Nas últimas semanas, o clima de euforia que existia no mercado de capitais mudou. Ofertas que estavam prontas para sair foram canceladas. Preços que estavam no teto tiveram de ser reduzidos para que as empresas fizessem seus IPOs.

Isso aconteceu por uma série de fatores, mas, principalmente, por conta das turbulências políticas. Apesar do clima, há quem aposte que este ano ainda baterá todos os recordes. É o caso de Felipe Thut, managing director e head do Bradesco BBI.

“Em 2019, foram R$ 100 bilhões em ofertas e, no ano passado, foram R$ 129 bilhões. Nesse ano, até abril, já temos um volume de R$ 50 bilhões. Estimo que este ano as ofertas de ações vão bater em R$ 160 bilhões”, diz Thut ao NeoFeed.

O executivo credita esse aumento a uma maior migração dos investimentos em renda fixa para renda variável, a uma grande liquidez e também a um novo cenário no mercado de capitais, o de empresas menores fazendo seus IPOs na bolsa, algo que era impensável antigamente, restrito apenas às grandes.

No universo das fusões e aquisições, Thut também enxerga um movimento aquecido depois de um 2020 mais morno por conta da cautela trazida pela pandemia. “Em 2018, foram US$ 55 bilhões em volume de transações no mercado. Em 2020, foram US$ 40 bilhões”, afirma. Desde dezembro do ano passado, os mandatos cresceram 30%.

Thut, que assumiu o comando do BBI interinamente em outubro do ano passado e foi oficializado em março deste ano, conversou com o NeoFeed sobre a situação do mercado, o movimento de consolidação que tem levado empresas à bolsa e também sobre a ida de empresas brasileiras às bolsas americanas.

O BBI é um dos bancos coordenadores da oferta do PicPay, que protocolou, na semana passada, seu pedido de IPO na SEC para estrear na Nasdaq. “O investidor brasileiro não consegue analisar uma história dessa. Uma companhia que cresce muito em receita, mas tem prejuízo e vai continuar a ter prejuízo. É uma questão de maturidade. Em algum momento, esse investidor brasileiro vai ficar mais sofisticado e vai entender esse tipo de oportunidade”, afirma. Acompanhe a entrevista:

Você foi efetivado com uma missão. Qual é o seu desafio à frente do Bradesco BBI?
O desafio que temos hoje é, cada vez mais, integrar Bradesco e Bradesco BBI para oferecer uma solução completa para o cliente, e isso já vem acontecendo. Vou te dar um exemplo. Eu trabalhei no Morgan Stanley, que é um banco de investimentos puro, ele faz o IPO ou o follow on e vai embora. O Bradesco tem uma gama de produtos financeiros para oferecer, seja dos serviços do dia a dia a parte de crédito que o banco estrangeiro não tem. Se um cliente vem aqui e diz que gostaria de fazer um M&A, mas precisa de um cheque para fazer aquela compra, a gente tem.

Tem algum caso recente?
A Ânima comprou a Laureate no fim do ano passado e o Bradesco aprovou um cheque de quase R$ 2 bilhões para que ela tivesse garantia para essa compra. Em dezembro, a gente fez o follow on, ela captou dinheiro, entrou capital. E o Bradesco conseguiu assessorar a Ânima no M&A, dando financiamento para a companhia e fazendo o follow on. Assumi uma plataforma já pronta e a minha missão é preparar para um novo momento do mercado de capitais.

Qual é esse novo momento?
É o da democratização do mercado de capitais. Há dez anos, você só fazia IPO de grandes empresas. Agora, vemos exemplos de empresas menores fazendo ofertas menores e acessando um mercado ao qual elas não tinham acesso. Antes, uma empresa média dependia de empréstimo bancário ou eventualmente de um fundo de private equity. Estamos vendo um movimento de muita consolidação de mercado. Quem tem acesso ao mercado de capitais e pode levantar dinheiro, está numa condição muito diferente das empresas menores e médias, que estão com seus balanços bastante prejudicados por conta da pandemia.

“Agora, vemos exemplos de empresas menores fazendo ofertas menores e acessando um mercado ao qual elas não tinham acesso”

Esse mercado vai crescer?
Para você ter uma ideia, o nosso time tem aproximadamente 80 pessoas, é um dos maiores de bancos de investimento do Brasil, e tivemos uma aprovação interna de contratação de mais 25 pessoas. É uma baita aposta do Bradesco que o BBI é muito importante e vai continuar se desenvolvendo muito. Nunca tivemos uma aprovação como essa. Sem dúvida nenhuma, teremos muitas aberturas de capital.

O que te leva a crer nisso?
Olhei várias estatísticas do banco. Em dezembro de 2018, tínhamos mais ou menos 70 projetos ativos, entre M&As, equities, IPOs, follow ons. Em dezembro do ano passado, tínhamos 150. O número de deals ativos dobrou nos últimos dois anos.

E para este ano?
A gente vê esse ritmo continuando aumentando. Falando de ofertas de ações, 2007 chegou a ser o ano recorde de emissões no Brasil, foram R$ 75 bilhões e 76 ofertas. Demoramos até 2019 para bater esse volume de R$ 75 bilhões. Em 2019, foram R$ 100 bilhões e, no ano passado, foram R$ 129 bilhões. Nesse ano, até abril, já temos um volume de R$ 50 bilhões. Vamos bater o ano passado. Estimo que este ano as ofertas de ações vão bater em R$ 160 bilhões, até com uma perspectiva de alta.

“O número de deals ativos dobrou nos últimos dois anos”

A que você credita essa alta?
Temos um cenário hoje de taxa Selic mais baixa da história. Com a queda da taxa, as pessoas buscam estratégias de investimentos mais arriscadas, que dão retorno maior. Então, vimos uma migração de investimento em renda fixa para renda variável. Então, tem um caminhão de dinheiro procurando retornos maiores. Onde vão buscar esse retorno? No mercado acionário. A gente, do lado do banco de investimentos, precisa levar ofertas para o mercado para encontrar essa demanda de oportunidades de investimentos. Olhando o Brasil, era um absurdo que você desse oportunidades no mercado de capitais só para grandes empresas. Estamos indo num nível de empresas menores porque tem comprador, a liquidez é alta.

Mas não tem muita empresa ruim tentando ir ao mercado?
Muita gente nos pergunta isso. No mercado americano, o número de ofertas é muito maior do que aqui no Brasil. E não dá para achar que lá todas são triple A e de qualidade. O Brasil não está acostumado a analisar oportunidades de empresas com esses perfis. Agora, você passa a fazer outra avaliação. Tudo tem um preço. O líder de mercado tem um valuation premium. A companhia daquele setor e que é um pouco menor tem um desconto de valuation. Uma vale 20 vezes o Ebitda e a outra vale 15. Ao longo do tempo, quando for entregando resultado, vai performando melhor e o múltiplo pode convergir para um nível maior.

Como convencer o dono da empresa? Na hora de abrir o capital, ele compara com a grande e quer valuation de grande...
É verdade. O empresário sempre fala que o negócio dele vale mais. O nosso trabalho é tentar mostrar para ele que as empresas que estão na bolsa estão listadas faz tempo, que os investidores já conhecem, que a dele é uma nova história no mercado, que faz sentido vir com desconto e ir entregando ao longo do tempo. Mas acredito que é uma questão de tempo. IPO é muito novidade para todos os empresários. Eles precisam entender que esse é o primeiro passo da companhia. Você está ali no IPO, às vezes vendendo 10% da sua participação, botando dinheiro novo na companhia, ficando com float de 25% e ainda tem 75% daquela empresa. Então, vende um pouco mais barato, capta o dinheiro, se prova no mercado porque a maioria do patrimônio dele ainda está lá.

“Tem um caminhão de dinheiro procurando retornos maiores”

Você tocou no ponto de ofertas mais baratas, dos descontos. A janela de IPOs mudou e muitos estão saindo com desconto. O que está acontecendo?
Mudou mesmo. Até duas semanas atrás, a gente estava discutindo se ia ter mudança do ministro da Economia, se a CPI poderia azedar o clima político e ainda tem a inflação. Nessa questão de risco político, o investidor fica mais com o pé atrás. O investidor ficou mais receoso e o que a gente escuta dos gestores é que a migração de renda fixa para a renda variável deu uma segurada. E o que acontece é que o empresário, que já tem aquela expectativa de valuation lá em cima, quando vê o desconto, não quer fazer. Tínhamos lá na CVM mais ou menos 45 ofertas arquivadas para saírem na janela de abril e vamos ver cerca de 12 saindo. Teve uma quebra da janela.

Os investidores estrangeiros também tiraram o pé de Brasil...
Sim, a dúvida que temos é como o investidor estrangeiro vai se comportar daqui para frente. Ele é o primeiro a ter essa sensação do risco político. E aí foram todas as questões de Petrobras, de STF, de CPI, do Orçamento. Muitos ruídos nos últimos meses. A nossa preocupação é se esse investidor vai esperar as eleições, que estão muito longe. A bolsa está muito barata no Brasil. Não temos dúvida de que o estrangeiro vai atuar de uma forma mais tática. Ele vai vir, comprar uma oportunidade e sair. Ele não está convicto para vir para o Brasil e permanecer por dois ou três anos investido aqui. Essas últimas janelas, de 2019 e 2020, já foram feitas por brasileiros, suportadas pela migração da renda fixa para a variável. O nosso mercado está longe de ser maduro, mas hoje não dependemos tanto dos estrangeiros como em 2006 e em 2007.

Como era a proporção?
Naquela época, os americanos compravam 70%, os europeus ficavam com 15% e os brasileiros com os outros 15%. Desde 2019, vemos brasileiros comprando dois terços das ofertas e os europeus sumiram. Neste ano, 65% do volume comprado foi dos locais e o restante dos internacionais.

“O estrangeiro vai atuar de uma forma mais tática. Ele vai vir, comprar uma oportunidade e sair”

Por que as empresas brasileiras estão buscando a Nasdaq? PicPay e Elo, por exemplo, farão IPO lá fora. É para ter um valuation maior?
Esse é um dogma que existe. Mas quando você conversa com o investidor americano ele fala assim: ‘não é só porque você está listando aqui que eu vou te pagar mais’. Senão seria fácil. Acho que isso tem a ver com a maturidade do mercado. Vou dar um exemplo de PicPay, que vai abrir capital na Nasdaq (O Bradesco BBI está participando da oferta). Eu não consigo lembrar de uma história no Brasil, nos últimos 15 anos, que tenha ido a mercado com prejuízo. O investidor brasileiro não consegue analisar uma história dessa. Uma companhia que cresce muito em receita, mas tem prejuízo e vai continuar a ter prejuízo.

Por que não consegue?
É uma questão de maturidade. Em algum momento, esse investidor brasileiro vai ficar mais sofisticado e vai entender esse tipo de oportunidade. Hoje ele não entende. Você precisa ir para os Estados Unidos porque isso lá é muito mais comum, tem muita startup que abre o capital e tem prejuízo nos primeiros anos. Aqui no Brasil não tem, não tem nenhuma história. Por exemplo, a gente fez o IPO da Méliuz, que é uma empresa superlegal. Ela já gerava caixa. No caso da Elo, por exemplo, o problema dela é dar lucro. Ela é uma fintech, de meios de pagamento, cresce muito a receita. Se ela desse prejuízo, estaríamos discutindo múltiplo de receita. Mas, como ela dá lucro, o investidor aqui no Brasil quer discutir múltiplos de lucro. Quando você vai para os Estados Unidos, é outro tipo de discussão.

Mas tem também as classes de ações. Isso não conta?
Sem dúvida. A CVM e a B3 estão superatentas a isso e tem uma intenção delas de flexibilizar esses pontos.

“Quando você vai para os Estados Unidos, é outro tipo de discussão”

Quais são os setores que chamam mais atenção dos investidores?
Tem alguns temas que vão durar por muitos anos. Consolidação setorial, infraestrutura, desenvolvimento do mercado de capitais e commodities. E tem vários subsegmentos que entram nesses. No varejo, está acontecendo essa consolidação. E aqui entro no ponto das empresas que têm acesso ao mercado de capitais e as que não têm. Quem não tem acesso, tomou dívida, teve queda em faturamento, está alavancada. No setor de saúde, que tem essa tese de consolidação, fizemos o IPO da Rede D’Or, da Dasa, do Mater Dei, Cora Saúde. Todos eles estão levantando dinheiro porque os hospitais sofreram na pandemia, tem um monte de hospitais próximos de estarem quebrados. A Rede D’Or, a Dasa, o Mater Dei levantaram bilhões. Todos estão de olho em aquisições, em hospitais que estão em situações financeiras difíceis. Isso vai acontecer também em shopping-centers, no varejo alimentício e de vestuário, pet-shops.

Mas você não falou de empresas de tecnologia...
Eu incluiria no desenvolvimento no mercado de capitais. Aí entram as fintechs. Seja Méliuz, que fizemos o IPO, o Modalmais, que está buscando IPO, ou outras plataformas de investimentos que vão nessa tese. Na parte de tecnologia, fizemos também Enjoei, Westwing, Mobly. Eu colocaria essa tese da tecnologia na mudança de comportamento de compra, que foi muito acelerada pela pandemia. Mas tem dificuldade do investidor brasileiro de avaliar essas teses.

Como você tem avaliado o mercado de M&A?
Durante a pandemia, o investidor estratégico, do M&A, perdeu a confiança de fazer novos investimentos. Se você olhar, em 2018, foram US$ 55 bilhões em volume de transações. Em 2020, foram US$ 40 bilhões. Essa falta de confiança fez com que várias empresas cancelassem os deals. Um dos grandes exemplos aqui no Brasil foi o caso entre Embraer e Boeing. Dito isso, estamos próximos de passar a pandemia, com a vacinação, e muitas companhias estão em dificuldade financeira. Muitas companhias vão precisar vender ativos ou a própria companhia. A mudança de comportamento vai fazer com que muitas busquem sinergias. Há também liquidez abundante. Tudo isso se resume a uma atividade maior de M&A do que no ano passado. E, eventualmente, alguns candidatos que iriam fazer IPO podem virar M&A.

Esse ano o mercado ficará movimentado?
Sem dúvida, esse ano será bem maior do que o ano passado. Acelerou muito. Em novos mandatos de M&A, temos crescido 30% de dezembro para cá.