Quando a Jeep entrou para valer no mercado brasileiro com o Renegade, em 2015, o oceano dos SUVs já estava começando a ficar sangrento. Navegavam naquelas águas modelos pioneiros como Ford EcoSport, Hyundai Tucson, Renault Duster e Mitsubishi ASX, todos fabricados no Brasil.
Junto com o Jeep Renegade, chegaram mais dois SUVs compactos: Honda HR-V e Peugeot 2008. Não demoraria muito para novos aventureiros, como o Nissan Kicks e o Hyundai Creta, disputarem o mesmo espaço. Com nove SUVs compactos nacionais, o mercado de utilitários esportivos ficou cheio de opções.
Mas a Jeep, hoje uma marca da Stellantis, fusão de FCA com a Peugeot Citroën, soube encontrar o seu oceano azul, conceito lançado no livro de W. Chan Kim e Renée Mauborgne para empresas que desejam “criar novos mercados e tornar a concorrência irrelevante”.
Em 2016, a montadora lançou o Compass num segmento superior, o SUV-C (utilitários médios), e navegou sozinha durante quatro anos e meio. Com isso, o Compass se tornou um modelo altamente lucrativo e simplesmente triturou a concorrência.
Melhor ainda porque os competidores atrasados – Citroën, Volkswagen e Chevrolet, além das marcas de luxo Audi, BMW e Mercedes – fizeram a mesma opção da maioria: congestionaram ainda mais o mar de SUVs compactos, com os modelos Cactus, T-Cross, Nivus, Tracker, Q3, X1 e GLA.
A única marca a atacar os dois mercados foi a novata Caoa Chery, com os modelos Tiggo 2, Tiggo 5X e Tiggo 7, mas ainda sem poder de fogo para fazer concorrência à frota de 50 mil Compass que a Jeep joga no mercado todo ano. O resultado disso é que desde 2016 a Jeep é a líder absoluta na venda de SUVs no Brasil. Em 2020, vendeu 110,2 mil carros, quase todos dos modelos do Renegade e do Compass.
Uma das batalhas é travada pelo Renegade, que tem um ponto fraco: o porta-malas pequeno. Mas três fortes, como o motor a diesel, tração nas quatro rodas (4x4) e o DNA off-road da marca, a única da categoria que não é generalista.
Desde seu lançamento, em 2015, o Renegade disputa a liderança do segmento – foi campeão em 2019 e duas vezes vice (2015 e 2016). Atualmente, ele detém 14,5% das vendas. A Jeep também é tricampeã de vendas de SUVs na América Latina (exceto México), com 125,6 mil emplacamentos no ano passado.
Mas, melhor ainda do que o Renegade, é o desempenho do Compass. Ele foi bicampeão de vendas, em 2017 e 2018, e fez dobradinha com o Renegade em 2019. Como todos os seus concorrentes eram importados, ele se tornou um carro altamente lucrativo para a Jeep. E como é dono de 63,9% das vendas da categoria, era evidente que em algum momento haveria uma batalha neste oceano azul.
Os radares da Jeep identificaram três ataques quase simultâneos. De Sorocaba veio o Toyota Corolla Cross (já lançado). Da Argentina virá o Volkswagen Taos. Do México desembarcará o Ford Bronco Sport. Pela primeira vez, em 2021, o Jeep Compass vai enfrentar uma verdadeira concorrência, especialmente do Corolla Cross e do Taos. O Bronco Sport representa uma ameaça às versões 4x4.
A Toyota direcionou seu poder de fogo inicial para o Corolla Cross 2.0 aspirado flex, com preços competitivos, para brigar com as versões de entrada do Compass. A montadora japonesa também guardou alguns canhões (30% da produção) para uma aposta na versão híbrida flex, com um motor convencional e dois motores elétricos.
Já o Taos vem com um motor mais focado em consumo do que em desempenho, 1.4 turbo flex, porém com muita ênfase no acabamento sofisticado, no conforto, no espaço interno e nas tecnologias de segurança e conectividade.
Óbvio que não se ataca um líder sem receber o troco. A resposta da Jeep será lançada no dia 15 de abril. O novo Compass 2022 chega com aprimoramentos no design, uma nova central multimídia e, principalmente, um inédito motor 1.3 turbo de 185 cavalos. É muita potência para um motor de apenas 1332 cm3 de cilindrada. O carro já está em pré-venda por R$ 162.990 na série especial 80 Anos (também presente nos modelos Renegade, Grand Cherokee e Wragler).
A antiga FCA fez um investimento de R$ 400 milhões em uma nova unidade de motores na fábrica de Betim (MG), onde são feitos os carros da Fiat (também do grupo). A nova planta de Betim agora tem capacidade para produzir 700 mil motores e 500 mil transmissões.
Com este novo motor, o Jeep Compass 2022 será mais potente, mais econômico e mais ecológico do que seus concorrentes na maioria das comparações diretas. Mas não é só isso. O novo motor 1.3 turbo também equipará um inédito SUV de 7 lugares que será fabricado em Goiana (PE), junto com Renegade e Compass.
O novo carro ainda não teve seu nome revelado, mas será lançado no segundo semestre de 2021. Não será um Compass alongado e sim um modelo totalmente novo, do porte do Jeep Cherokee (fabricado nos Estados Unidos), que havia se tornado caríssimo devido ao dólar.
De novo, a Jeep achou um cantinho azul no oceano dos SUVs. Só três marcas fabricam atualmente utilitários esportivos de 7 lugares no Mercosul: a Caoa Chery (Tiggo 8), a GM (Chevrolet Trailblazer) e a Toyota (SW4). O Tiggo 8, entretanto, tem volume limitado porque a montadora sino-brasileira ainda não tem a capacidade de produção da Stellantis. Quanto ao Trailblazer e ao SW4 (este feito na Argentina), são dois SUVs que sobrevivem do velho conceito de carroceria sobre chassi (como um caminhão).
Ainda na fábrica de Betim, um motor menor, 1.0 turbo de três cilindros, começará a ser fabricado no final deste ano. Este será o “motor de guerra” da Stellantis, para equipar carros de quatro marcas: Jeep, Fiat, Peugeot e Citroën. No caso da Jeep, o favorecido será o Renegade. O conceito será o mesmo: utilização de alumínio para reduzir o peso e aumentar a eficiência do motor, boa potência, baixo consumo e menos emissões de carbono.
Com dois novos motores, reestilização da dupla Renegade/Compass, multimídia aprimorada e um SUV inédito, a Jeep está pronta para seguir dominando os sete mares dos veículos utilitários. Tão pronta que ainda se permitirá colocar um pezinho no segmento de carros eletrificados, trazendo da Itália, no fim do ano, seu primeiro híbrido plug-in (Renegade 4xe ou Compass 4xe).
Mesmo assim a “balança comercial” da Jeep continuará favorável, pois os modelos Renegade e Compass são exportados para 16 países: México, Panamá, Nicarágua, Guatemala, Paraguai, Venezuela, Uruguai, Peru, Equador, Colômbia, Chile, Bolívia, Honduras, El Salvador, Costa Rica e Argentina.
A marca está preparada também para defender sua posição no nicho de luxo aventureiro. Espera-se um ataque da Ford com o novo Bronco 4x4, que é fabricado no México. Para essa batalha, a Jeep já escalou o Wrangler, que vem importado dos Estados Unidos.
Focada apenas no segmento de utilitários esportivos, a Jeep coloca para si mesma o objetivo de liderá-lo. Em 2020, sua participação em SUVs foi de 20,9%. Nada mal num atraente segmento que passou de 306 mil para 528 mil carros em apenas seis anos – e que já foi de 600 mil em 2019, sem a pandemia de coronavírus. No geral, as vendas de utilitários esportivos representam 32,7% do mercado brasileiro. Defender esse oceano de lucros é a meta da Jeep para 2021.