Nos últimos 12 meses, dois grandes acordos movimentaram o varejo alimentar. Em outubro de 2021, o Assaí fechou a compra de 71 lojas do Extra Hiper, por R$ 5,2 bilhões. Já em maio de 2022, o Carrefour teve a aprovação para a aquisição de R$ 7,5 bilhões do grupo Big, anunciada em março do ano passado.

As transações foram o ponto de partida para um ciclo agressivo de expansão das duas redes, as líderes do setor, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Ao mesmo tempo, sinalizaram o início de uma possível onda de consolidação no segmento, que movimentou R$ 611,2 bilhões em 2021.

Entretanto, o apetite mostrado pelos dois gigantes não significa que eles irão encontrar o caminho livre caso sigam avançando pelo País. A dupla terá pela frente outros grupos dispostos a defender suas fatias nesse bolo e, se possível, reforçar o tempero regional nesse caldeirão.

“A regionalização tem muita força no setor”, afirmou Vinicius Aroeira, CFO do grupo mineiro Super Nosso, ao NeoFeed, durante a Food Retail Conference, realizada nesta semana pela XP. “É um desafio grande, por exemplo, para Atacadão, Assaí e qualquer outra rede nacional entender o que o mineiro quer.”

Aroeira tem um bom exemplo para validar sua tese. Na contramão do que normalmente prevalece na relação entre marcas globais e locais, em agosto de 2020, o Super Nosso concluiu um acordo para assumir a gestão de 16 lojas do Carrefour em Belo Horizonte e região metropolitana.

“O Carrefour fez o contrário do que faz na Europa e no mundo inteiro”, disse o executivo. “Nós sabemos que a consolidação vai vir, mas o que estamos construindo nos deixa mais confiantes.” Com um faturamento de R$ 3,2 bilhões em 2021, o Super Nosso ocupou a 23ª colocação no ranking da Abras do período.

Outros números do estudo da Abras ilustram o que está em jogo nesse contexto. Com uma participação de 7,03% no Produto Interno Bruto (PIB) do País, o varejo alimentar fechou 2021 com uma base de 92.558 lojas no País, por onde circulam, diariamente, mais de 28 milhões de consumidores.

Principal destino desses clientes, os 50 maiores grupos do setor responderam por 53,9% do faturamento no período. Em 2019, esse índice era de 37,2%. Mas na visão de especialistas, há espaço para avançar nesse índice.

“Pela nossa estimativa, as seis maiores empresas do setor têm 28% do mercado”, observou Felipe Ahouagi, sócio da L.E.K. Consulting. “Então, há muito espaço para consolidação. O varejo alimentar no Brasil é muito fragmentado e não existe nenhum paralelo com as principais economias do mundo.”

Analista de varejo da XP, Danniela Eiger seguiu na mesma linha. “Esses players maiores estão acelerando muito a expansão, então, naturalmente, essa consolidação tende a acontecer”, afirmou. Ela reforçou, no entanto, uma ressalva nesse processo.

“Não se trata apenas de uma questão de tamanho, e sim, de cultura. No Nordeste, a realidade, o dia a dia, são muito distintos do Sul”, ressaltou. “O Assaí, por exemplo, faz muito bem essa regionalização, mas é uma barreira.”

Segundo a Abras, os 50 maiores grupos do varejo alimentar responderam por 53,9% do faturamento do setor em 2021

Quarto lugar no ranking da associação do setor, atrás apenas do trio formado por Carrefour, Assaí e GPA, e avaliado em R$ 14,4 bilhões, o Grupo Mateus é mais um player regional que vem protegendo – e expandindo – seu território nesse contexto.

Com 222 lojas no total, 20 delas abertas no primeiro semestre, a rede maranhense chegou aos estados do Ceará e Sergipe no segundo trimestre, nos formatos de varejo e atacarejo. E, ainda neste ano, vai desembarcar em Alagoas e na Paraíba.

Se o Mateus já tem um diálogo mais próximo com o consumidor da região, em outra ponta, a do mercado de capitais, o grupo promoveu recentemente uma reorganização interna para aprimorar sua comunicação com os investidores.

Em agosto, a empresa anunciou que o fundador Ilson Mateus estava deixando o posto de CEO para assumir a presidência do conselho de administração. Em seu lugar, assumiu Jesuíno Martins, executivo com 25 anos de casa. O grupo também contratou Tulio Queiroz, ex-Guararapes, como novo CFO.

“Além dessa fragmentação, o setor tem uma característica forte de ser formado por muitos grupos familiares”, disse Guilherme Mendes, executivo de investment banking da XP. “E muitos deles têm investido em governança, gestão e, sobretudo, num plano de sucessão. E o Mateus é mais um exemplo disso.”

Cada um no seu metro quadrado

Para Ahouagi, da L.E.K Consulting, outro conceito também vai ser um norte do varejo alimentar. Trata-se do que ele classifica como Economia da Ampulheta, termo que traduz a tendência de o crescimento do setor se concentrar em duas pontas: a base e o topo da pirâmide dos consumidores.

“Temos uma classe média cada vez menor e, na prática, o meio da pirâmide desaparece”, explicou. “Com essa dinâmica acontecendo, haverá consequências tanto do ponto de vista de mix de produtos como de canais.”

Esse panorama deve favorecer a busca das empresas do setor pelo foco em uma dessas pontas. O que, por sua vez, seguirá fortalecendo, de um lado, os atacarejos, com sua proposta mais acessível. E, de outro, bandeiras de caráter mais premium e formatos como as lojas de proximidade ou de um nicho específico.

Mas há quem esteja posicionado nas duas extremidades. É o caso do Super Nosso, que detém a rede Apoio Mineiro, no cash & carry, e, em supermercados e loja de proximidade, trabalha com um perfil mais premium. Mas, a princípio, o grupo tem planos distintos para as duas frentes.

“No curto prazo, vamos focar mais no cash & carry”, disse Aroeira, CFO do grupo. “No supermercado, já estamos cobertos em Belo Horizonte e a expansão desse formato para outra cidade é mais válida em bloco, de oito a dez unidades, diferentemente do atacarejo, que é possível ir com apenas uma loja.”

O grupo Super Nosso faturou R$ 3,2 bilhões em 2021

Com uma base atual de 72 lojas, sendo 20 delas no atacarejo, a empresa chegou recentemente ao interior mineiro com a abertura de uma loja da Apoio Mineiro em Curvelo. E anunciou o plano de investir mais de R$ 100 milhões em quatro unidades desse formato até o início de 2023, em cidades como Betim e Vespasiano.

No médio prazo, o Super Nosso não descarta expandir as demais bandeiras, inclusive, para outros estados. Além do Triângulo Mineiro, estão no radar Brasília (DF) e Vitória (ES). Essas iniciativas integram o plano do grupo de chegar a 10 milhões de clientes ativos em seu ecossistema. Hoje, essa base está em um milhão.

Se o foco da empresa no momento é o atacarejo, no GPA, a prioridade é outro extremo. Sob o comando de Marcelo Pimentel desde março desse ano, a rede, após separar suas operações do Assaí, vem centrando seus esforços para resgatar sua presença junto ao segmento premium.

Um dos caminhos para concretizar esse plano passa pelo Minuto Pão de Açúcar, bandeira de lojas de proximidade da rede. No início deste mês, o GPA anunciou que vai acelerar as aberturas nesse formato. De uma projeção anterior de 100 unidades até 2024, a nova meta saltou para 250 pontos de venda.

“O movimento do GPA é acertado e mostra que, cada vez mais, teremos players focados e especializados em uma proposta”, disse Danniela Eiger. Ela cita outras iniciativas nessa direção, como a separação do Mambo e do atacadista Giga, em 2020. Com a venda desse último, nesse ano, para o grupo chileno Cencosud, por R$ 500 milhões, em mais um sinal da abertura para a consolidação desse mercado.