Você autoriza que uma empresa acompanhe sua movimentação em aplicativos e sites de terceiros? Foi essa a pergunta que desengatilhou a mais nova discórdia entre Apple e Facebook

A companhia de Tim Cook anunciou que, no mês que vem, quando o novo sistema iOS 14 chegar aos quase 1 bilhão de iPhones ativos em todo o mundo, os usuários poderão ter mais controle sobre sua privacidade.

Através de uma mensagem estilo pop-up, será possível escolher se certas empresas e aplicativos podem monitorar suas atividades online para melhor "calibrar" os anúncios que recebemos.

De acordo com a Apple, essa alteração em seu novo sistema operacional visa proteger a privacidade do usuário, um dos assuntos que "assombra" as grandes empresas de tecnologia mundo afora.

A própria companhia da maçã foi processada no ano passado depois que uma reportagem do The Guardian descobriu que o assistente de voz Siri estava gravando conversas sem o consentimento do usuário. Diante da ofensiva, a empresa de Tim Cook suspendeu o programa de aperfeiçoamento da ferramenta até que a questão fosse solucionada.

Essa nova medida adotada pela Apple mostra que a companhia está enrijecendo as regras de acesso a dados sensíveis dos usuários e, segundo a própria Apple, garante que aqueles que optarem por bloquear o monitoramento por terceiros não serão afetados no que diz respeito a experiência do usuário.

Mas, se para a Apple a respostas dos usuários não interferem em suas receitas, o Facebook não pode dizer o mesmo. As mudanças nas regras de privacidade, como essa proposta pela Apple, afetam em cheio o Facebook que depende, financeiramente, de anúncios e campanhas publicitárias.

Para se ter uma ideia, no relatório fiscal referente à performance da empresa em 2019, dos US$ 70,6 bilhões que a empresa acumulou de receita, US$ 69,6 bilhões vieram de anúncios. 

No documento, o Facebook explica que o aumento de 33% na receita proveniente da publicidade em relação ao ano anterior se deu pelo "aumento no número e frequência de anúncios exibidos em nossos produtos e um aumento do engajamento dos usuários".

O "ingrediente secreto" para o Facebook ter tanto sucesso nesse mercado de ads é sua segmentação – possível apenas com a coleta de dados dos usuários. E, apesar de admitir que a mudança de regras no iOS 14 possa afetar seu rendimento e desempenho, a rede social afirmou que o impacto para empresas e desenvolvedores menores pode ser muito mais severo. 

A previsão se dá porque o alcance da ferramenta Audience Network", do Facebook, será limitada – e muitos negócios dependem dela. A companhia de Zuckerberg explica que o Audience Network é um recurso que permite que os anunciantes estendam as campanhas do Facebook e do Instagram para a internet, em milhares de sites e aplicativos.

"O Audience Network ajuda os anunciantes a alcançarem mais pessoas nos outros lugares onde elas passam o tempo", afirma a companhia em sua página oficial. Embora não revele os números do Audience Network e nem a porcentagem que ele representa em sua receita, a rede social declarou que, em um teste preliminar, viu que, ao remover a personalização dos anúncios, as receitas de seus parceiros caíram 50%. 

Essa medida da Apple só aumenta a tensão entre as duas empresas. Recentemente, o Facebook criticou a política da Apple de cobrar uma taxa de 30% sobre a receita de aplicativos em sua App Store. A Apple, por sua vez, já criticou em várias ocasiões as gigantes do Vale do Silício por conta dos escândalos de privacidade.

Em 2019, durante a Consumer Electronics Show (CES), em Las Vegas, a empresa fez um anúncio publicitário brincando com um dos lemas da cidade da jogatina (O que acontece em Vegas, fica em Vegas) numa clara intenção de cutucar os concorrentes. A paródia usada pela Apple foi: "What happens on your iPhone, stays on your iPhone".

Quem tem um telhado de vidro um pouco maior nessa questão é a rede social de Mark Zuckerberg,  que já esteve associada a diversas investigações de abuso de privacidade. O Facebook foi crucial no escândalo da Cambridge Analytica, que influenciou nos resultados da eleição americana e do Brexit.

Por conta desse e de outros casos, a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC, na sigla em inglês), multou em US$ 5 bilhões a companhia. A decisão foi revelada no ano passado. Em maio deste ano, o Facebook foi condenado a pagar US$ 6,8 milhões ao governo canadense por invasão de privacidade.

O acúmulo de denúncias e preocupações acerca dos dados coletados pelo Facebook obrigou Mark Zuckerberg a responder, há poucas semanas, a uma bateria de questionamentos feitos por membros do congresso americano. Outras três big tech, Apple, Alphabet e Amazon, também participaram da audiência que estuda limitar o poder dessas empresas.

Mas, apesar da preocupação e dos diferentes alertas, prevendo uma queda na receita, o Facebook experimentou um bom dia na bolsa de valores, com suas ações subindo mais de 8%. Desde o começo do ano, a rede social acumula 44,8% de alta, e já vale US$ 865,7 bilhões. 

A Apple, por sua vez, vive sua máxima histórica, valendo US$ 2,16 trilhões. Seus papéis avançaram 1,3% nesta quarta-feira, 26 de agosto, e seu salto, desde o começo do ano, foi de 70%.

O mercado de anúncios online movimentou US$ 304 bilhões, em 2019. Segundo a agência de pesquisa Mordor Intelligence, a expectativa é que o setor chegue a US$ 982 bilhões em 2025. Segundo a consultoria eMarketer, o Facebook detém 23,4% do mercado de anúncio digital americano, perdendo apenas para o Google, que controla 29,4%.

Siga o NeoFeed nas redes sociais. Estamos no Facebook, no LinkedIn, no Twitter e no Instagram. Assista aos nossos vídeos no canal do YouTube e assine a nossa newsletter para receber notícias diariamente.