Nos últimos 12 meses, a integração do Big foi a tônica do Carrefour Brasil. Enquanto arrumava a casa para abrigar o ativo, comprado por R$ 7 bilhões, a pressão no balanço, os gastos e os riscos na execução desse processo - com o agravante do cenário macro instável - foram ressaltados pelo mercado.

Parte da resposta a esses questionamentos está sendo dada na manhã desta sexta-feira, 30 de junho. O grupo acaba de divulgar que concluiu 100% dessa integração. Com o anúncio, a empresa antecipa em seis meses o prazo inicial estimado para fazer essa entrega.

“Foi um trabalho intenso, num momento de consumo mais fraco e concorrência mais acirrada”, diz Stéphane Maquaire, CEO do Carrefour Brasil, ao NeoFeed. “Mas foi melhor ter enfrentado tudo ao mesmo tempo. Agora, estamos maiores e prontos para quando o consumo voltar.”

O Carrefour não revela dados do processo em áreas como logística, compras e backoffice. Mas alguns números dão a dimensão do que foi feito desde que a operação, anunciada em março de 2021, foi aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em maio de 2022.

Com um capex estimado de R$ 1,9 bilhão, a companhia converteu 129 lojas, sendo 76 para o Atacadão. Outras 48 reforçaram a base dos hipermercados Carrefour e as cinco restantes passaram a operar sob a marca Sam’s Club. Hoje, a base total é de cerca de 1,2 mil pontos de venda.

Essa onda materializou o reforço da presença em regiões nas quais o grupo, avaliado em R$ 23,4 bilhões, não tinha tanta presença. Na região Sul, por exemplo, a base foi triplicada e chegou a 200 unidades.

No Atacadão, os destaques ficaram com São Paulo, com 18 lojas convertidas, além do Rio Grande do Sul e do Paraná, com 16 e 12 unidades, respectivamente. Com as migrações, o hipermercado Carrefour estreou nos estados de Santa Catarina, Alagoas, Bahia e Piauí.

A conclusão da integração não significa, porém, que essa agenda está encerrada. Maquaire reconhece que ainda há um trabalho a ser feito para azeitar essa nova engrenagem e capturar os R$ 2 bilhões estimados em sinergias até 2025.

Ele ressalta que, só agora, com as lojas em operação, será possível entender o que precisa ser adaptado aos padrões de cada praça. “Ainda estamos digerindo um gigante”, diz o CEO. “Precisamos de três anos para que essas lojas atinjam uma maturidade. A boa notícia é que ganhamos seis meses nessa jornada.”

Maior alvo dessas conversões e carro-chefe do Carrefour Brasil, o Atacadão, com 344 lojas, é também o principal foco de atenção na esfera da performance, ao lado dos supermercados. Especialmente diante do cenário recente de competição mais ferrenha nesse conceito.

Atacadão - Itaquaquecetuba
O Atacadão foi o principal destino das conversões de lojas do Big

“Esse mercado ganhou 240 lojas nos últimos 12 meses. Muitos players regionais abriram unidades e nosso concorrente também se movimentou”, diz Maquaire, em uma referência ao Assaí, que turbinou sua operação a partir da compra de 71 lojas do Extra, em outubro de 2021, por R$ 5,2 bilhões.

“Não tenho dúvida de que vamos conquistar mais clientes com essas novas lojas”, afirma. “Mas precisamos de tempo e vai ser um trabalho de detalhe para consolidar essas novas operações. E a concorrência terá o mesmo desafio.”

Ao mesmo tempo em que acerta esses ponteiros, o Carrefour vai dar sequência à expansão orgânica, dando prioridades ao Atacadão, ao Sam’s Club e aos formatos de proximidade.

Em contrapartida, não há planos de ampliar a rede de hipermercados, composta por 148 unidades. Essas operações estarão no centro de avaliações periódicas para eventuais conversões, loja por loja, para as marcas Atacadão e Sam’s Club.

Lojas combo

Outra opção na mesa envolve a interação entre as marcas. O grupo quer escalar o modelo de lojas combo, no qual duas bandeiras diferentes compartilham o mesmo terreno. Hoje, há quatro projetos em Guarulhos (SP), Barueri (SP), Contagem (MG) e no Rio de Janeiro.

Em breve, outras duas iniciativas vão reforçar essa base, com a marca Sam’s Club como “nova inquilina”. A primeira, no Atacadão da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. E, a segunda, no Carrefour do BarraShoppingSul, em Porto Alegre. A empresa já avalia mais dois projetos no interior de São Paulo e no Nordeste

“Há muitos ativos em que podemos dividir custos como energia, estacionamento e impostos”, afirma Maquaire. “Esse formato poderá acelerar, inclusive, a expansão do Sam’s Club, com menos capex e energia para achar um local do que precisaríamos tradicionalmente.”

O Sam’s Club é uma das marcas que vai ganhar peso nesse novo momento. Hoje, a rede tem 43 lojas em operação. De olho em praças como a Grande São Paulo, o plano é dobrar essa base de unidades. O prazo para que isso aconteça não foi revelado.

“Esse formato tem alguns elementos únicos, como os produtos importados e exclusivos para os sócios”, observa Maquaire. “E nos dá acesso a clientes das classes A e AB. Até então, nós cobríamos mais as classes C e D, com o Atacadão, e B, com o hipermercado.”

Com foco nesse novo perfil, um dos nortes é ampliar a digitalização do Sam’s Club. Um movimento recente sob essa orientação foi o lançamento, em dezembro de 2022, do cartão Sam’s Club, por meio do Banco Carrefour.

A digitalização é prioridade para todo o grupo. “Estamos aproveitando as novas lojas para converter mais clientes também no digital”, conta Maquaire. “Temos 15 milhões de clientes que nos visitam por semana e criamos um time para analisar os dados dessa base e nos ajudar a tomar as decisões certas.”

Outro passo recente foi o lançamento das franquias do Carrefour Express, com aporte inicial de R$ 150 mil e lojas de 15 a 200 metros quadrados. A iniciativa é um atalho para acelerar a expansão da marca de proximidade, que tem 151 unidades, boa parte delas na região metropolitana de São Paulo.

Braço imobiliário e alavancagem

À parte da expansão, a companhia toca outros projetos na tentativa de equacionar sua operação. Anunciada em novembro de 2022, uma das iniciativas é um potencial carve out do seu braço imobiliário, que reúne mais de 450 ativos.

“Nesse primeiro semestre, fizemos um trabalho interno, jurídico, para reorganizar onde estamos e identificar os ativos que temos”, afirma. “Agora, vamos ver qual é o melhor momento para buscarmos um parceiro. Mas não temos urgência.”

Nesse processo, em maio, o Carrefour deu início a negociações para a venda de 5 centros de distribuição e 5 lojas para a Barzel Properties, por R$ 1,3 bilhão. O acordo é uma operação de sale and leaseback – venda seguida pela locação dos imóveis à própria empresa -, modelo que vem sendo adotado por outros varejistas, como o GPA.

Maquaire ressalta que o acordo está em vias de ser concluído e endereça mais uma questão diretamente relacionada à compra e integração do Big: a alavancagem do grupo, de 2,44 vezes na relação dívida líquida/Ebitda.

“Além do sale and leaseback, temos o ramp up das lojas convertidas e o fluxo de caixa que vamos gerar com essa base nos próximos anos”, diz. “É claro que temos de ficar atentos a esse tema, mas isso não tira o nosso sono.”

No primeiro trimestre de 2023, o Carrefour Brasil reportou um prejuízo de R$ 113 milhões, o primeiro desde o seu IPO no Brasil, em 2017

O balanço de janeiro a março de 2023 trouxe, porém, outros pontos de atenção além da alavancagem e da dívida líquida de R$ 13,8 bilhões. Entre eles, o prejuízo líquido de R$ 113 milhões, a primeira perda desde o IPO da rede no Brasil, em 2017. A receita líquida avançou 30,7%, para R$ 27,1 bilhões.

Um relatório recente do Citi traz o saldo de todo esse contexto. O banco elevou a recomendação do Carrefour Brasil de neutro para compra. Mas reduziu o preço-alvo da ação de R$ 18,50 para R$ 15 - o papel vem sendo negociado próximo a R$ 11, o que dá um upside de mais de 35%.

“Acreditamos que a ação já contempla os principais desafios do curto prazo”, escreveram os analistas João Pedro Soares, Felipe Reboredo, Sergio Matsumoto e Cristian Ashwell, que elencaram justamente os riscos na execução da integração do Big e a alavancagem da empresa.

Em contrapartida, o quarteto destacou frentes como o acordo com a Barzel. “Embora o valor seja pequeno em relação ao valor de mercado do Carrefour Brasil, entendemos que ele jogou luz sobre os ativos de real estate, que são uma fonte interessante de upside risk.”

As ações do Carrefour Brasil fecharam o pregão da quinta-feira, 29 de junho, na B3 em queda de 0,27%, cotadas a R$ 10,92. Em 2023, os papéis acumulam uma desvalorização de 25,9%.