O episódio em torno da troca do CEO da Petrobras, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna provocou um terremoto após o fechamento dos mercados na sexta-feira, 19 de fevereiro. A nomeação do presidente é prerrogativa do Conselho de Administração, que se reúne em 23 de fevereiro. Dos 11 membros do conselho, sete são indicados pelo acionista controlador. Mesmo com a aprovação do board, o novo nome deve passar por alguns comitês.

Dadas as reações do mercado após o anúncio, podemos, com certeza, afirmar que esse é o evento mais simbólico desde a posse do presidente Jair Bolsonaro. Para muitos, ele enterra de vez a agenda liberal que o ajudou a eleger, agenda essa que talvez nunca tenha existido. Para outros, é um passo claro e definitivo em direção ao Chavismo. Justas ou não, foram imediatas as comparações com o intervencionismo econômico da ex-presidente Dilma Rousseff, ainda bem frescos na memória do mercado.

Tudo surgiu do cálculo político do presidente de que a política de preços da empresa é completamente incompatível com seus planos de reeleição. Com a troca no comando da empresa, o governo visou impedir uma greve de caminhoneiros que tem o potencial para parar o País, como foi o caso em 2018. Além disso, a classe representa uma importante base de apoio do presidente. Em teoria, uma campanha presidencial começa no dia seguinte a última eleição. Na prática, os eventos de sexta-feira deram largada à campanha de 2022.

Será interessante acompanhar a reação formal dos investidores e de analistas de sell side. Em função de conflitos amplamente conhecidos e que não precisamos detalhar, serão enaltecidas as credenciais do general Silva e Luna, será dito que Pedro Parente caiu pelo mesmo motivo e, como o mercado gosta de simplificações, serão feitas comparações com o Joesley Day em maio de 2017.

Mas o que aconteceu agora é totalmente diferente e as credenciais liberais do governo Temer não foram sequer questionadas naquele episódio. Na prática, o governo Bolsonaro pediu o divórcio do mercado.

Por mais que muita gente tenha perdido a confiança na capacidade de entrega do governo, a troca no comando da Petrobras e a ameaça de interferência nas tarifas de energia elétrica devem afetar negativamente as ações de outras empresas estatais, os juros futuros e a taxa de câmbio. Não se trata de defender ou não a atual política de preços de energia, mas o combinado nunca é caro.

Tudo isso dito, está claro que as ações da Petrobras, ao contrário de grandes petroleiras internacionais, não se beneficiarão como poderiam da recuperação do petróleo em função da reabertura global das economias em 2021 e 2022. Além disso, não estão claros a forma e o timing da troca do CEO.

Como reagirão os acionistas minoritários e os conselheiros independentes? Lembrando que o estatuto da empresa prevê que subsídios à política de preços devem ser pagos pelo acionista controlador. Se não estiver absolutamente claro como isso será feito, o desconforto dos conselheiros será enorme, mesmo daqueles indicados pelo governo.

Os problemas de governança complicam bastante a tese de investimento de curto prazo na Petrobras. Mas o que podemos dizer do médio e do longo prazo?

O principal tema de investimentos dos próximos 10 anos será a descarbonização do planeta e transição para energia limpa. Acreditamos que o mercado subestima em muito a velocidade e comprometimento como os quais a União Europeia (UE) e agora os EUA querem endereçar o problema da emergência climática.

Praticamente todas as gigantes globais do setor de petróleo anunciaram metas ambiciosas de redução na sua pegada de carbono e passaram a se definir como empresas de energia. Esse foi o caso da Total, BP, Equinor e muitas outras. Na semana passada, a Shell anunciou que espera vender 55% menos de combustíveis tradicionais em 2030. Na sexta-feira, a italiana ENI também divulgou que pretende atingir a neutralidade de carbono em 2050.

A estratégia da Petrobras foi exatamente na direção oposta. Ou seja, a empresa decidiu descontinuar os projetos de energia renovável, vender refinarias e apostar fortemente na extração de petróleo de baixo custo.

A Petrobras decidiu descontinuar os projetos de energia renovável, vender refinarias e apostar fortemente na extração de petróleo de baixo custo

Como afirmou Sheik Ahmed Yamani, ex-ministro saudita do petróleo nos anos 1970, “a Idade da Pedra chegou ao fim não por falta de pedras; a era do petróleo também chegará ao fim, mas não por falta do petróleo.”

Tudo isso dificulta em muito a tese de investimento na Petrobras. Os investidores podem decidir olhar para além das questões de curto prazo e assumir que os conflitos entre os acionistas controlador e os minoritários estarão pactuados a partir de 2023.

Mas com o avanço na transição energética e o desenvolvimento de um mercado global de créditos de carbono, é bem provável que o mercado pague substancialmente menos por empresas de combustíveis fosseis em dois anos.

Seguindo a liderança de Mark Carney, ex-presidente do Banco da Inglaterra, reguladores ao redor do mundo têm alertado para o papel do setor financeiro na crise climática e para o risco dos chamados stranded assets, ou ativos de carbono que em pouco tempo valerão muito pouco ou nada.

Podemos dar como certo que os bancos centrais levarão o impacto ambiental na definição dos ativos ponderados por risco. Em termos práticos, um empréstimo para empresas de petróleo custara mais caro do que para uma empresa de energia limpa, tudo mais constante.

Em suma, existe o grande risco de que o investimento em ações da Petrobras sejam uma proposição “perde-perde”. Ou seja, a empresa não se beneficiará como poderia da recuperação do preço de petróleo e está no mínimo atrasada na transição para uma economia de baixo carbono.

* Roberto Attuch Jr. é fundador e CEO da OHMRESEARCH