Em 2018, o uso de cartões movimentou R$ 1,55 trilhão em compras no Brasil, um salto de 14,5% sobre 2017. Por trás desse volume expressivo de transações, as empresas de meios de pagamento vêm travando uma disputa quase sangrenta pelos clientes. Nomes consolidados, como Cielo e Rede, e novas companhias, como PagSeguro e Stone, são alguns dos atores da chamada guerra das maquininhas.
Longe de um armistício, o mercado financeiro parece enxergar agora uma outra batalha no horizonte. E que também tem poder de fogo para abalar as estruturas de gigantes tradicionais do setor. Depois de desafiarem os grandes bancos e atrair uma parcela considerável de contas correntes de pessoas físicas, os bancos digitais avançam agora para a conquista dos CNPJs. E, ao atravessar essa fronteira, já escolheram o seu primeiro e maior alvo: os microempreendedores individuais (MEIs).
As razões por trás desse novo ataque são claras. Impulsionado por fatores como vocação, oportunidade e mesmo pela necessidade, esse segmento inclui uma massa de 8,7 milhões de pessoas no País. E registrou um crescimento substancial nos últimos anos, especialmente com a crise econômica.
No fim de 2014, o número de MEIs era de 4,6 milhões. Somente neste ano, cerca de um milhão de registros foram adicionados a essa base, segundo o Portal do Empreendedor, do governo federal.
“Nossa estimativa é de que esse mercado se aproxime de 30 milhões de pessoas”, diz Raul Moreira, diretor-executivo de tecnologia e produtos do Banco Original, que inclui nesse bolo os empreendedores não formalizados.
Para o executivo, a crise e fatores como a reforma trabalhista, a lei das terceirizações e os novos modelos de negócios favorecem a consolidação de um novo cenário. “O País está migrando para uma estrutura mista, que combina vários modelos de emprego formal e empreendedores”, diz Moreira. “Nada voltará a ser como antes.”
De olho nesse mercado, o Original, presidido por Alexandre Abreu, lançou, em abril, uma conta que reúne pessoa física e jurídica no mesmo aplicativo, com a possibilidade de segregar a gestão das duas modalidades. A oferta traz pacotes mensais de serviços que variam de R$ 39,90 a R$ 79,90, além do direito a uma máquina de cartões da Cielo. A parceria com outras adquirentes não está descartada.
No fim de 2014, o número de MEIs era de 4,6 milhões. Somente neste ano, cerca de um milhão de registros foram adicionados a essa base
Assim como novos recursos. “À medida que formos avançando, teremos linhas de crédito de investimento e de capital de giro, entre outros pontos”, diz Maurício Maurano, diretor-executivo do segmento empresas-varejo do Original.
Atualmente, 24% dos novos clientes do banco são desse segmento. Das 2 milhões de contas atendidas pelo Original, cerca de 20% estão nessa faixa. A projeção é adicionar mais 100 mil contas de MEIs até o fim do ano, dentro da expectativa de uma base total de 2,5 milhões de clientes. “Queremos nos tornar o banco dos empreendedores”, diz Moreira. “Estamos vendo outros players nessa corrida. Mas saímos na frente.”
Ampliar o alcance por meio de uma equipe próxima a esse público é também uma das apostas do C6. Em operação oficial desde o início do mês, o banco está testando um modelo com 200 promotores. Responsáveis pela venda da C6Pay, maquininha da empresa, outro chamariz para esse segmento, eles também estão atuando na captação de clientes.
Há um outro fator que ajuda a explicar a incursão dos bancos digitais no campo das empresas por meio dos microempreendedores. “O perfil de uma conta MEI é muito mais parecido com pessoa física do que com uma conta pessoa jurídica”, diz Philipe Pellegrino, líder de distribuição de Pessoa Jurídica do C6.
Sob essa ótica, a conta PJ do C6 traz um pacote muito semelhante às contas pessoa física, nas quais o banco já tem mais de 200 mil clientes, que se cadastraram ainda no período de testes. Entre outros pontos, a empresa oferece cartão múltiplo, 100 transferências gratuitas por mês e a possibilidade de fazer aplicações em CDBs. Outro gancho é o Kick, recurso que permite fazer transferências bancárias via SMS e WhatsApp.
O professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), Róbson Gonçalves, essa visão é justamente um dos elementos que dão boas perspectivas aos bancos digitais nessa nova esfera. “Muito mais do que qualquer outro perfil da empresa, em uma MEI, é importante focar a pessoa por trás do negócio e nas suas demandas”, diz. “Essa percepção, os bancos tradicionais não tiveram.”
Gonçalves faz, no entanto, um alerta nessa corrida. “Há um fantasma da volta do crescimento da informalidade, especialmente com algumas propostas de reforma tributária no Congresso.”
O banco Inter também tem parte de sua estratégia baseada em ferramentas que agilizem e simplifiquem a vida dos empreendedores. Até o fim do ano, a companhia pretende oferecer a possibilidade de fazer transações de débito e crédito usando o celular, com pagamento por aproximação, em substituição à máquina de cartão.
A novidade veio à tona na terça-feira 13, por meio de uma postagem de João Vitor Menin, presidente do banco, no Twitter. “Vamos criar a nossa própria adquirência, sem intermediários”, diz Eduardo Cotta, gerente-executivo de conta digital do Inter.
O banco começou a estruturar sua oferta para MEIs em março de 2018. Dos 2,5 milhões de correntistas digitais, pouco mais de 120 mil já são microempreendedores individuais. Esses clientes têm acesso a cartão de crédito sem anuidade e isenção de tarifas para transferências e pagamentos, entre outros componentes.
Quem também está de olho há um bom tempo nesse público é o Neon. Entre 2017 e 2018, a empresa testou uma versão beta de sua conta digital com cerca de 1,3 mil MEIs e empresas de pequeno e médio portes. “Tínhamos uma expectativa de que teria maior aderência com as médias”, afirma Marcos Berto, gerente de produtos do Neon. “Mas a maior resposta veio das MEIs e das pequenas empresas.”
Com base nessas validações, o Neon lançou, em novembro, a Neon Pejota, com manutenção gratuita, emissão de boletos, cartão de débito e cartão virtual para compras online sem cobrança de anuidade. “Hoje, 70% dos clientes que chegam ao banco são MEIs”, diz Berto. “Nosso carro-chefe ainda é a conta pessoa física, mas na jurídica, o tíquete médio é, em geral, quase o dobro.”
Ele diz que o Neon ainda está aprendendo a como direcionar sua oferta para esse perfil de correntista. Mas dá a chave para que a empresa e seus concorrentes finquem os pés também nessa seara. “Esse público é extremamente mal atendido pelos bancos tradicionais”, afirma. “Seja pela burocracia, preço das tarifas ou por ter que pagar caro por um pacote no qual não vão usar nem 10% dos serviços oferecidos.”
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