Quando fechou a compra do restante do capital da Granito, em maio do ano passado, o Inter tinha um objetivo claro: utilizar a adquirência como ferramenta para avançar no mercado de Pessoas Jurídicas (PJ). Um ano depois, com o ativo em mãos e rebatizado de Inter Pag, chegou o momento de colocar o plano em prática. E ele começa com uma iniciativa que deve fazer barulho.

O banco da família Menin anunciou nesta segunda-feira, 2 de junho, o lançamento de uma maquininha com taxa zero, iniciativa que visa a consolidar a instituição como referência financeira das micro, pequenas e médias empresas, mas que provoca receios de uma possível volta da “guerra das maquininhas” no mercado de adquirência.

“Quando a gente olha para o nosso negócio PJ, vemos uma geração de receita material, mas conquistamos isso sem explorar todo o potencial de um relacionamento com uma PJ”, diz Alexandre Riccio, CEO do Inter no Brasil, ao NeoFeed. “A maquininha taxa zero visa a aprofundar o relacionamento com as PJs que são nossos clientes e trazer novos clientes.”

A Inter Pag com taxa zero é voltada para o público de microempresas e pequenas e médias empresas (PME), com um volume total de pagamento médio (TPV, na sigla em inglês) de R$ 20 mil a R$ 50 mil por mês. O produto prevê o pagamento de um aluguel ao longo dos 12 meses, depois não há mais cobrança.

Para ter a taxa zero, o cliente precisa manter relacionamento bancário com o Inter, com conta no banco para receber os pagamentos de vendas realizadas através de cartões de crédito ou débito. Não há TPV mínimo para manter a taxa zerada e a maquininha não ficará restrita a MEIs e PMEs, ainda que este seja o público-alvo da iniciativa.

A questão do relacionamento bancário é justamente o que o Inter deseja promover com a oferta, diz Riccio. O banco conta com uma oferta digital para PJs desde 2018 e fechou o primeiro trimestre com cerca de 2,4 milhões de contas nessa vertical, um aumento de 23% em relação ao mesmo período do ano passado. Essa base, cuja composição é dividida de forma praticamente igual entre MEIs e PMEs, representa 6% do total dos clientes do banco.

Nova "guerra"?

Com a maquininha zero, o Inter está de olho em crescer sua participação neste público de companhias menores, composto por cerca de 21,7 milhões CNPJs, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Este é um segmento que conta com muitas credenciadoras, como é o caso do PagBank e do Mercado Pago, dois grandes nomes que não possuem planos sem taxas. O Mercado Pago conta com taxas a partir de 0,74% no débito e no crédito, enquanto o PagBank até oferece taxa zero nos primeiros 30 dias, mas depois informa que passa a incidir uma taxa de 1,99% no débito e a partir de 3,19% no crédito.

O anúncio do Inter gera dúvidas se a paz que se instaurou no mercado vai ser quebrada. Ao longo da década de 2010, a chegada de novos players intensificou a competição, no que ficou conhecido como a guerra das maquininhas.

Riccio destaca que o Inter não está tomando essa iniciativa para abalar o setor de adquirência, nem que a estratégia vai prejudicar as finanças do banco. Ele diz que o serviço serve como forma de captação de clientes, com a monetização ocorrendo através de cross selling, com oferta de linha de crédito até gestão de folha de pagamento, não sendo uma linha de receita relevante.

“A gente viu muita briga entre as maquininhas ao longo do tempo, com participantes do mercado que, em dado momento, eram excessivamente dependentes de um tipo de receita”, diz Riccio. “Nossa proposta transcende isso. Temos muita coisa para o cliente se relacionar conosco e gerar valor para o negócio, sem que oferta da maquininha contamine o negócio. Isso é um reforço ao ecossistema.”

Até por isso ele também não demonstra tanto receio sobre a possibilidade de “canibalização” dos outros planos de adquirência do próprio banco. O portfólio é composto por três diferentes tipos de maquininhas, além de sistemas TEF, voltados para clientes grandes; tap on phone, que transforma smartphones em maquininhas; e links de pagamento.

Esses produtos têm taxas médias de 1,2% no débito e 2,9% no crédito, a depender do faturamento dos clientes, segmentação, tipo de atividade e condições da antecipação.

Alexandre Riccio, CEO do Inter no Brasil

Ele destaca ainda que a Inter Pag não tem um tamanho relevante no mercado para desencadear uma reação forte de qualquer competidor. O TPV gira em torno de R$ 20 bilhões ao ano, o que representa uma participação de mercado inferior a 1%, considerando o volume transacionado com cartões no País, que, no ano passado, somou R$ 4,1 trilhões, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs).

Mesmo se quisesse, o Inter não provocaria uma retomada da “guerra”. Segundo Edson Santos, um dos principais especialistas no setor, o mercado amadureceu. Muitas empresas não têm nem apetite nem possibilidade para iniciativas do tipo. A concorrência que ainda existe e o aumento do custo regulatório, após o aperto promovido pelo Banco Central (BC), impedem uma onda de corte de taxas.

Quem quiser seguir por esse caminho invariavelmente vai repassar o custo ao cliente, de alguma forma. “Não tem espaço para uma nova guerra de preços, porque as margens estão comprimidas. O player precisa ter escala e eficiência para suportar essa margem”, diz Santos.

Futuro

Ainda que a adquirência não represente a principal aposta de receita para o segmento PJ, o Inter quer crescer o Inter Pag. O TPV é menor ao que a Granito registrava quando o Inter acertou a compra da participação de 50% que o Banco BMG tinha, por R$ 110 milhões.

A companhia de adquirência apresentava à época 150 mil clientes e um TPV de cerca de R$ 30 bilhões por ano. Além do TPV menor, a quantidade de clientes PJ que usam o serviço de adquirência é de menos de 100 mil. Riccio diz que os recuos são frutos de um “saneamento” feito na empresa, com readequação da oferta e limpeza da base, retirando clientes que não tinham margem positiva.

“A Inter Pag está em franca incorporação do DNA do banco, evoluindo em todos os processos, para que seja mais digital”, afirma. “A base de clientes é pequena, mas isso nos entusiasma em termos de potencial de crescimento.”

Para ele, a reestruturação da operação, combinada com a oferta da maquininha com taxa zero, a Inter Pag pode começar a acelerar seu crescimento, mas destaca que existe um longo caminho para que possa ganhar relevância nos resultados e no mercado.

“Um em cada dez PJs tem conta conosco, então a Inter Pag tem potencial para crescer e chegar a 5% de market share um dia? Tem. Mas isso ocorrerá no curto prazo? Acho difícil, porque o momento é de construir produto, marca, uma reputação positiva e de buscar o crescimento da base de clientes”, diz. “Market share será consequência.”