Nos últimos anos, algumas empresas decidiram “sonhar grande”. A combinação de juros baixos e liquidez alta foi a deixa para que companhias como Grupo SBF, Infracommerce, Oncoclínicas, Dasa e GPA enxergassem um cenário favorável para irem além do seu core business e adotassem o mantra da “construção de ecossistemas”.

Essa ambição se traduziu em investimentos desenfreados e numa enxurrada de aquisições. Mas, passada a euforia inicial, poucos desses projetos se mostraram promissores. A tese foi muito mais complexa do que aquilo que era propagandeado nos M&As e calls para explicar os racionais da estratégia.

Foi então que o nome do jogo mudou. O discurso, agora, passou a ser o back to basics, uma forma de voltar às origens e corrigir os erros da estratégia de crescer de forma acelerada e a qualquer custo.

Uma das últimas empresas a repetir o bordão do back do basics foi o Grupo SBF. Em 1º de outubro, a empresa anunciou as vendas da NWB, plataforma de mídia digital esportiva, e da sua fatia na X3M, companhia especializada de corridas e eventos, como parte de um movimento mais amplo.

O grupo informou que “optou estrategicamente” por simplificar o portfólio e concentrar esforços e recursos nas suas principais unidades, a Centauro e a Fisia, braço de representação exclusiva da Nike no Brasil. E ressaltou seu novo ciclo, focado no “crescimento rentável de suas operações”.

A dona da Centauro não está sozinha nessa corrida. Outras empresas que tentaram ir além dos seus negócios tradicionais, também sob o mantra da criação de ecossistemas, estão fazendo o mesmo exercício.

“É um movimento de sobrevivência”, diz Harold Takahashi, sócio da boutique de M&A Fortezza Partners. “Algumas empresas foram com muita sede ao pote, gastaram muito dinheiro e, quando foram ver, não estavam garantindo nem a manutenção do seu core.”

Se esse discurso atual se mostra afinado, também há paralelos no período em que essas companhias deram a largada ou aceleraram suas teses de criação de ecossistemas – em particular, os anos de 2020 e 2021. Bem como nas razões que ajudam a explicar motivo desses grupos terem recuado dessa ambição.

“Vários investimentos, especialmente M&As, com múltiplos excessivos, foram feitos na pandemia, com juros de um dígito”, diz Takahashi. “Mas, logo depois, a realidade se impôs. Os juros subiram e o hype da digitalização e da supervalorização da saúde passou. O novo normal não se concretizou.”

Quem experimentou um crescimento exponencial na pandemia foi a Infracommerce. E o entusiasmo da companhia de full commerce não foi turbinado apenas por essa onda de digitalização. Mas também pelo seu IPO, em abril de 2021, quando levantou R$ 902,3 milhões e foi avaliada em cerca de R$ 4 bilhões.

“Todos os ventos estavam a favor. Tínhamos dinheiro em caixa, o mercado digital crescia a dois dígitos e triplicamos de tamanho. Você acaba achando que tem mais envergadura do que de fato tem”, diz Luiz Pavão, cofundador da Infracommerce. “Houve um excesso de otimismo e empolgação.”

Ele ressalta que o IPO validou a tese original da Infracommerce – gerir 100% das operações de e-commerce dos clientes. Mas foi também a chave para que a empresa começasse a sair dos trilhos, algo que só foi reforçado pela pressão dos investidores por crescimento.

“Da noite para o dia, passamos ter 30 mil acionistas e uma cobrança enorme sobre o que fazer com o dinheiro em caixa”, diz. “Foi aí que perdemos o controle e tomamos decisões equivocadas.” A principal delas: ir às compras. Depois do IPO, a Infracommerce fez seis M&As, sendo dois deles fora do Brasil.

Na época, Pavão foi contra essa guinada, ao citar o desafio de integrar tantos ativos e ao distanciamento do core da companhia. Ele foi voto vencido – um em sete – no conselho e, em 2022, se afastou da empresa, voltando apenas em 2024, como CEO. Antes disso, a conta chegou para a Infracommerce.

“O digital desacelerou, os juros dispararam e as dívidas da companhia ficaram impagáveis”, afirma Pavão. “E aí você cuidar de todos os pratos e já não sabe o que deve priorizar. Se integra as companhias que comprou e dá foco aos produtos novos ou se cuida daquilo que era o seu core.”

Uma dose de exagero

Um roteiro semelhante, mas no setor de saúde, foi cumprido por Oncoclínicas e Dasa. Nos dois casos, a pretensão de ir além de suas especialidades acabou pesando.

A empresa de tratamentos oncológicos já tinha um histórico de crescimento via M&As, com a compra de clínicas desse segmento. Mas, em 2021, quando abriu capital, levantando R$ 3,1 bilhões, a Oncoclínicas decidiu expandir sua atuação para uma área que não era de sua expertise: os hospitais.

O grupo comprou três hospitais com a intenção de transformá-los em câncer centers e oferecer uma solução eficiente em termos de custos, ao integrar toda a cadeia de tratamento.

“Fazia sentido tentar ser também custo efetivo na alta complexidade e fechar parcerias de exclusividade de toda a jornada do paciente com os planos de saúde”, diz uma fonte próxima ao grupo. “O maior erro foi não ver que era mais viável ter parceria com um hospital existente do que operar unidades próprias.”

O próprio CEO, Bruno Ferrari, em entrevista ao NeoFeed, no fim de setembro, fez um mea culpa. "O segundo (passo) é o back to the basics: foco absoluto na oncologia, nosso core. Seja no atendimento ambulatorial, que é o principal, seja em pacientes internados. Com isso, a Oncoclínicas volta a ser uma companhia mais leve, menos intensiva em capex, como começou", disse ele, na ocasião.

A Dasa também recorreu às aquisições para criar seu ecossistema. Mas em maior dose. Entre 2019 e 2022, o grupo de medicina diagnóstica fez mais de 30 aquisições. E passou a ter uma operação que englobava diversas áreas, como hospitais, telemedicina e home care.

“Percebemos que havíamos expandido muito a empresa, com uma tese de crescimento na nossa rede hospitalar. Com o agravamento da crise econômica, a partir de 2023, ficou claro que o custo de capital era muito alto”, disse Rafael Lucchesi, CEO da Dasa, em entrevista recente ao NeoFeed.

Integrar esses ativos não foi o único desafio de ambos os grupos. Houve ainda um agravante: a crise que atingiu o setor de saúde pós-Covid-19, quando a sinistralidade e os custos médicos subiram. Isso prejudicou os planos de saúde, que tiveram os preços reajustados pela baixa sinistralidade da pandemia.

A Oncoclínicas, em particular, foi duramente afetada pelos problemas da Unimed Rio, que quebrou no ano passado e teve os clientes e passivos assistenciais transferidos para a Unimed Ferj. Ambas possuem quase R$ 800 milhões em passivos com a Oncoclínicas, valor que deve ser recebido em nove anos.

Há quem entenda, porém, que o fracasso de muitos desses ecossistemas não pode ser atribuído exclusivamente ao entusiasmo da pandemia, ao cenário macroeconômico ou a desafios específicos de cada setor.

“As palavras ecossistema e plataforma foram usadas de um jeito bastante leviano por parte das empresas”, diz Marcelo Nakagawa, professor de inovação, transformação digital e empreendedorismo do Insper. “Na maioria dos casos, essas empresas trocaram 6 por 6,5.”

Ele observa que os dois termos ganharam status de palavras de ordem para muitas empresas na trilha do modelo de chinesas como Tencent e Alibaba, e de suas versões ocidentais, como a Amazon. Mas ressalta que a tradução dessas teses foi distorcida e equivocada em boa parte dos casos no Brasil.

“O principal não foi feito, que é definir exatamente o que se está chamando de plataforma e ecossistema. E quando se parte da premissa equivocada, mesmo acertando você erra”, diz Nakagawa. “Se essa estratégia tivesse sido correta, não teria taxa Selic que atrapalharia.”

A volta ao básico, na prática

Do novo discurso à prática, essa volta ao básico tem se traduzido, principalmente, em desinvestimentos e no redimensionamento das operações. Isso envolve, inclusive, quem está seguindo esse direcionamento há mais tempo. Esse é o caso do GPA.

No grupo de varejo alimentar, a simplificação das operações ocorre há mais de uma gestão e foi agravada pela situação do Casino, com o controlador francês aprovando a venda de ativos para aliviar sua grave situação financeira na França.

O plano mais recente data de 2022, quando Marcelo Pimentel, o quinto CEO em cinco anos, assumiu o comando da empresa e recorreu, mais uma vez, ao mote do back to basics e da retomada da rentabilidade, ao concentrar a atuação do GPA em supermercados premium.

Dois anos antes, o GPA já havia se separado do Assaí e encerrado seu formato de hipermercado. E, com a chegada de Pimentel, se desfez da sua sede administrativa, da sua rede de postos de gasolina e das suas fatias na Éxito e na Cnova. Esses desinvestimentos somaram R$ 1,9 bilhão.

O GPA também reviu o apetite pelo crescimento em outros segmentos ligados ao varejo, como a entrega de alimentos. Em 2022, a empresa incorporou a James Delivery, comprada quatro anos antes justamente para dar fôlego a essa estratégia. Mas cujos custos de manutenção pesavam no balanço.

Nos capítulos mais recentes desse turnaround, a empresa tem enfrentado mudanças constantes no conselho e discussões sobre pendências fiscais com seu antigo sócio, o Assaí. Mas defende que, no saldo entre desafios e avanços, essa revisão estratégica tem produzido resultados.

Desde 2022, a dívida bruta do GPA caiu de R$ 6 bilhões para R$ 4 bilhões e a alavancagem, de 10 para 3 vezes. A empresa também reforçou sua estrutura de capital com um follow on de R$ 704 milhões no ano passado.

Após o retorno de Pavão, há um ano, um dos primeiros passos da Infracommerce também foi enxugar sua operação. A empresa reduziu seu quadro, de 2,5 mil para cerca de 1,1 mil funcionários, e entregou um andar inteiro em sua sede, em São Paulo, além de três estruturas em Brasília, Ceará e Salvador.

Entre outras medidas, neste mês, a companhia concluiu um acordo no qual a Vermelha do Norte, que reúne Itaú Unibanco, Santander, Banco do Brasil e Banco ABC Brasil, seus principais credores, converteu debêntures em ações, assumindo o controle da operação, com uma fatia de 86,28%.

“Um ano depois, a gente acorda sem dívida, com quatro bancos como sócios, capitalizados, sem queimar caixa e sem churn de clientes”, diz Pavão. “Agora é, de fato, voltar a crescer. Mas com base no core e com rentabilidade. E não mais aquele crescimento desenfreado.”

Na Oncoclínicas, a expectativa é de que a estratégia back to basics, do ponto de vista de receita, comece a demonstrar resultados positivos no fim do ano, após a saída do segmento de hospitais. Com apenas as clínicas, a projeção é de crescimento de receita de 9% a 12%.

Nesse contexto, um ponto visto como essencial para equalizar a estrutura de capital e reduzir a alavancagem financeira, de 4,4 vezes no segundo trimestre, foi a aprovação, na quarta-feira, 8 de outubro, de um aumento de capital de até R$ 2 bilhões por parte dos acionistas.

A urgência desse passo já havia sido destacada pela Fitch Ratings. Em setembro, a agência de classificação de riscos observou que a falta de um evento de capitalização trazia “risco potencial de quebra de covenants e manutenção de alavancagem elevada (superior a 6,0 vezes) nos próximos anos”.

“O caso da Oncoclínicas ainda é bastante incerto e em um pouco mais turbulento que na Dasa, onde o pior, ao que tudo indica, já ficou para trás”, diz um analista do setor. Ele cita como exemplo a venda de ativos da Dasa na Argentina, por um valor total de R$ 704,8 milhões, anunciada no início de outubro.

“Essa venda de ativos, e por esse valor, foi um golaço. Eles acertaram em cheio o timing. Era a última oportunidade, dada a situação na Argentina”, diz ele. “E a empresa tem dados sinais de que tudo vai voltar aos trilhos.”

Já no caso da SBF, a estratégia de foco em seus negócios de varejo foi elogiada pelo Bradesco BBI. Em relatório divulgado na segunda-feira, 13 de outubro, o banco elevou a recomendação das ações, de neutra para compra, citando justamente a saída de negócios fora do core como uma das justificativas.

Para os analistas, sem a NWB e a X3M, a empresa estabelece um modelo de negócio “eficiente e focado”, num momento em que está “subavaliada e esquecida”. E terá pela frente menos distrações em sua estratégia geral, o que vai permitir aprimorar adequadamente o seu core.