Desde janeiro, quem visita a sede do Banco Original, no bairro paulistano de Alto de Pinheiros, se depara diariamente com a mesma cena. O presidente do banco, Alexandre Abreu, usando um grande fone de ouvido. Munido de uma caneta Bic e um bloco de papel, vai anotando tudo o que escuta.

“Para esse aqui, eu dei 10”, diz ele, mostrando em seguida a nota de outro. “Esse não foi muito bem, não. Dei seis”, afirma o executivo sobre o atendente do call center. Abreu, que faz isso olhando um telão com o número de contas abertas em tempo real, é a pessoa que está por trás de uma espécie de refundação do banco.

Sob seu comando, o Original, controlado pelo grupo J&F, tem virado um banco com cara de fintech. A instituição financeira, que foi uma das primeiras do País a oferecer a abertura de conta 100% digital, montou recentemente, sem alarde, uma empresa de tecnologia separada do banco. Trata-se da Original APP, instalada em um edifício próximo do shopping Villa Lobos, em São Paulo.

Com cerca de 30 desenvolvedores, ela foi estruturada para criar tanto os produtos do banco como de terceiros. “Antes, tínhamos muitos processos terceirizados. Fizemos um ajuste de trazer a tecnologia para dentro e adotamos a metodologia Agile para a construção dos produtos. Isso deu mais velocidade para os nossos lançamentos”, diz Abreu.

O primeiro passo nesse sentido foi dado com a chegada do executivo Raul Moreira, que, até então, ocupava a presidência da Alelo, a empresa de benefícios do Bradesco e Banco do Brasil, uma gigante que movimenta mais de R$ 30 bilhões por ano.

Além de ter ocupado a vice-presidência do Banco do Brasil e de ter trabalhado com Abreu (Alexandre Abreu foi presidente do Banco do Brasil entre 2015 e 2016), Moreira trazia na bagagem a experiência de quem havia lançado startups fazendo o uso intensivo da tecnologia. A Veloe, que compete com a Sem Parar e a ConectCar no mercado de pedágios e mobilidade urbana, é uma delas. Moreira foi o responsável por tirá-la do papel e botá-la para operar.

Agora, como diretor-executivo de tecnologia, inovação e operações do banco, ele lidera essa transformação digital do Original. “Estamos com 30 desenvolvedores, mas a meta é chegarmos a 90 profissionais até o fim do ano”, diz Moreira.

Mais do que simbólica, essa nova empresa de tecnologia tem trazido agilidade ao banco. “Tínhamos ideias boas, mas demorávamos para pôr os produtos no ar. Conseguimos reduzir o tempo de lançamento de produtos de 12 meses para três meses”, diz Abreu.

Open banking

A nova estratégia do banco é calcada na futura aprovação do open banking, sistema que promete aumentar a competição e reduzir a concentração dos grandes bancos. Com expectativa de que suas regras entrem em vigor no segundo semestre de 2020, o open banking, hoje uma realidade na União Europeia, permitirá que fintechs acessem dados de clientes dos bancos com a permissão dos usuários.

É um ponto que muda totalmente o setor bancário. “A nossa plataforma já foi desenvolvida baseada em serviços, as chamadas APIs, que permite que entidades externas se conectem com essas nossas aplicações e possam consumir serviços. É aí que entra a nossa estratégia de open banking”, diz Moreira.

A ideia é fazer com que as fintechs, que não têm os serviços de um banco, possam usar os produtos do Original como se fossem delas. “As fintechs poderão beber da nossa fonte”, afirma Moreira. Isso significa que uma fintech poderá oferecer, por exemplo, uma conta digital com sua identidade visual. Mas, por trás, será a conta do Original. Guardadas as devidas proporções, é o que o varejo chama de white label.

O banco já está acelerando esse processo com a PicPay, fintech da qual virou sócio. “Um grande player de e-commerce pretende criar uma conta digital, uma carteira digital, e nós seremos o banco por trás disso”, diz Moreira. De acordo com uma fonte que conhece o mercado, outra fintech que tem conversado com bancos digitais para oferecer contas aos clientes é o GuiaBolso. O Original seria uma opção. Indagado sobre o assunto, Moreira desconversa.

Abreu enxerga esse movimento como uma quebra de paradigma no setor bancário. “Nesse mundo novo, o grande vencedor é o cliente. Ele vai ter mais mobilidade e acesso aos produtos”, afirma ele.

Enquanto, o open banking não é aprovado, o Original corre para aumentar a sua base de clientes. “A meta é alcançar 2,5 milhões até o fim do ano”, diz Abreu. Quando o executivo chegou assumiu a presidência do banco, em janeiro, substituindo Márcio Linares, o Original contava com 700 mil contas abertas. Hoje, já são 1,3 milhão, e a ideia é alcançar 10 milhões até 2022.

Trata-se de uma meta bem ambiciosa, num mercado onde o banco encontra concorrentes bem estabelecidos como o Banco Inter, com mais de 2,7 milhões de contas, e o NuBank, com mais de 5,5 milhões de contas na sua NuConta.

O Original está correndo atrás de um movimento em que foi um dos pioneiros. O Banco Original, da forma que opera hoje, chegou ao mercado, em 2016, como um banco digital em um ambicioso projeto liderado pelo então ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e uma ousada campanha publicitária com o recordista olímpico Usain Bolt.

No meio do caminho, porém, as delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, sócios da holding J&F, fizeram o banco diminuir a exposição – mesmo que a instituição não estivesse envolvida em nenhum escândalo ou problema de liquidez.

Agora, para fazer frente aos concorrentes, adota uma estratégia de marketing digital. Com isso, o número de contas abertas por mês saltou de 15 mil, em agosto de 2018, para 100 mil em abril de 2019 e quase 380 mil em maio. O Original tem apostado também na resolução de um problema que acomete todos os bancos digitais: a falta de presenta física.

O número de contas abertas por mês saltou de 15 mil, em agosto de 2018, para 100 mil em abril de 2019 e quase 380 mil em maio

Por mais que as novas instituições financeiras digam que não é preciso ter agências, muitos clientes querem ver o banco sob a forma de tijolo e concreto. “O cliente precisa mesmo ver. Outro dia escutei uma ligação de um cliente no call center e ele dizia ‘estou achando legal o banco, mas estou com medo de depositar dinheiro porque não vejo o banco’”, diz Abreu.

Para isso, o banco tem espaços que não são agências, mas têm a cara do banco. Um deles funciona na Avenida Faria Lima, em São Paulo; outro em Ipanema, no Rio de Janeiro; e mais dois serão abertos – um em Campinas, interior de São Paulo, e outro em Belo Horizonte, em Minas Gerais. “Vamos abrir em outras capitais”, diz Abreu. A meta é ter entre 20 e 30 espaços espalhados pelo Brasil.

A meta é ter entre 20 e 30 espaços espalhados pelo Brasil

No mesmo molde de correspondentes financeiros que ajudaram a consolidar a presença de empresas como XP Investimentos, o banco também conta com um exército de 900 agentes financeiros espalhados pelo Brasil. Deste total, 700 estão em campo e outros 200 em treinamento. “São agentes autônomos que têm a remuneração baseada em desempenho”, diz Abreu. “Pretendemos chegar a 1,5 mil agentes até o fim do ano, mas acredito que devemos antecipar esse número até setembro ou outubro.”

O aumento da base de agentes coincide com o aumento do número de clientes e de produtos ofertados. Isso acontece para atacar um problema que a S&P Global Ratings alertou em seu relatório de análise do banco. “Tem um perfil de negócio concentrado em poucos produtos”, escreveram os analistas da S&P. Pois isso começa a mudar. Antes, o Original estabelecia que, para abrir uma conta, os clientes precisavam ter uma renda mensal de R$ 5 mil. Hoje, essa exigência deixou de existir.

O banco também acaba de lançar uma conta pessoa jurídica, voltada para o Micro Empreendedor Individual (MEI), com pacotes mensais de serviços que variam entre R$ 39,90 e R$ 79,90 – este último com direito a uma maquininha da Cielo. “Com o mesmo login, o cliente poderá estar nas contas pessoa física e jurídica”, diz Abreu.

Contratações de peso

Além de trazer Moreira para a operação, Abreu também foi ao mercado e trouxe outros tarimbados executivos para tocar o dia-a-dia e implementar essas mudanças na instituição. Edilson Jardim, que cuida do comercial, veio do Itaú. Ewerton Gonçalves, que estava no banco CBSS, está encabeçando a mudança no crédito. Luiz Henrique Guimarães de Freitas, que era diretor de tecnologia do BB, veio para comandar a mesma área.

Com R$ 11,1 bilhões em ativos e uma carteira de crédito de R$ 6,4 bilhões, o Original apresentou um lucro líquido de R$ 2,7 milhões no ano passado. E é apostando no varejo que a instituição pretende fazer esses números crescerem.

Por isso, a preocupação de Abreu em saber como os atendentes estão falando com os clientes. “Quando eu era gestor de banco tradicional, visitava muito as agências. Ia lá, conversava com o gerente, com o cliente, via a fila. Aqui não tem isso. Como eu faço? Todo dia separo um tempo para ouvir o call center. Preciso saber se está tudo certo”, afirma.

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