasil e no exterior.
*Rodrigo Jolig é Co-CEO e diretor de investimentos da Alphatree Capital